Perspectivas mundiais – 2008 (esboço)

Portuguese translation of World Perspectives 2008 draft - Part One and Part Two (January 15, 2008)

Economia Mundial

"É a economia que decide, mas somente em última instância. Mais diretamente significativos são os processos político-psicológicos que estão agora ocorrendo no proletariado alemão e que igualmente têm sua própria lógica" (Leão Trotsky, Os cinco primeiros anos da Internacional Comunista, Introdução à edição de 1924).

As perspectivas econômicas são de grande importância, mas não devem ser consideradas de forma isolada da situação geral do mundo capitalista. Os marxistas não são deterministas econômicos, e sim materialistas dialéticos. Uma perspectiva científica sempre leva em conta todos os lados da equação. Uma análise dialética trata da ação, reação e interação de todos os fatores, tanto os econômicos quanto os superestruturais (políticos, militares, diplomáticos etc.).

As crises econômicas desempenham importante papel, como vimos na Ásia, Rússia e Argentina nas crises de 1997-2001, que tiveram sérias repercussões sociais e políticas. Mas na presente situação do capitalismo mundial, em que as contradições se acumulam em todos os níveis, qualquer choque externo pode provocar profundas conseqüências, quer se origine da economia mundial ou de outros fatores.

O ciclo econômico é importante, mas não esgota a questão da consciência de classe ou das perspectivas revolucionárias. Também ele é uma questão política. Por exemplo, os efeitos da instabilidade no Oriente Médio, das invasões do Afeganistão e do Iraque tiveram um grande impacto político na Itália e na Espanha. Também nos EUA há uma séria crise política com relação ao Iraque. Do outro lado do mundo, o Paquistão está sendo totalmente desestabilizado pelos acontecimentos no Afeganistão.

A queda do governo de Aznar na Espanha foi uma inesperada e radical reviravolta na situação que estava enraizada na crise mundial do capitalismo, mas não diretamente vinculada à economia. No período em que nos encontramos choques repentinos deste tipo estão arraigados na situação geral. Isto é igualmente aplicável à economia, que permanece sendo, em última análise, como o fator determinante da história mundial.

O mais decisivo fator na história atualmente é o domínio esmagador da economia mundial, que foi previsto há muito tempo atrás por Marx e que agora é uma realidade. Nenhuma nação, não importa quão forte seja, pode resistir à poderosa atração magnética da economia mundial. Nem a URSS nem a China - duas poderosas economias subcontinentais - poderiam resistir a esta força e ainda menos os estados pigmeus da Europa.

A queda da União Soviética e a subseqüente incorporação de quase dois bilhões de pessoas da Índia, da China e da antiga URSS no seio da economia mundial deram um estímulo poderoso ao comércio mundial e agiram como um balão de oxigênio para o capitalismo. A intensificação da divisão internacional do trabalho e a exploração de novos mercados e campos de investimento proporcionaram a oportunidade para os super-lucros e para a pilhagem.

Contudo, nada disto significa que as contradições fundamentais do capitalismo foram superadas. Elas apenas foram reproduzidas em escala mais vasta do que em qualquer outro momento da história. Os economistas burgueses, procedendo de forma empírica, mais uma vez caíram na ilusão de que o ciclo econômico fora superado e que as crises eram coisas do passado. E escreveram várias obras sobre um suposto Novo Paradigma Econômico.

Agora, ninguém mais fala qualquer coisa sobre isto. A crise da Internet de 2000 furou a bolha e, embora tenha ocorrido uma recuperação em poucos anos, estão todos agora falando nervosamente sobre as perspectivas de uma redução da velocidade da economia mundial ou até mesmo de uma recessão em 2008. A velha confiança e a "exuberância irracional" desapareceram e foram substituídas por um profundo sentimento de ansiedade.

Turbulência econômica

Todo ciclo econômico começa com um boom e termina numa queda brusca. É impossível, contudo, sermos precisos sobre a duração de um ciclo. Todos os ingredientes estão presentes para uma trajetória descendente, particularmente na crucial economia EUA. O estouro da bolha tecnológica em 2000 levou a uma recessão, mas ela foi um assunto relativamente moderado. Mas não há nenhuma garantia que a próxima será do mesmo jeito. Em economia, o passado não é guia para o futuro. A presente crise nos mercados financeiros aumentou as possibilidades de uma queda em toda a economia. O dólar, apesar de tudo, permanece como a "moeda de reserva" mundial. Uma queda adicional de seu valor poderia desestabilizar a economia global.

Nos últimos cinco anos, a economia mundial cresceu a uma taxa de quase 5% ao ano. Para os países capitalistas avançados o crescimento foi de moderados 2,8% ao ano. Foram as economias "emergentes" que elevaram a taxa com crescimento de 7,8%. A China cresceu a 11% e a Índia a 9%. Este é um fenômeno novo, mas as possibilidades da economia mundial continuam dependendo do desempenho dos países capitalistas avançados, particularmente dos EUA.

Embora um crescimento de 5% ao ano seja semelhante àqueles da era do boom do pós-guerra de 1948-73, mesmo assim permanecemos num novo e menos otimista período para o capitalismo. Além do mais, existem claras indicações de que estes níveis de crescimento não poderão ser mantidos. A crise do verão de 2007, que começou no mercado subprime dos EUA e que rapidamente se espalhou a outros países, foi uma advertência de que o boom nos EUA está chegando ao fim. O caos nos mercados financeiros mundiais no verão de 2007 foi uma manifestação da turbulência geral que é a característica mais proeminente do presente período.

A razão para os diretores da Reserva Federal dos EUA decidirem cortar a taxa de juros depois da crise do verão de 2007 foi a de prevenir o "contágio" - quer dizer, para evitar que a crise do setor subprime se espalhasse ao resto da economia e empurrasse os EUA a uma recessão completa. Isto mostrou que a burguesia vê o fortalecimento do risco de uma recessão e teme que uma recessão esteja por trás do presente nervosismo nos mercados financeiros.

As finanças e a economia real

O boom nos EUA foi em longa medida um boom do consumo alimentado pelo crédito. Como Marx explica, o crédito é uma forma de se expandir o mercado além de suas fronteiras naturais. Mas isto tem seus limites e estes agora chegaram. Se os capitalistas não podem encontrar mercados para suas mercadorias, nenhuma mais-valia será realizada e uma crise de superprodução seguir-se-á.

A crise financeira do verão de 2007 foi um momento decisivo. Pode ou não significar que o ponto crítico foi alcançado quando a economia mundial começar a deslizar para uma recessão. É uma possibilidade. Mas as leis que governam o comportamento dos mercados financeiros não são as mesmas que governam o ciclo capitalista. Uma crise no mercado financeiro pode ser a centelha que dá a partida a uma crise geral, como aconteceu em 1929. Mas se o processo subjacente ainda se encontra em linha ascendente, uma crise desta natureza pode servir para eliminar capital fictício do sistema, preparando o caminho para um período subseqüente (longo ou curto) de crescimento econômico, como em 1987.

Uma queda nos preços das casas deprimirá o gasto dos americanos muito mais do que a crise do mercado financeiro de 2001. O efeito imediato da crise subprime foi uma queda no preço das casas e das condições do crédito. Como resultado, as famílias não podem mais obter empréstimos contra o acréscimo de preço de suas casas para manter seus gastos. Pudemos ver o índice de confiança dos consumidores cair pelo terceiro mês consecutivo em outubro, ao seu mais baixo nível em dois anos.

Um dos mais importantes impulsos ao boom nos EUA foi o boom da construção. Isto estava relacionado à subida dos preços das casas. Mas o mercado imobiliário está agora declinando. Os especialistas diziam que os preços das casas nunca cairiam nos EUA. Mas caíram em 5% nos últimos 12 meses. Os investimentos residenciais entraram em colapso. O excesso de casas não vendidas significa que os preços cairão mais futuramente.

Isto afetará a economia EUA de várias formas. A queda da demanda provocada pela superprodução no setor de moradias está causando uma queda na indústria da construção. Isto provocará uma reação em cadeia nos setores industriais (aço, cimento etc.). Por outro lado, ocasionará efeitos negativos sobre o crédito e o consumo, reduzindo a demanda, que devem provocar também efeitos sobre a produção.

Se os americanos reduzirem severamente os seus gastos - o que seguramente acontecerá - isto arrastará a economia para baixo. O consumo nos EUA tem sido a locomotiva do crescimento desde a recessão de 2001-2. Este crescimento não se baseou no crescimento dos salários, uma vez que os salários dos trabalhadores permanecem estagnados nos EUA por décadas. Ele se baseou no "efeito da riqueza" de consumidores tomando dinheiro emprestado garantido pela subida dos preços de suas casas. Esta subida de preços das casas era, naturalmente, uma bolha. E esta bolha agora estourou.

O preço ascendente do petróleo (apesar das flutuações episódicas) reduzirá o poder aquisitivo. E é por estas razões objetivas que a "confiança do consumidor" caiu severamente. Se as pessoas têm menos dinheiro, se vêem o crédito ser restringido e os preços subirem, e têm medo de perder seus empregos, é natural que não corram às lojas para comprar coisas. Em breve, o boom do consumidor nos EUA se exaurirá. E se não há nenhum mercado onde vender, isto cedo ou tarde afetará os lucros das empresas, levando a uma queda do investimento produtivo.

