Egito: as massas se levantam contra os generais do Exército Portuguese Share TweetA tarefa que enfrentam os trabalhadores e os jovens egípcios é, portanto, tomar o poder em suas próprias mãos – tanto política quanto economicamente – e não o de depositar sua confiança em nenhum dos amigos de última hora da revolução.Os acontecimentos no Egito estão se desenvolvendo a grande velocidade. Da mesma forma que nos últimos dias de Mubarak em fevereiro deste ano, estamos vendo batalhas diárias nas ruas do Cairo e de outros lugares. As massas egípcias estão decididas a levar a revolução até o final. O choque entre a revolução e a contrarrevolução está provocando uma crise dentro de todas as forças políticas, conforme as bases se movem instintivamente em direção à revolução e os dirigentes vacilam e tratam de conter as massas.Os últimos protestos, que entram agora [23 de novembro] em seu quinto dia, são os maiores desde o início da revolução e da queda de Mubarak. Segundo Ahram Online, a “marcha de um milhão de homens” de terça-feira, 22 de novembro, conseguiu mobilizar um milhão de pessoas na Praça Tahrir e 100 mil em Alexandria. Ademais, houve protestos de muitos milhares de pessoas em Suez, Port Said, Gharbiya, Fayoum, Damietta e Minya. Tais números são ainda mais impressionantes dada a brutalidade com que o Estado enfrenta os manifestantes. As ruas em torno da Praça Tahrir se converteram em enormes campos de batalha, com a polícia disparando rajadas após rajadas de gases lacrimogêneos e de balas de metal revestidas de borracha, enquanto que as massas e os manifestantes se defendem com pedras e coquetéis Molotov.A violência e a brutalidade desdobradas pelas forças do Estado – os corpos de homens armados – não podem ser subestimadas. Foram assassinadas dezenas de pessoas e há milhares de feridos. Os informes indicam que as Forças de Segurança Central estão utilizando um novo tipo de gás lacrimogêneo mais potente que causa asfixia extrema e crises epilépticas. Em Qena, o lançamento de gases lacrimogêneos em blocos de moradias deixou uma bebê de noves meses morta. Em outros locais, disparou-se gás lacrimogêneo nos hospitais e mesmo dentro de mesquitas.Translation: Esquerda Marxista (Brazil)Esta brutalidade, em vez de assustar os manifestantes e refrear as multidões, simplesmente serviu para enfurecer as massas ainda mais e para inflamar sua presença nas ruas. As massas revolucionárias – em primeiro lugar, os jovens, que foram os lutadores mais decididos desde o início do movimento em 25 de janeiro – perderam todo o medo. Como costuma acontecer nesses casos, o chicote da contrarrevolução não fez mais que impulsionar a revolução adiante.“Que vá embora, que vá embora!”Como foi informado anteriormente (Egito – A revolução entra em uma nova etapa), estes últimos protestos estão dirigidos contra o regime militar – o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) – que preencheu o vazio de poder deixado depois da saída de Hosni Mubarak em 11 de fevereiro, e que se negou a abandonar seu posto, apesar dos repetidos apelos e protestos das massas.O protesto atual, que começou com uma manifestação na Praça Tahrir na última sexta-feira, foi organizado por um conjunto de diferentes grupos políticos que deixaram suas bandeiras de lado para se unir contra o processo eleitoral e constitucional que o CSFA colocou em marcha. As eleições parlamentares previstas para 28 de novembro são consideradas com justiça como uma farsa, em que o CSFA sugeria sua continuidade como um corpo supra-constitucional depois das eleições e também atrasar as eleições presidenciais até o final de 2012 ou o início de 2013.Em resposta aos protestos, o marechal de campo Mohamed Hussein Tantawi, chefe do CSFA, fez uma declaração pública em que anunciou a renúncia do Gabinete e a antecipação das eleições presidenciais para junho de 2012 (o mais tardar). Estas concessões, contudo, da mesma forma que as escassas reformas oferecidas por Ben Ali, Mubarak e Kadhafi em seus últimos dias, são demasiado poucas e chegam demasiado tarde para as massas revolucionárias da Praça Tahrir, que se apressaram a rejeitar as ofertas de Tantawi. A multidão respondeu ao marechal de campo, que pediu aos manifestantes que se