Capital fictício

Crises financeiras e restrições creditícias não são as causas de crises econômicas, mas seus efeitos. Contudo, dialeticamente, a causa se torna efeito e o efeito se torna causa. O ciclo capitalista de boom e recessão tem causas mais profundas. Enquanto os capitalistas realizarem lucros da extração de mais-valia, haverá "confiança" e "certeza" e o crédito será leniente e fácil de obter. Mas quando o ciclo está chegando aos seus limites e existem indicações de que os bons tempos não continuarão, esta "confiança" evapora.

Marx menciona em O Capital que existem dois tipos de crise financeira no capitalismo. Existem pânicos financeiros que são um reflexo direto de crise na economia real e servem para tornar a crise pior. Em seguida, existem crises financeiras causadas por fatores aparentemente acidentais que provocam efeitos regressivos na economia. Ainda não está claro que efeitos a atual restrição ao crédito terá sobre a "economia real". O que está claro é que a economia americana, e com ela a economia mundial, tem um prazo para mergulhar numa recessão.

As crises financeiras não são a causa de depressões, que são conseqüência da anarquia da produção capitalista. Mas podem certamente exacerbar as crises através da injeção de gigantescas quantidades de capital fictício no sistema durante a ascensão. Isto aconteceu no período anterior ao Grande Crash de 1929 e está acontecendo em até mesmo maior escala agora.

O aumento do custo do crédito não afeta apenas aos consumidores e aos proprietários de casas, também corrói a taxa de lucro dos capitalistas. Isto pode afetar os investimentos em certa etapa, especialmente se estiver combinado com a ascensão dos preços das matérias-primas como o petróleo.

O FED contribuiu poderosamente para o apego da América por bolhas e dívidas. Mantendo as taxas tão baixas durante tanto tempo, encorajou o boom do crédito, abrindo o caminho para a crise atual. Durante grande parte do período de 2002 ao início de 2006, as taxas "reais" eram de fato negativas. As pessoas eram punidas por não fazer dívidas. Greenspan agora diz: "A raça humana nunca encontrou uma forma de enfrentar as bolhas". Ele admite ter sido apanhado desprevenido pela loucura da subprime que se seguiu. Não estar prevenidos é a realidade da maioria dos economistas e da burguesia em geral.

Os níveis de especulação e de capital fictício injetado na economia no último período são como um abscesso que deve ser espremido. Mas na tentativa de se fazer isto, pode-se facilmente perfurar a bolha e derrubar tudo. Neste momento, os credores começarão a exigir o reembolso da dívida e não estarão mais tão propensos a emprestar dinheiro. Eles exigirão mais altas taxas de juros. Isto afetará a taxa de lucro e reduzirá a demanda. O que era efeito agora se torna causa, levando todo o ciclo para baixo em espiral incontrolável.

No pico do boom pode haver uma crise no mercado de valores que serve para eliminar as grandes quantidades de capital fictício que foram injetados no sistema durante a ascensão. Agora isto se chama de "correção" e supõe-se ter os mesmos efeitos benéficos que se pensava ter as sangrias (a remoção do excesso de sangue de um paciente) durante a Idade Média. Mas, como sabemos, a perda de muito sangue pode ter conseqüências desastrosas.

É disto que tanto a burguesia britânica quanto a americana tem medo. É por isto que o FED e agora (relutantemente) o Banco da Inglaterra estão injetando mais inflação na economia. Deste modo eles podem adiar o período de desgraças um pouco mais, mas somente ao custo de causar um até mesmo mais severo e profundo colapso mais tarde.

A inflação no mercado de valores já era inacreditável antes mesmo da crise subprime. O mercado de capitalização de todas as ações nos EUA cresceu de 5,3 trilhões de dólares no final de 1994 para 17,7 trilhões no final de 1999 e para 35 trilhões no final de 2006, gerando um aumento geométrico no índice de preço-lucro. Isto não resultou de uma expansão da atividade produtiva, mas por causa de um crescimento massivo do capital fictício: mais dólares em perseguição do mesmo número de ações.

O resultado de repetidos cortes na taxa de juros é um campo aberto muito além de suas possibilidades (os banqueiros chamam isto de risco moral). De maior credor mundial, a América se transformou no maior devedor do mundo, com exigibilidades externas líquidas de três trilhões de dólares. A taxa de poupança caiu abaixo de zero pela primeira vez desde a Grande Depressão. Os EUA mantêm um déficit em conta corrente de 6,5% do PIB ano após ano, e mesmo assim o FED olhava complacente como os compradores americanos gastavam alegremente e acumulavam ainda maiores débitos. Em conseqüência, a Ásia, e em particular a China, vem acumulando gigantescas reservas de moeda corrente à custa da América.

A crise recente revelou até que ponto os grandes bancos dos EUA estão envolvidos na especulação. Particularmente repugnante era a prática de comprar e vender dívidas. Durante o recente boom, os bancos e as sociedades financeiras estiveram dispostos a oferecer créditos e hipotecas a muitas pessoas que não podiam arcar com isto. Enquanto as taxas de juros estavam baixas (durante um tempo, até mesmo negativas), isto parecia um bom negócio. Muitas pessoas pobres da classe trabalhadora ficaram tentadas a comprar casas nessa base. Além disto, os bancos na verdade vendiam pacotes destas dívidas a outros bancos, que estavam ansiosos por comprar.

"Finanças estruturadas" é o termo que eles usam para um sistema supostamente programado para distribuir capital mais eficazmente, permitindo que outros participantes do mercado cumprissem um papel que era considerado reserva exclusiva dos bancos. Na prática, é uma fraude gigantesca. Hipotecas inseguras e outras exigibilidades foram magicamente transformadas em ativos (ações) através da chamada securitização. Isto era o equivalente financeiro dos alquimistas que reivindicavam a transformação do chumbo em ouro. Este sistema apóia-se nos investidores para proporcionar os fundos para os empréstimos hipotecários que são agrupados e vendidos como Obrigações de Dívidas Garantidas (CDOs, em sua sigla em inglês).

Isto significa que a burguesia esteve comprando e vendendo dívidas. Fortunas gigantescas foram feitas através desta vasta fraude. E tudo era muito bonito enquanto durou. Mas, como se sabe, tudo o que é bom um dia chega ao fim. O pânico no mercado de crédito dos EUA foi causado, em maio de 2007, quando Bear Stearns revelou gigantescas perdas em dois de seus hedges funds (fundos de investimento). A um desses dois fundos se deixou entrar em colapso, enquanto o banco garantia o outro. Em agosto de 2007, as vendas de novas CDOs caíram 73%.

Os economistas dizem que a crise dos empréstimos subprime nos EUA foi a causa. Mas, como Hegel explicou há muito tempo atrás, a necessidade se expressa através do acidente: se não fosse a subprime, teria sido qualquer outra coisa. A subprime nos EUA era o elo fraco da cadeia. Como Greenspan admite: "Se tivéssemos percebido antes e tivéssemos eliminado a febre global, isto teria sido diferente, mas mesmo assim teria acontecido de uma forma ou de outra.

Parasitismo

Em sua juventude, a burguesia, motivada por sua voracidade pelo lucro e insaciável fome por mais-valia (o trabalho não-pago da classe trabalhadora), desenvolveu as forças produtivas. Mas no período de sua decadência senil não desempenha nenhum papel progressista em absoluto. Marx explicou que o verdadeiro ideal do burguês é o de fazer dinheiro do dinheiro, sem ter qualquer necessidade de recorrer ao trabalhoso processo de produção. A burguesia encontra-se agora infectada com uma enfermidade para a qual não se conhece nenhum remédio.

No passado o capitalismo desempenhou um papel relativamente progressista no desenvolvimento das forças produtivas, criando, assim, as bases materiais para uma nova sociedade - o socialismo. Mas, hoje, este não é mais o caso. Com exceção da China (e de algumas outras economias asiáticas), a burguesia não mais desenvolve as forças produtivas. Este é um sintoma da doença terminal do capitalismo.

Agora eles estão próximos de realizar o velho sonho de fazer dinheiro do dinheiro. Na Grã-Bretanha, nos EUA e em muitos outros países ocorre uma queda livre da produção de bens em larga escala e um gigantesco aumento dos setores parasitários das finanças e dos serviços. As chamadas empresas de capital privado estão envolvidas numa orgia especulativa de aquisições que não acarretam qualquer atividade produtiva, e sim, preferivelmente, fechamentos, demissões e esvaziamento da indústria para garantir lucros.

As somas gastas nas chamadas leveraged buyouts (compras alavancadas) são enormes. Por 32,6 bilhões em dinheiro e a transferência de 15,9 bilhões em dívidas, a Bell Canada Enterprises (BCE), proprietária da maior companhia telefônica do Canadá, concordou em ser assumida por dois fundos de pensão de Ontário e duas empresas de capital privado americanas. Se for completada, a aquisição poderia ser não somente a maior da história do Canadá, mas também a maior leveraged buyout já realizada. Isto obscurece as notícias da Grã-Bretanha de que uma empresa de capital privado pode comprar Virgin Media, um grupo de TV a cabo, Internet e telefônica, por meros 11 bilhões, mais ou menos.

Todo o sistema bancário está agora envolvido até o pescoço em fraudes e trapaças de todo tipo. E foi este sempre o caso. Em um boom, quando a produção está em plena atividade e há abundância de dinheiro há ser ganho, há uma busca frenética por crédito. Um excesso de dinheiro e crédito nesta etapa do ciclo econômico desempenha papel positivo por lubrificar o sistema e proporcionar a necessária liquidez.

Há sempre elementos de especulação nisto, como Marx explica. Quando todos estão ganhando dinheiro, ninguém se preocupa de olhar de perto para onde o dinheiro está indo - ou até mesmo se o dinheiro é real. O economista inglês Gilbart, já em 1834, escreveu:

"Tudo o que facilita o comércio, facilita a especulação. Comércio e especulação estão em alguns casos tão unidos que é impossível dizer em que ponto preciso termina o comércio e começa a especulação".

No tempo de Marx, calculava-se que possivelmente:

"nove décimos de todos os depósitos no Reino Unido podem não ter nenhuma existência além do registro nos livros dos banqueiros que são respectivamente responsáveis por eles" (The Currency Theory Reviewed, etc., PP. 62-63).

Neste alegre carnaval de enriquecimento, todos estão tão intoxicados com as possibilidades de enriquecimento que não se preocupam com as diminutas letras de rodapé de advertência. "Coma, beba e seja feliz, porque amanhã todos nós estaremos mortos!". Este é o refrão da burguesia num período de boom. Contudo, quando o boom perde o fôlego, estes esquemas fraudulentos e trapaceiros ficam expostos. As falências bancárias são inevitáveis no futuro.

A única diferença entre o presente período e o passado é a escala da orgia de trapaças e especulação. No período recente, vastas quantidades de capital fictício foram injetadas no sistema através do boom das bolsas de valores, da bolha imobiliária e da extensão sem fim do crédito e das dívidas a níveis sem precedentes. Isto é inteiramente um reflexo da decadência senil do capitalismo.

Bancarrota da economia burguesa

Sob o capitalismo as crises são inevitáveis. Se você aceita o capitalismo, então deve aceitar as leis do capitalismo: quer dizer, você deve aceitar os booms e as recessões (estas últimas agora consideradas nos círculos cultos e corteses como "correções"). Os reformistas e os keynesianos, que defendem o retoque cosmético do sistema para "abrandar o ciclo", através da intervenção estatal, do financiamento do déficit, dos investimentos governamentais e coisas pelo estilo, podem ter êxito no adiamento da recessão por um tempo, mas unicamente ao custo de preparar uma ainda mais séria crise no futuro.

Os economistas burgueses são incapazes de entender as crises, que são o resultado inelutável do capitalismo. Eles estão perplexos e confusos para explicar o que está acontecendo. Todas as suas previsões mostraram-se insignificantes. E isto não é nenhuma novidade. Em 1929, dias após o crash da bolsa de valores, a Harvard Economic Society assegurou aos seus subscritores: "Uma depressão severa está fora das possibilidades". Numa pesquisa em março de 2001, 95% dos economistas americanos disseram que não haveria uma recessão, mesmo quando uma recessão já tinha se iniciado.

A opinião generalizada dos economistas burgueses é que os bancos centrais e os governos podem manipular a economia de forma que as recessões podem ser evitadas. A maioria deles considera que uma repetição do crash de 1929 e da Grande Depressão é impossível. Eles pretendem que, devido ao fato de que nos últimos 20 anos, aproximadamente, tenha havido apenas duas recessões e que ambas foram relativamente suaves, eles finalmente conseguiram encontrar a receita mágica para escapar das recessões como as do passado. Esta pretensão é inteiramente errônea. De fato, cada ciclo econômico tem suas próprias peculiaridades. E estas devem ser procuradas nos fatores específicos do desenvolvimento capitalista no tempo e no espaço. A suavidade das recessões recentes não é indicadora de uma nova era para o capitalismo.

A crise de Northern Rock na Grã-Bretanha revelou precisamente que todos os instrumentos para resolver uma crise e evitar o pânico são inúteis. No momento da verdade, as pessoas foram tomadas pelo instinto de rebanho. Elas se movimentaram em massa como um rebanho de gnus aterrorizados em meio a uma debandada pelo mero vestígio de um leão. Muitos comentaristas falaram desdenhosamente sobre esta conduta "irracional". Se fosse irracional, então seria da mesma irracionalidade do corpo e alma da economia de mercado capitalista.

O governo e o Banco da Inglaterra estavam impotentes para prevenir uma maior crise bancária ou para acalmar os nervos dos depositantes e investidores. No final, apenas tiveram êxito na prevenção de um colapso total oferecendo uma promessa de fundos ilimitados aos banqueiros, pagos pelos bolsos dos contribuintes. Isto deteve a trajetória descendente, mas somente à custa de preparar o caminho para quedas mais acentuadas no futuro.

Para o burguês, as crises (e a economia em geral) são sempre explicadas em termos subjetivos. Da mesma forma que se assume que todos os consumidores possuem um conhecimento universal das mercadorias, então todas as crises ou são causadas por decisões equivocadas dos governos ou bancos centrais ou, como na última versão do anterior presidente da Reserva Federal dos EUA, Alan Greenspan, pela natureza humana:

"A natureza humana move-se da euforia ao medo", informa-nos ele. "É este sentimento de medo que os economistas estão descuidando de levar em consideração quando fazem suas previsões", acrescentou ele. "O velho hábito de ciclos de crescimento e queda não morreu nos anos recentes - ele estava apenas adormecido".

Hoje, os burgueses estão tentando se consolar com previsões otimistas. Isto lembra os encantos de um xamã primitivo que tenta fazer chover através de cânticos repetidos (o governador de Arizona recentemente fez justamente isto). Eles agem na suposição de que os booms e recessões são causados por fatores subjetivos psicológicos ("confiança") do lado dos consumidores e investidores. Na realidade, o ciclo capitalista de boom-recessão é determinado por fatores objetivos que se encontram fora do controle de governos e bancos centrais.

A "confiança" dos investidores baseia-se em considerações materiais muito reais. Enquanto a economia dos EUA estava crescendo, mesmo que seus fundamentos estivessem enfermos, os burgueses dos outros países estavam dispostos a investir nela. Eles não prestaram nenhuma atenção aos níveis colossais da dívida e dos gigantescos déficits, inclusive o déficit de conta corrente em torno dos 800 bilhões de dólares ao ano. Os EUA necessitam levantar pelo menos 70 bilhões de dólares a cada mês exatamente para cobrir este buraco.

A maioria dos economistas não prevê uma recessão na América, mas os fatos sugerem que os EUA provavelmente movem-se em direção a uma. O PIB dos EUA cresceu a uma taxa anual de 3,9% no terceiro quadrimestre de 2007. Mas existem sinais de que a economia poderia parar em 2008, com o encolhimento da produção e dos empregos. Muitos comentaristas concordam que a economia dos EUA crescerá menos de 2% no próximo ano. Isto não leva em conta os efeitos do pânico das hipotecas subprime. Greenspan, a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD, em sua sigla em inglês) e outros sugeriram que há 50% de possibilidades de a economia americana entrar em recessão em 2008.

Em vez de aumentar a taxa de juros para combater a inflação, a Reserva Federal deu aos mercados financeiros o que eles queriam: cortou a taxa federal de fundos. Esta ação, irresponsável do ponto de vista capitalista, foi ditada pelo medo aos efeitos sociais e políticos de uma recessão. Eles claramente julgaram que havia um risco de recessão e deste modo garantiram dinheiro mais barato.

Para agradar Wall Street, os bancos centrais estão subestimando os riscos da inflação, embora existam abundantes sinais de alarme. A inflação está subindo, um fato não refletido adequadamente nas estatísticas governamentais. Em 2000, quando Bush tomou posse, o ouro estava a 273 dólares a onça, o petróleo a 22 dólares o barril e o euro valia 0,87 centavos de dólar. Correntemente, o ouro está acima de 700 dólares a onça, o petróleo está acima de 80 dólares o barril e o euro está se aproximando de 1,50 por dólar. Alguns economistas estão falando do petróleo a 125 dólares o barril na próxima primavera. Os recentes cortes nas taxas de juros jorrarão combustível nas chamas.

Os números benignos da inflação (core inflation), que excluem certos itens que enfrentam movimentos voláteis de preços, podem estar suavizando pressões de preços, particularmente dados a queda do dólar e os preços recordes do petróleo. Por suas ações, o FED confirmou a opinião dos mercados financeiros de que as expectativas dos investidores determinam as decisões dos bancos centrais: se Wall Street exige um corte das taxas, o FED o fará.

Houve estabilidade relativa da inflação durante os últimos 15 anos. Isto se deveu a uma combinação da globalização com a entrada no mercado de trabalho de milhões de trabalhadores mal pagos, fato que exerceu uma pressão descendente sobre os salários e os preços. Os capitalistas e os economistas ficaram despreocupados com isto. Como resultado, os bancos centrais se permitiram políticas monetárias extremamente negligentes, criando problemas para o futuro na forma de uma até mesmo maior bolha creditícia.