dispersassem, com gritos de “que vá embora, que vá embora, Tantawi deve ir embora”.Os acontecimentos estão avançando rapidamente, a confiança das massas é cada vez maior e sua consciência aumenta; o CSFA é incapaz de controlar a situação. A semelhança com os acontecimentos de fevereiro deste ano é clara, com uma elite governante isolada da situação real e do estado de ânimo das ruas, tratando de se manter no poder a todo custo. Da mesma forma que nos últimos dias de Hosni Mubarak, vemos os apelos do CSFA à calma e à ordem, acompanhadas simultaneamente pelo desdobramento da violência estatal. Com efeito, duas horas após o discurso de Tantawi, as forças de segurança já haviam regressado e os combates nas ruas reiniciaram.A web de notícias egípcia Al Masry Al Youm : comenta a semelhança entre as jornadas de fevereiro e a situação atual:“Pouco depois de terminar seu discurso, milhares de manifestantes da Praça Tahrir gritaram palavras-de-ordem que lembram as utilizadas durante os protestos que derrubaram o presidente Hosni Mubarak. ‘Que vá embora, que vá embora’, foi o que disseram a Tantawi.“As crescentes semelhanças entre estes protestos e os distúrbios do início deste ano não se limitam às palavras-de-ordem. O ativista e analista Samer Soliman comparou o discurso de Tantawi com os discursos que Mubarak fez no início da revolução, dizendo que chegou demasiado tarde e que oferecia soluções que já não eram mais aceitáveis depois da recente escalada da luta.‘É óbvio que seu momento já passou e que não se dá conta do que está acontecendo ao seu redor, da mesma forma que Mubarak’, disse Soliman.“Islam Lofty, membro da Coalizão Juventude Revolucionária 25 de Janeiro, e co-fundador do partido Corrente Egípcia, disse que os manifestantes da praça rechaçaram imediatamente como ‘decepcionante’ o discurso de Tantawi.“O ativista Ahmed Maher, coordenador do Movimento Juvenil 6 de Abril, concordou, dizendo que ‘o discurso não responde às demandas colocadas pelos manifestantes da Praça Tahrir e em outros locais. O discurso é o mesmo discurso de Mubarak em seus últimos dias’”. Ver matéria em: (Matéria aqui)Tanto o tom quanto o conteúdo do discurso de Tantawi foram semelhantes aos de Mubarak, com um apelo conciliador às pessoas para que se retirassem em ordem e em calma. O discurso de Tantawi sugere que deve estar vivendo em outro planeta durante os últimos dez meses, com proclamações tais como a de que o CSFA representava a vontade do povo egípcio e que protegia o “interesse nacional”, como se nunca se tivessem disparado balas em nenhum cidadão egípcio, e que havia sido paciente com as “tentativas de manchar a reputação” do CSFA. É incrível pensar que ele pudesse esperar que alguém acreditasse nessas bobagens hipócritas que brotavam simultaneamente junto à brutal repressão do Estado nas ruas.Mas nem a violência nem as concessões, da mesma forma que nos últimos dias de Mubarak, serão suficientes para manter o CSAF no poder. Os dias do regime militar estão contados, e cada vez mais o assunto não é se o CSFA decidirá ir embora, e sim quando será forçado a fazê-lo.Deserções e divisõesHá outras semelhanças entre o início da revolução e os acontecimentos atuais, como a deserção de alguns oficiais de alta patente para o campo dos manifestantes. Ahmed Shoman, um popular capitão do exército que esteve entre os primeiros oficiais do exército a desertar para o lado da revolução em janeiro, mais uma vez se uniu às massas da Praça Tahrir, condenando o CSFA por tratar de se manter no poder e disse aos jornalistas que o exército “nunca deve estar acima do povo”. Shoman era visto como o representante dos elementos mais revolucionários dentro do exército, e tal deserção revela o potencial que existe para divisões maiores no aparato estatal.Junto às deserções no exército, também há divisões no partido da Irmandade Muçulmana. Desde o início da revolução, a Irmandade Muçulmana vem se mantendo a certa distância do movimento revolucionário, negando-se a participar em uma série de protestos e permanecendo na cauda do movimento. Em vez de participar ativamente, a Irmandade se concentrou em conseguir êxito eleitoral nas próximas eleições parlamentares, onde esperam dominar devido a sua grande rede