No futuro todas as galinhas voltarão ao poleiro. Veremos uma crise global de superprodução agravada por uma severa contração do crédito e um colapso dos preços das moradias e das ações das bolsas de valores. Todos os fatores que conduziram o mercado à subida se combinarão para conduzi-los à baixa.

Conseqüências para a economia mundial

David Walker, diretor do escritório de contabilidade do governo dos EUA, esboçou paralelos entre a crise enfrentada pelos EUA e o fim do Império Romano. Ele advertiu que existem "impressionantes similaridades" entre a atual situação da América e os fatores que derrubaram Roma, incluindo o "declínio dos valores morais e da civilidade política em casa, o militarismo estendido e exageradamente confiante em terras estrangeiras e irresponsabilidade fiscal pelo governo central". Isto muito nos revela sobre a atual psicologia dos estrategistas do capital.

Uma recessão americana terá necessariamente sérias conseqüências para o resto do mundo.

Os economistas burgueses tentam argumentar que as economias da Europa e do Japão, que cresceram fortemente no terceiro quadrimestre de 2007, tirarão o mundo da recessão. Mas muitos economistas prevêem que este crescimento não será mantido. Até mesmo se mantiverem algum grau de crescimento, este não será suficiente para compensar uma recessão no mercado americano. O dólar em queda prejudicará os exportadores tanto na Europa quanto no Japão, forçando a alta de suas moedas e tornando suas mercadorias menos competitivas. Além disso, na Europa a crise no setor imobiliário espelha-se na dos EUA, com resultados similares. Alguns bancos europeus foram atingidos pela crise subprime da América.

Esta é a outra face da globalização. O argumento de que o resto do mundo poderia permanecer imune à recessão dos EUA é ingênuo ao extremo e contradiz tudo o que os economistas diziam no passado sobre globalização. Uma crise em qualquer grande setor importante da economia mundial deve afetar todos os outros. Isto foi claramente demonstrado pela crise de 1997, que se iniciou na Ásia e rapidamente se espalhou pela Turquia, Polônia, Hungria, Rússia, Brasil e Argentina. A mesma coisa pode acontecer novamente a qualquer momento.

Enfrentados à clara evidência de uma iminente recessão nos EUA, os economistas estão depositando todas as suas esperanças nas economias emergentes. Isto é irônico ao extremo. Uma década atrás, a idéia de que toda a economia mundial dependeria dessas economias sempre inclinadas a entrar em crise teria aterrorizado os americanos e os europeus. Agora eles miram para a China e o restante da Ásia em busca de salvação. Este fato é a expressão gráfica do impasse do capitalismo e do crescente desespero da burguesia em escala mundial.

Perspectivas para a Ásia

As perspectivas para a economia mundial dependem do forte e contínuo crescimento da Ásia. Os comentaristas esperam por um desacoplamento do crescimento econômico da demanda dos consumidores americanos que eles sabem que esmorecerá no próximo ano.

Superficialmente, aquelas áreas parecem alimentar este otimismo. As economias asiáticas recuperaram-se da crise de 1997-2000 e agora sua taxa de crescimento anual tem se mantido em torno de 7%. Em 2007, elas contribuíram com não menos da metade do crescimento do PIB mundial, calculado a taxas de câmbio do mercado, superior em três vezes a do crescimento da própria América. Contudo, ao dependerem dos "mercados emergentes", os capitalistas estão se apoiando numa muleta frágil. Estas economias são fortemente dependentes das exportações e do crescimento do comércio mundial. A maioria delas depende do mercado dos EUA, que absorve suas exportações a uma taxa vertiginosa. Isto se deve ao fato de os EUA estarem vivendo acima de seus recursos. Mas esta fase já foi ultrapassada.

O relativo crescimento da importância destes países no mercado mundial não é uma expressão de sua força (exceto a China), mas da fragilidade da América. A relevância da América como motor do crescimento global tem declinado. Desde 2000 sua participação nas importações mundiais caiu de 19% para 14%. As economias emergentes não crescerão o bastante rápido para compensar a totalidade da queda da produção americana. A maioria delas reduzirá a velocidade no próximo período. Uma recessão na América reduziria as exportações das economias emergentes.

É um fato que a demanda doméstica das economias emergentes tem crescido. Na primeira metade de 2007, o crescimento dos gastos de consumo (em termos de dólares atuais) na China e na Índia foi mais relevante para o crescimento do PIB global do que os da América.

Também é um fato de que a economia japonesa está se recuperando. Os grandes fabricantes japoneses agora relatam capacidade de produção insuficiente pela primeira vez desde 1991 e planejam aumentar os gastos de capital em 17% ao ano em março.

Embora a América absorva apenas 23% das exportações japonesas, bem abaixo dos quase 40% durante os anos 1980, isto suaviza a exposição total do Japão. As empresas japonesas (como as da Coréia do Sul e de Taiwan) enviam uma grande quantidade de componentes para a China para montagem das mercadorias, que são em seguida exportadas para a América como produtos finais. Em vista disso, se uma queda da economia americana desvalorizar o dólar ainda mais, isto poderia mais tarde prejudicar os exportadores asiáticos. Além do mais, o Japão tem uma massiva dívida pública e, por essa razão, não se encontra em posição de "gastar de forma extravagante para sair de uma crise" através do financiamento do déficit. Taiwan, onde a demanda doméstica é fraca, também se encontra constrangido por um grande déficit orçamentário.

Não existem, portanto, fundamentos sérios para se acreditar que as economias asiáticas possam "desacoplar" de um declínio americano. Embora as exportações da China para a América tenham caído de 34% de suas exportações totais em 1999, para 25% agora (ajustando as re-exportações que são feitas através de Hong Kong), uma severa queda da demanda nos EUA poderia ter sérias conseqüências para a China.

Um mais vagaroso crescimento americano prejudicará a China, a Índia e o Japão e golpeará as economias asiáticas menores, como as de Singapura, Taiwan e Hong Kong, que são ainda mais dependentes da demanda externa. Mas toda a Ásia encontra-se interconectada e o crash de 1997 mostrou como, uma vez iniciada uma crise, ela se espalhará de um país a outro.

Há dez anos, em dois de julho de 1997, o banco central tailandês fez flutuar o bath depois de falhar em proteger a moeda de um ataque especulativo. O movimento ativou um colapso financeiro e econômico que rapidamente se espalhou para outras economias na região, causando a contração precipitada das taxas de crescimento do PIB, bancarrotas em empresas que se encontravam muito expostas ao risco de moedas estrangeiras correntes, e, no final das contas, necessitando dos custosos e politicamente humilhantes salvamentos financeiros do FMI nos países mais afetados. Isto precipitou a crise financeira asiática de 1997-98. Eles agora estão se congratulando de terem saído daquela crise, mas isto pode facilmente se repetir até mesmo em maior escala.

A China

A economia chinesa tem se mantido na dianteira a 11% ao ano, embora tenha recentemente reduzido a marcha para "apenas" 10%. Diferentemente dos EUA, que experimentaram um boom de consumo baseado em dívidas, a China tem apresentado um desenvolvimento colossal das forças produtivas. Como marxistas, damos as boas-vindas a isto, porque serve para desenvolver e fortalecer ainda mais o poderoso proletariado chinês.

A China ultrapassou os EUA, em 2004, como maior exportador de mercadorias hi-tech. Estima-se que, por 2015, haverá mais cientistas e engenheiros na China que no restante do mundo. Por 2020, se a presente tendência for mantida, ela estará gastando mais em pesquisa e desenvolvimento que os EUA. Já é o maior mercado para circuitos integrados no mundo. Estes entram na produção de laptops, telefones, refrigeradores, aparelhos de ar condicionado, computadores etc.

A burguesia mundial obteve consideráveis lucros de seu envolvimento na China, que ocupou a posição que se entendia que seria ocupada pela Rússia depois do colapso do estalinismo. Ela investiu massivamente em novas fábricas e maquinarias e, dessa forma, criou uma poderosa e moderna indústria na China, onde as vantagens de uma abundante e barata mão-de-obra foram combinadas com a última tecnologia importada dos EUA, da Europa e do Japão, para criar uma formidável capacidade de produção. Isto tem grandes implicações para a economia mundial, como os lançamentos de satélites chineses, que tem significado tanto econômico quanto militar.

O problema é que todas estas fábricas modernas em Guandong e Xangai inevitavelmente produziriam uma massa de mercadorias - televisores, computadores, DVDs, telefones móveis, microchips e agora automóveis - que necessitam de mercado. É um fato que a extração de mais-valia acontece no lugar de trabalho, mas para os capitalistas poderem realizar a mais-valia extraída dos trabalhadores precisam ser capazes de vender as mercadorias produzidas.

É verdade que o mercado doméstico chinês se expandiu consideravelmente nos anos recentes. Apesar disso, a China permanece fortemente dependente dos mercados mundiais e, acima de todos, do mercado americano. Uma contração severa da demanda americana golpearia duramente a economia chinesa. Isto representaria um golpe severo em lugares como Taiwan, Coréia e o resto da Ásia, que exportam mercadorias para a China, onde elas podem ser montadas de forma barata e, em seguida, re-exportadas para os EUA e a Europa.

Ao participar no mercado mundial, a China se beneficiou enormemente, mas isto também cria novas contradições, importando problemas como a inflação que previamente não existia. A inflação agora se encontra em torno de 6,5%, um índice muito alto para a China. Já aconteceram greves protestando contra os baixos salários. Recentemente, um aumento nos preços do petróleo causou distúrbios. O governo, alarmado, ordenou as companhias estatais de petróleo a colocar mais petróleo no mercado, mas, nas palavras de The Economist, as empresas são "escravas do mercado".

Com o tempo, a China será uma potência econômica parelha a dos EUA, mas as previsões de que isto é iminente são equivocadas. Os economistas burgueses cometeram o mesmo tipo de erro com relação ao Japão nos anos 1980, baseados no mesmo falso método de extrapolar o futuro a partir das tendências do passado. A economia japonesa entrou em colapso e permaneceu em estado de recessão por mais de dez anos, da qual somente agora e penosamente estão saindo. O mesmo pode acontecer à China.

O poderio da China é desigual. Ela tem muitas fragilidades. As fundições de ferro e aço chinesas somente podem satisfazer uma pequena percentagem da demanda. A maioria da população ainda vive em condições de extrema pobreza em áreas rurais e tem um pequeno poder aquisitivo. Existem pelo menos 150 milhões de desempregados nas cidades. The Economist recentemente destacou: "É na China onde os bens eletrônicos são feitos e não onde a maior parte do valor é adicionada".

Deixem-nos dar um exemplo. A versão de vídeo do iPod 30-gigabyte da Apple é feita na China por uma empresa de Taiwan. Ele tem não menos de 424 componentes e custa 224 dólares (em 2005). Dentre estes 424 componentes, 300 custam um centavo ou menos. Mas o monitor que custa 30 dólares é feito no Japão. O trabalho chinês para montar este produto acrescenta apenas 3,70 dólares ao seu valor. Quanto ao mercado interno, este se encontra restringido pelos baixos níveis de vida da grande maioria. Apenas 15% das mercadorias eletrônicas e de informação produzidas na China são vendidas no mercado doméstico.

A indústria chinesa está produzindo vastas quantidades de mercadorias a cada ano. Mas, no final das contas, a contradição permanece: as mercadorias têm de ser vendidas. Uma recessão no importantíssimo mercado americano golpeará duramente as exportações da China - não somente as exportações diretas aos EUA, mas as exportações e importações de e para o resto da Ásia.

Stephen Roach estimou que desde 1980 a parte do crescimento relativa às exportações foi incrementada de 20% a 45%. No mesmo período, a parte do crescimento relativa ao consumo doméstico caiu de 67% para menos de 50% atualmente. A economia chinesa pode manter uma taxa de crescimento de 8% sem o estímulo das exportações aos EUA. Mas não poderia assumir-se como motor do crescimento mundial. Os EUA permanecem decisivos a este respeito.

O declínio do dólar

No pico de um boom espera-se ver o crescimento da produção e do emprego, o aumento dos lucros e dos salários e também aumento de preços. O presente boom se caracterizou por salários estagnados, lucros recordes e relativamente baixa inflação. Isto se deve principalmente aos efeitos da globalização, com gigantescos números de trabalhadores mal pagos entrando no mercado de trabalho e também produzindo mercadorias a preços muito baixos que entram no mercado mundial, sejam mercadorias diretamente ou indiretamente como componentes (de automóveis, televisores, computadores etc.).

Esta participação intensificada no comércio mundial incrementou a produção, abriu novos mercados e proporcionou novos e lucrativos campos de investimento. Também exerceu uma pressão descendente sobre os salários e os preços, mantendo a inflação mais baixa do que se poderia esperar nesta etapa do ciclo. Isto, por seu lado, permitiu que os banqueiros mantivessem em nível baixo as taxas de juros, alimentando um boom do crédito. Também produziu a maior bolha especulativa na história: o boom imobiliário nos EUA e na Europa, que se espalhou para todos os outros continentes. Este é um elemento de instabilidade colossal.

Tudo isto agora alcançou os seus limites. Os preços estão começando a subir, em especial os preços do petróleo, que subiram principalmente por causa da forte demanda da China e de outras economias emergentes. Elas respondem por quatro quintos do crescimento total do consumo de petróleo nos últimos cinco anos. Nas anteriores recessões americanas o preço do petróleo comumente caiu. Agora, ele pode manter-se alto, o que reduzirá mais adiante a demanda nos EUA e na Europa. A economia mundial enfrentar-se-á com uma combinação de inflação e baixo crescimento econômico, ou estagflação, como se usa dizer.

A burguesia americana tentou sair da crise permitindo a queda do dólar. Teoricamente, um dólar fraco impulsionaria as exportações, e levantaria a economia dos EUA à custa de seus rivais. Mas as exportações agora somente representam 12% do PIB americano. Isto é muito pouco para compensar o enfraquecimento dos gastos dos consumidores, que representam 70% do PIB. Os cortes na taxa de juros serão na melhor das hipóteses um paliativo temporário. Eles não poderão ressuscitar o mercado imobiliário. Este carnaval terminou. Os bancos, tendo queimado os dedos, estão tornando mais restritivas as normas de empréstimo e o inventário de casas é maior do que em qualquer outro tempo desde que os registros começaram. A queda resultante dos preços das casas afetará o gasto do consumidor, produzindo uma contração da demanda. O efeito real do corte dos juros será o aumento da inflação.

O dólar continuou a cair ao nível de 1,50 por euro. Sem as enormes compras pelos bancos centrais da Ásia, ele poderia cair ainda mais. Este apoio pode não se manter indefinidamente. A economia americana está doente e completamente instável. Se qualquer outro país estivesse mostrando o mesmo nível de dívida privada, pública e corporativa, ou se tivesse um déficit em conta corrente semelhante, o Banco Mundial e o FMI estariam batendo a sua porta exigindo cortes e austeridade. Visto que estes organismos do capitalismo internacional são controlados por Washington, isto não acontecerá. Mas, cedo ou tarde, a "mão invisível do mercado" exercerá sua vingança sobre o libertino capitalismo americano.

Na realidade, a queda do dólar equivale ao maior calote da história. É uma fraude gigantesca, que já destruiu o valor dos ativos estrangeiros muito mais do que qualquer mercado emergente já o fez antes. Como a realidade do enfraquecimento do poder econômico da América está sendo percebida gradualmente pelos investidores internacionais, eles terminarão por se perguntar por que continuam segurando a maior parte de suas riquezas em dólares.

A China e outros países já estão se afastando da moeda americana. Os países asiáticos e do Oriente Médio com moedas ligadas ao dólar estão enfrentando inflação ascendente, mas a redução da taxa de juros americana tornará mais difícil apertar suas próprias políticas monetárias. Eles eventualmente serão forçados a impedir que suas próprias moedas subam contra o debilitado dólar. Isto significa que eles comprarão menos dólares.

A economia americana está desafiando as leis da gravidade. Ela está tão enferma que é inimaginável que a situação atual possa durar muito tempo. No devido tempo, os investidores estrangeiros ficarão preocupados com o fato de que os dólares e bônus que eles possuem não valerão o papel em que estão escritos. E por que eles deveriam continuar emprestando dinheiro a taxas de juros baixas em uma moeda que declina em valor, quando podem pegar esse dinheiro e emprestar a taxas mais altas de uma moeda que está ganhando valor?

Desaceleração ou recessão?

Mesmo no cenário mais otimista para o capitalismo, o crescimento da economia mundial será lento. No pior dos casos, estaremos enfrentados a uma recessão global. As economias emergentes, particularmente na Ásia, detêm grandes reservas cambiais - não menos que três quartos do total global. Isto se deve principalmente ao gigantesco déficit americano. No momento, a China e outros países asiáticos mantêm gigantescos estoques de dólares e bônus americanos. Não é de seu interesse provocar um colapso econômico nos EUA, e os americanos confiam nisto. Mas existem limites para todas as coisas. Mais cedo ou mais tarde, a natureza insana da economia dos EUA provocará uma corrida internacional sobre o dólar. Taxas de juros inferiores não trarão o dinheiro de volta aos mercados, mas minarão o dólar mais tarde.

Com taxas de juros mais baixas a Reserva Federal está se adentrando num terreno muito perigoso. O resto do mundo não estará disposto para sempre a financiar a tendência dos EUA de consumir mais do que produz. Já existem sinalizações disto. Paradoxalmente, parece que os primeiros a entrar em pânico são os sauditas, os principais aliados de Washington no Mundo Árabe, que têm gigantescos investimentos nos EUA. A Arábia Saudita recusou-se a cortar a taxa de juros de acordo com a Reserva Federal dos EUA pela primeira vez, sinalizando que a monarquia do Golfo rica em petróleo está se preparando para quebrar seus vínculos com o dólar. Este movimento tem o risco de provocar uma debandada geral do dólar em todo o Oriente Médio.