nacional de organização que, diferentemente de outros grupos políticos, é anterior à revolução.Agora, as divisões estão começando a ocorrer dentro da Irmandade Muçulmana entre a velha direção, elitista e oportunista, e os membros mais jovens, que, da mesma forma que o restante da juventude egípcia, forma a camada mais revolucionária do movimento. A direção da Irmandade está mais preocupada com seus próprios interesses que pela revolução, e devido ao medo que tem da magnitude alcançada pelos últimos protestos, aconselhou seus membros a evitarem participar nas manifestações. Isto levou muitos de seus membros mais jovens a renunciar à Irmandade.O que isto põe de manifesto é que as velhas (e novas) formações políticas no Egito estão desmoronando e se polarizando em dois lados: os revolucionários e os contrarrevolucionários. O que está claro é a completa ausência de qualquer organização de massas que seja capaz de representar os desejos e as necessidades destes jovens revolucionários. É esta falta de direção – a ausência do fator subjetivo – uma característica das mais evidentes da revolução egípcia e é, em última instância, a principal barreira que se interpõe entre as massas egípcias e a possibilidade de que tomem o poder.Nos primeiros dias de fevereiro, foi o impacto dos protestos dos trabalhadores na revolução, através de uma onda de greves de massas, o que finalmente conduziu à queda de Mubarak. De fato, o mês de setembro se caracterizou por uma nova onda de greves em todo o país (Matéria aqui). Os últimos protestos viram jovens na vanguarda, como foi o caso da primeira onda da revolução. Isto, inevitavelmente, será acompanhado por movimentos da classe trabalhadora. Já os trabalhadores de Suez e de outras partes do país convocaram uma greve geral indefinida, mas devido à falta de uma organização em escala nacional, isto ainda está por acontecer.O que se necessita agora é que a Federação de Sindicatos Independentes, que foi formada recentemente, em fevereiro, mobilize todas as suas forças, e não simplesmente para se unir aos protestos na Praça Tahrir, e sim para convocar uma greve geral. Tal medida manteria o fogo sobre o CSFA e garantiria uma expulsão rápida do regime militar.A natureza odeia o vazioA pergunta mais importante com relação à possível queda do CSFA é: quem poderia preencher o vazio deixado? Como se costuma falar, a natureza odeia o vazio, e isto é ainda mais verdadeiro no caso da política. Quanto às alternativas mais comumente citadas, a direção da Irmandade Muçulmana sempre demonstrou ser contrária à revolução, e é claro que um governo burguês liberal, talvez personificado na figura presidencial de Mohamed El Baradei, não poderia resolver nenhum dos problemas sociais e econômicos que foram colocados pelos trabalhadores e pela juventude durante a revolução. Não se deve esquecer que a demanda de “justiça social” apareceu constantemente desde o início do movimento. Apesar do que alguns sugerem, a revolução egípcia representa claramente algo mais que uma tentativa de estabelecer um governo civil democrático.Qualquer novo governo, afinal, terá que lidar com a tarefa de resolver os problemas que o povo egípcio enfrenta: a tarefa de criar empregos, aumentar os salários e melhorar os serviços públicos. Mas nenhum destes problemas pode ser resolvido sobre bases capitalistas. Apesar do crescimento econômico consistente do Egito, a desigualdade cresceu; o desemprego juvenil, da mesma forma que no restante do mundo árabe, é extremamente alto, com estimativas oficiais (que é muito provável que estejam subestimadas) em torno de 25%; e a inflação está comendo os salários, que já são lamentavelmente baixos.A tarefa que enfrentam os trabalhadores e os jovens egípcios é, portanto, tomar o poder em suas próprias mãos – tanto política quanto economicamente – e não o de depositar sua confiança em nenhum dos amigos de última hora da revolução. Mais uma vez isto coloca a questão da necessidade de que os sindicatos independentes e o movimento dos trabalhadores em seu conjunto se mostrem firmes, bem como a necessidade de se construir uma organização revolucionária no Egito que possa unir as diversas lutas e conduzir o movimento para frente – para o socialismo.