Por seu lado, o governo chinês começou uma campanha combinada de ameaças econômicas contra os EUA, sugerindo que pode liquidar sua vasta propriedade de títulos do tesouro americano se Washington impuser sanções comerciais para forçar uma valorização do Yuan. Henry Paulson, o secretário do tesouro americano, disse que qualquer sanção arruinaria a autoridade americana e "poderia desencadear um ciclo global de legislação protecionista". Isto indica os riscos reais que agora os EUA enfrentam como também toda a economia mundial. O que realmente transformou a recessão de 1929 numa Grande Depressão, que durou dez anos até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, foi o protecionismo, as guerras comerciais e as desvalorizações competitivas que arruinaram o comércio mundial.

A caída do dólar pressiona a União Européia, que vê sua posição competitiva agravar-se, não somente em relação aos EUA, mas também em relação à China e aos outros países asiáticos, cujas moedas estão ligadas ao dólar e estão, por isso, também caindo. Isto tem levado a urros de protestos dos capitalistas europeus, que estão ameaçando retaliar contra a China a menos que esta tome alguma ação para valorizar o Yuan. Tudo isto é uma antecipação de tendências protecionistas mais sérias que inevitavelmente ganharão força com o início da recessão.

Futuros e inevitáveis choques

Os economistas gostam de apresentar o enfraquecimento do dólar como uma "correção" necessária. Eles dizem a mesma coisa sobre a queda de preços das moradias, do colapso do mercado subprime dos EUA, da crise do Northern Rock na Grã-Bretanha e assim por diante. Tudo é apresentado como "correções", que mais cedo ou mais tarde resolverão tudo. Na verdade, são sintomas, como os sinais de uma doença subjacente ou os tremores que precedem um terremoto.

Um terremoto pode ser apresentado como uma "correção" necessária, que simplesmente reajusta a crosta terrestre. Eventualmente, tudo se acalmará e a vida correrá como antes. Mas esta confortável análise omite o terrível rastro de danos causado pelo terremoto: as aldeias borradas da face da terra, as árvores arrancadas, as colheitas destruídas, as milhares de pessoas mortas e feridas. Além do mais, a vida normal não é tão facilmente restaurada depois de cada terremoto. Alguns podem ser tão devastadores e deixarem um rastro de destruição tão grande que seus efeitos podem ser sentido por muitos anos.

A crise não foi evitada. Ela está apenas começando. Doravante, após anos de inflação baixa e baixas taxas de juros e crédito fácil, veremos restrições ao crédito e aumento das taxas de juros. Isto produzirá diversos efeitos. Por um lado, crédito mais caro e mais escasso reduzirá a demanda ao reduzir o poder aquisitivo dos consumidores, tanto na Europa quanto nos EUA. Por outro lado, junto ao inevitável aumento da inflação (os preços do petróleo recentemente atingiram um novo patamar), afetará negativamente os lucros dos capitalistas, o que levará a uma redução da produção e eventualmente a uma recessão.

Em primeiro lugar, uma queda nos lucros dos bancos deve levar a cortes de empregos do setor financeiro, que deve afetar os preços das propriedades. Isto levará mais tarde a uma contração da demanda, desemprego e bancarrotas na indústria da construção. Isto, por seu lado, afetará a demanda por aço, cimento, tijolos e outras mercadorias, conduzindo a uma baixa adicional da indústria. O vertiginoso aumento dos preços das ações e dos preços das casas está preparando o caminho para uma igualmente vertiginosa queda no futuro. Haverá reintegrações de posse, perdas, bancarrotas e inadimplências, apesar das ações do FED.

Os bancos de investimento estão esperançosos de que os cortes nas taxas de juros levarão as bolsas de valores a subir novamente. Mas um corte na taxa de juros não resolverá os problemas fundamentais. Não eliminará a insolvência entre os proprietários de casas, os tomadores de empréstimos hipotecados, os fundos de investimento e os bancos. Longe de resolver o problema, piorará as coisas mais tarde.

O mercado americano já está inundado de liquidez como resultado das travessuras de Alan Greenspan, que produziu a presente bolha imobiliária - o maior boom especulativo da história. Pela redução do custo dos empréstimos, o FED está apenas criando uma extensão adicional do crédito e dos compromissos em todos os níveis. Isto prolongará e exacerbará a bolha imobiliária e do crédito.

Agora mesmo nos EUA mais de um milhão de lares estão em perigo de ou já tiveram a posse reintegrada. Então, milhões de americanos pobres encontram-se sem teto, enquanto milhões de outros estão se esforçando para pagar as hipotecas sobre casas que não valem mais o que pagam por elas. Um escritor previu recentemente o surgimento de uma subclasse de escravos de hipotecas nos EUA.

O trabalhador americano está agora produzindo em média 30% mais que há dez anos, enquanto que os salários estão estagnados nos últimos seis anos. A subida dos preços significa um corte real dos salários. O mesmo é verdadeiro para os pensionistas e outros que vivem com uma renda fixa. Mesmo sem uma recessão, o povo americano verá a erosão de seus níveis de vida. Muitos americanos pobres já estão lutando para fazer o dinheiro cobrir as despesas. Agora, milhões estarão ameaçados com a perda de seus empregos e lares. Isto finalmente provocará um surto de greves e conflitos de classe de tal ordem que os EUA nunca viram desde os anos 1930.

A crise internacional, que se iniciou com a crise dos mercados monetários da Ásia em 1997, causou uma onda de turbulências que se espalhou pelo mundo inteiro. Ela não ficou confinada à economia, mas teve profundas conseqüências políticas em lugares como a Rússia e em particular a América Latina. As repercussões desta crise causaram o colapso da economia argentina em 2001, que teve conseqüências revolucionárias. O mesmo pode acontecer agora.

Mesmo sem uma recessão, o melhor que os capitalistas podem esperar é um período de baixo crescimento, que criará novas tensões políticas e sociais. O presente boom nada tem em comum com a ascensão econômica de 1948-73. Esta se caracterizou (pelo menos nos países capitalistas desenvolvidos da Europa Ocidental, nos EUA e no Japão) por pleno emprego, elevação dos níveis de vida, reformas e uma suavização da luta de classes. Este não é mais o caso, agora.

Pressão sobre os trabalhadores

Este é um boom a expensas da classe trabalhadora. As empresas se beneficiaram com a expansão da oferta global de trabalho, oriunda da integração da Índia e China à economia global, o que tem contido as reivindicações salariais. Em todos os lugares os salários foram mantidos baixos e os lucros aumentaram em detrimento dos salários.

Entretanto, mais cedo ou mais tarde a demanda deve sofrer impacto com tal cenário. Até o momento, os consumidores têm administrado e mantido seus padrões de vida com financiamentos, endividando-se. Porém, dia de muito, véspera de nada. No final, isto pode levar a uma crise global de superprodução. A relativa fraqueza das ações ligadas aos bens de consumo fez com que os investidores se movessem em direção às commodities, como os metais, que costumavam ser consideradas como "fora de moda".

O boom se apoiou na intensificação da exploração, em cortes e ataques aos direitos trabalhistas. Podemos ver o mesmo fenômeno em todos os lugares. Altas taxas de crescimento e elevação dos lucros não se expressam em melhorias nos padrões de vida, nem mesmo em reformas, ao contrário, constantemente e sem piedade pressionam os trabalhadores e sistematicamente pilham o mundo subdesenvolvido. A desigualdade alcançou níveis sem precedente nos últimos tempos. Os 2% mais ricos entre os adultos no mundo possuem mais da metade da riqueza das famílias, de acordo com um novo estudo feito pelo Instituto de Pesquisa das Nações Unidas.

O relatório, elaborado pelo Instituto Mundial de Pesquisas Econômicas para o Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas, salienta que a metade mais pobre da população mundial possui apenas 1% da riqueza global. Esta é uma admirável confirmação do que Marx escreveu em O Capital: "Acumulação de riqueza em um pólo, significa, ao mesmo tempo acumulação de miséria, trabalho exaustivo, escravidão, ignorância, brutalidade e degradação moral, no pólo oposto".

Ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. A velha história de que a pobreza enobrece tornou-se uma frase vazia. De acordo com os números das Nações Unidas, 1,8 bilhões de pessoas vivem na pobreza. Dessas, oito milhões morrem a cada ano porque não conseguem dinheiro suficiente para continuar vivos. Milhões de crianças morrem a cada ano devido a doenças que poderiam ser evitadas, como a diarréia, causada pela falta de água potável.

A América Latina obteve altas taxas de crescimento no último período. Isto levou a grandes aumentos nos lucros e obscena riqueza para um extremo da sociedade e aumentou a pobreza, a exploração e o desespero no outro extremo - conforme Marx previu. O homem mais rico do mundo não é o americano Bill Gates, mas o mexicano Carlos Slim. Em todos os cantos do mundo vemos a mesma desigualdade extrema e a polarização entre as classes; na América Latina, isto provocou explosões revolucionárias. Mas a América Latina apenas reflete o futuro do restante do mundo como em um espelho. Isto é o mais importante a ter em mente.

Uma profunda recessão não está descartada para o próximo período. Todas as condições para tal processo estão amadurecendo em escala mundial. Tal desenvolvimento terá imediatamente o efeito de paralisar as classes. Sob condições de desemprego de massas greves econômicas farão sentido. Os patrões poderiam simplesmente fechar as fábricas, entretanto isso pode levar a uma onda de ocupações de fábricas. Isto não está acontecendo apenas na América Latina, mas no Canadá, antes mesmo de uma recessão.

Acima de tudo, uma depressão terá o efeito de transformar a psicologia das massas. Os trabalhadores começarão a tirar conclusões revolucionárias e isso encontrará expressão no plano político e entre as organizações de massa da classe.

A Economia não é uma ciência exata e não é possível fazer previsões precisas. Tudo que podemos fazer é explicar as tendências fundamentais e armar e preparar os quadros marxistas. A coisa mais importante a ter em mente é que choques repentinos e crises estão implícitos no processo como um todo. Uma crise pode emergir com violência a qualquer momento em qualquer parte do globo sem aviso, como um relâmpago num céu azul. O importante é que estejamos preparados, que sejamos capazes de explicar esses eventos aos trabalhadores mais avançados e à juventude e tirar vantagem de cada oportunidade que se apresente para construir a Corrente Marxista.

Nosso objetivo é analisar a crise geral do capitalismo para sermos capazes de intervir. E para intervir é necessário força. Devemos construir essas forças. No passado por várias vezes fomos meros observadores. Como, por exemplo, durante o período de Allende no Chile, onde tínhamos uma análise absolutamente correta, mas éramos apenas espectadores e não participantes ativos nos eventos. Hoje no Paquistão somos uma força. Na Venezuela temos uma força crescente que está construindo importantes pontos de apoio. No México temos um grupo de relevo que está intervindo muito eficientemente no movimento de massas. Isso afeta toda a natureza de nossas discussões.

Europa

O processo rumo à integração da União Européia agora se deteve. Isto ficou evidenciado na conferência de cúpula da União Européia de 2007, que, esperava-se, iria aprovar uma nova Constituição Européia, mas que serviu apenas para expor profundas divisões entre as distintas burguesias européias. Dois anos depois dos eleitores franceses e holandeses a rejeitarem, os diversos primeiros-ministros e presidentes do continente recuperaram longos períodos do velho texto e os alinhavaram em um novo "tratado de reforma".

Uma união ampliada de 27 países não poderia funcionar através de regras desenhadas para um bloco de somente 15 nações. A proposta de reorganização do sistema de votação imediatamente se chocou com a resistência dos poloneses. Isto obrigou os demais a concordar na manutenção do sistema de votação atual até 2014, com um posterior período de transição de três anos depois disto. E, no final deste período, a UE pode, se preferir, voltar ao velho sistema. Em outras palavras, a coisa toda foi adiada por uma década aproximadamente.

A tendência para uma maior integração, que parecia inevitável, foi atribuída ao crescimento econômico. Mas este agora foi protelado. O Banco Central Europeu elevou as taxas de juros para 4% em junho de 2007, seu oitavo aumento de 0,25% desde dezembro de 2005. A burguesia européia está preocupada com a inflação e a última elevação da taxa provavelmente não será a última. Quanto ao crescimento econômico espera-se que seja em torno de 2% em 2008.

Sob estas condições, a tendência para a integração foi detida e pode reverter no próximo período, quando as contradições entre os diversos estado-nações reaparecerem. É improvável que a UE se desintegre. Os capitalistas europeus devem manter-se unidos de alguma forma face à concorrência dos EUA e da China. Mas todos os sonhos de criação de um super-estado europeu capaz de desafiar os EUA estão arruinados.

O crescimento foi fraco na maioria das economias da zona do euro. Um crescimento do PIB de 0,6% no primeiro quadrimestre de 2007 foi considerado como uma tremenda realização. Agora, até mesmo este resultado está além de sua capacidade. A queda do dólar está empurrando o euro a níveis recordes e prejudicando as exportações européias.

A moeda chinesa, vinculada ao dólar, também está caindo em prejuízo do euro. Este fato está provocando uivos de dor em Bruxelas e ameaças de retaliação tanto contra a China quanto contra os EUA. Esta é uma advertência antecipada das tendências protecionistas que inevitavelmente se acelerarão no próximo período, seja através de uma desaceleração ou de uma recessão. 

Seja como for, o crescimento econômico do último período nada resolveu e apenas estimulou a indignação dos trabalhadores que de forma crescente compreendem que não estão sendo recompensados em proporção ao esforço exigido por seus vorazes patrões. O palco está montado para a ascensão da luta de classes em um país depois do outro. De alguma forma, uma continuação do atual e débil boom poderia ser o melhor cenário. Uma queda brusca não é necessariamente uma fórmula para a luta de classes e o crescimento econômico nas condições modernas não é certamente uma fórmula para a paz social, como pudemos ver nas greves de massas na França.

Na França, a vitória de Sarkozy foi imediatamente seguida por uma explosão de greves por um setor dos trabalhadores depois do outro. O desemprego tem oscilado em torno dos 10%, mas o nível de desemprego entre os jovens abaixo dos 25 anos é de cerca de 20% e para os jovens originários do norte da África este número é de 40-50%. Foi esta a principal razão para a revolta nos banlieus [subúrbios] dois anos atrás. Recentemente houve indicações adicionais de agitação entre os jovens desempregados, principalmente entre os originários do norte da África.

Houve grande movimentação dos estudantes em oposição às contra-reformas de Sarkozy na educação. Tal fato revela o acúmulo de descontentamento que esteve abafado por décadas. Foi isto que levou a maio de 1968 e o mesmo pode acontecer agora. Na Alemanha, o mais importante país europeu, e que foi anteriormente sua locomotiva econômica, o desemprego permaneceu alto durante todo o último período. Houve grandes greves nas companhias de transporte ferroviário e em outros setores, além de fermentação política, com o partido da esquerda (Linke) crescendo para 20% nas pesquisas de opinião.

Na Itália houve a manifestação de 500 mil pessoas em Roma contra as mudanças na lei das pensões e na pequena Dinamarca uma até mesmo maior (proporcionalmente) manifestação de 100 mil contra os cortes. Isto prova que os trabalhadores não aceitarão facilmente a destruição de suas passadas conquistas. A Itália é agora o enfermo da Europa. No passado, a burguesia italiana sairia de uma crise desvalorizando a Lira e aumentando o déficit orçamentário. Agora, estas duas válvulas de escape estão fechadas. A adoção do euro pela Itália impede grandes déficits orçamentários e exclui as desvalorizações. Os capitalistas italianos, então, não têm nenhuma alternativa além de confrontar diretamente a classe trabalhadora. Eles devem retirar as concessões dos últimos 50 anos. Esta é uma receita acabada para um período de tempestuosa luta de classes.

Na Grécia, depois de apenas três meses da reeleição do governo direitista da Nova Democracia, a grande maioria do povo grego participou de uma enorme manifestação contra os ataques dos patrões ao sistema de seguridade social. A greve de 24 horas, em 12 de dezembro de 2007, foi convocada por GSEE (trabalhadores de colarinho azul e branco) e ADEDY (trabalhadores do setor público), as duas maiores federações, que representam cerca de 2,5 milhões de trabalhadores gregos. A mobilização envolveu até os advogados, os jornalistas, os pequenos lojistas, os proprietários de pequenas empresas e os engenheiros. Todos os principais meios de transporte (metrô, ônibus, barcos, aeroportos) foram completamente paralisados durante todo o dia, exceto o metrô que se permitiu operar por poucas horas para o transporte dos manifestantes à jornada de greve.

Em todas as maiores indústrias do país, nas maiores empresas estatais, em todos os principais locais de trabalho, a participação na greve geral foi de 80-100%. Em muitos locais de trabalho (como as lojas, as empresas de serviços, os escritórios), onde o número de trabalhadores é pequeno e onde não há sindicato ativo, a participação, como era de se esperar, não foi tão grande. Contudo, muitos dos trabalhadores destes pequenos locais de trabalho recusaram-se a comparecer ao trabalho usando a desculpa de que não tinham meios de transporte ou que estavam com "problemas de saúde". Na verdade, todos tomaram parte na greve.

Aconteceram 64 manifestações em diferentes partes do país. Naturalmente, as maiores jornadas aconteceram em Atenas. A maior foi a organizada por GSEE e ADEDY, com a participação de 50-60 mil trabalhadores. A outra jornada, convocada por PAME, a frente sindical do KKE (Partido Comunista Grego), viu a participação de 20-25 mil pessoas. Em todas as demonstrações houve uma disposição muito militante.

Então, exatamente após alguns meses de sua reeleição, o governo de Karamanlis se encontra em posição muito difícil. Já antes da greve geral, as pesquisas de opinião revelaram que 70% da população grega estavam em desacordo com a política do governo sobre seguridade social, enquanto 58% também se encontravam em desacordo com a política econômica tanto da liderança do PASOK quanto do governo da Nova Democracia e até mesmo 25% dos eleitores da Nova Democracia (que votaram pela ND apenas três meses antes) estavam em desacordo totalmente com a política econômica do governo ND.

O plano original do governo, exatamente depois de ser reeleito, era o de atacar a classe trabalhadora imediatamente. Mas o governo tem uma maioria insignificante no parlamento de somente dois parlamentares e é possível que não consiga ficar no poder. Aqui vemos mais uma vez a fragilidade da burguesia e suas dificuldades de avançar com sua política de cortes.

Na Espanha há uma aguda e crescente polarização entre a direita e a esquerda, a despeito de um período de rápido crescimento econômico. A direita (o PP) e a igreja estão usando uma linguagem que não era ouvida desde os anos 1930, às vésperas da guerra civil. Naturalmente, não é esta a perspectiva imediata para a Espanha ou qualquer outro país europeu. Mas no próximo período isto mudará. No fim, a burguesia chegará à conclusão de que existem demasiadas greves, demasiadas manifestações, demasiada "anarquia" e de que a "Ordem" deve ser restaurada.

Os governos reformistas sempre preparam o caminho para governos ainda mais direitistas. Em determinado momento pode haver um movimento em direção ao Bonapartismo na Europa que, por seu turno, levará a uma luta de classes ainda mais polarizada e intensificada. A democracia burguesa não é algo eterno. O que vimos na América Latina pode acontecer na Europa, não somente na elevação das lutas revolucionárias, como também nas tendências contra-revolucionárias.

Contudo, isto ainda é música do futuro. Diferentemente dos anos 1930, as contradições na sociedade não podem ser resolvidas rapidamente através de um movimento em direção à revolução ou à contra-revolução. O equilíbrio de forças de classe é enormemente favorável à classe trabalhadora e a base de massas da reação que existia nos anos 1930 no campesinato e na pequena burguesia foi gradualmente reduzida. Os grupos fascistas na maioria dos países são pequenos e, embora crescentemente barulhentos e violentos, não podem desempenhar o papel que então tiveram. Isto se evidencia através dos estudantes, que têm pontos de vista esmagadoramente de esquerda, enquanto que antes de 1945 estavam inclinados ao fascismo.

Por essa razão, a classe dominante não pode se mover em direção à reação em futuro imediato. Mas a classe trabalhadora não pode se mover em direção à tomada do poder porque suas organizações de massa tradicionais se transformaram em poderosos obstáculos no caminho da revolução socialista. O presente e desconfortável equilíbrio entre as classes pode continuar por um período de anos com subidas e descidas. Mas a crise do capitalismo far-se-á sentir e já está se fazendo sentir. As massas aprenderão da experiência e em determinado momento mover-se-ão para a tomada do poder como o fizeram nos anos 1970.

O Oriente Médio e a Ásia

O Iraque

No Iraque, a despeito da presença de um grande número de tropas armadas com as mais modernas armas de destruição, os americanos perderam a guerra. Isto produziu uma crise do regime. A classe dominante perdeu a confiança em Bush. Como com Nixon, foi fácil colocá-lo no poder, mas é muito mais difícil tirá-lo de lá. O Grupo de Estudos do Iraque liderado por James Baker, representante de confiança da classe dominante, deu conselhos perfeitamente saudáveis do ponto de vista da burguesia americana. Eles disseram: "Nós perdemos - devemos ir embora o mais rápido possível; façamos um acordo com a Síria e o Irã; deixemos para eles a colheita da desordem".

Em vez disso, George Bush enviou mais tropas e ameaçou o Irã. Seu slogan é: "Um último empurrão e venceremos". Isto lembra os generais da I Guerra Mundial, que estavam sempre ordenando a seus soldados avançar mais uma vez garantindo que seria a última vez. Agora, a "onda" [recente ofensiva americana] domina o terreno e mais de 21 mil soldados foram enviados para lá, aumentando o seu número em Bagdá para 31 mil a mais e, em termos nacionais, para 160 mil, o maior nível de tropas desde 2005.

Tendo assegurado Bagdá, os americanos esperam fazer frente ao chamado cinturão sunita localizado na periferia de Bagdá, particularmente na vizinhança das cidades majoritariamente sunitas do sul - Mahmoudiyah, Latifiya e Yusufiya. Mas isto nada resolveu. Empurrados de Bagdá, os guerrilheiros foram para outras áreas. Reconhece-se que entre 2,2 milhões de uma população de 27 milhões fugiram do Iraque, enquanto que as Nações Unidas estima que outros dois milhões deslocaram-se internamente.

Mais cedo ou mais tarde os americanos terão de deixar o Iraque. Eles estão tentando organizar um estado que se possa manter quando forem embora. Mas o estado em última análise é um corpo armado de homens. A polícia iraquiana consiste tem em torno de 188 mil homens treinados pelos americanos, mas na metade de 2007 não menos de 32 mil tinham sido perdidos - por morte (de oito a 10 mil), feridos (número semelhante), deserção (mais de cinco mil) e por outras razões. Diz-se que o exército de 137 mil é forte, melhor e menos obviamente sectário, mas inútil na luta contra os insurgentes.

As coisas não são melhore no front político. Os americanos exigem que o Iraque construa um governo de ampla base nacional. Mas o governo de unidade nacional não corresponde a isto. Este se constitui de um grupo de facções, cada uma exigindo um pedaço do espólio. Há uma sangrenta e sectária guerra civil no Iraque. O governo e os americanos não podem resolver o problema. O imperialismo americano é responsável por este pesadelo. Eles atiçaram as chamas do conflito sectário quando se basearam nos curdos e nos xiitas contra Saddam Hussein, que tinha bases entre os sunitas. Agora a situação está fora de controle.

O general Petraeus admitiu candidamente que a "onda" seria em vão a menos que o espaço que suas tropas estão tentando criar seja usado pelo governo xiita para compreender uma gama mais ampla de sunitas. Os patrões de Petraeus em Washington sabem que, se o fantoche Maliki não fizer nada melhor, a "onda" americana - e a crescente perda de vidas americanas já o está requerendo - está condenada ao fracasso.

Eles tentam se consolar com o fato de que até recentemente o Curdistão era relativamente tranqüilo. "O norte está OK", costumavam dizer. Mas as piores matanças e violências acontecerão no norte. O Curdistão é uma mistura étnica. A questão nacional não pode ser resolvida sob o capitalismo, tanto no Iraque quanto em qualquer outra parte. Agora há um conflito entre os sunitas, os curdos, os turcomanos e outros grupos.

A Turquia está olhando ameaçadoramente para o Iraque. Ancara jamais aceitará um Curdistão independente junto a suas fronteiras. O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) recomeçou sua guerra de guerrilhas dentro da Turquia e tem bases dentro do Curdistão iraquiano. O exército turco se movimentará para esmagá-los. Já são massivas as suas forças na fronteira, justamente esperando uma desculpa para invadir. Inclusive já fizeram algumas incursões. Se o Iraque começar a se desfazer em linhas nacionais e sectárias, os turcos se movimentarão para ocupar a área em torno de Mosul e Kirkuk, que eles sempre cobiçaram por suas riquezas em petróleo. Tal fato provocará novos conflitos e instabilidade.

Crise nos EUA

Os imperialistas não fazem guerras por diversão, mas por saques, mercados e esferas de influência. Mas eles não estão ganhando dinheiro no Iraque - pelo contrário, isto lhes está custando uma colossal quantia de dinheiro: pelo menos dois bilhões de dólares cada semana e milhares de mortos e feridos. O Iraque tem a terceira maior reserva mundial de petróleo, mas ela é de pequena utilidade visto que o petróleo cru permanece na maior parte das vezes sob o solo. A infra-estrutura petrolífera encontra-se em condições críticas depois de 17 anos de guerras e sanções. A produção permanece bem abaixo do (já deprimido) pico do pré-guerra de 2,5 milhões de barris ao dia.

Os militares são pessimistas quanto às perspectivas e crescentemente falam sobre isto. O general Petraeus advertiu que "as operações de contra-insurgência podem durar de nove a dez anos". Mas eles não dispõem de nove a dez anos. A opinião pública nos EUA agora é esmagadoramente contra a guerra. Mesmo muitos republicanos já tiveram o suficiente.

Qualquer coisa que os americanos fizerem agora dará errado. Se permanecerem, isto significará mais desastres e nada resolverá. Principalmente como resultado do Iraque, a popularidade de Bush entrou em colapso. A lista de americanos mortos e feridos continua a crescer e um número desproporcional de vítimas no Iraque são de familiares de latinos ou negros.

Isto é no fundo uma questão de classe. Se a ocupação continuar, poderia provocar movimentos nos EUA similares aos movimentos de massas contra a guerra do Vietnam há quarenta anos. Pode até mesmo provocar uma crise do regime com implicações revolucionárias. A combinação de recessão econômica, com a resultante queda dos padrões de vida, desemprego e reintegrações de posse das casas das pessoas, com guerra é um coquetel explosivo.

Mas se eles forem embora ainda será pior. Eles se irão deixando para trás uma situação caótica que poderia até mesmo levar a uma divisão do Iraque em suas partes constituintes. Isto colocará as bases para futuras instabilidades, guerras regionais e terrorismo - isto é, precisamente o oposto do que eles pretendiam.

No outono de 2007, enquanto Bush ainda estava batendo os tambores de guerra contra o Irã, surpreendentes revelações apareceram na imprensa com relação ao Irã, o favorito "país renegado" do presidente. Fontes desconhecidas revelaram que o serviço de inteligência americano estabelecera já há algum tempo que o Irã não tinha possibilidades imediatas de adquirir poder militar nuclear. Isto era exatamente o oposto do que Bush tem dito nos meses recentes. Ele tem, na verdade, dito que era necessário adotar imediatamente ações contra o Irã porque a qualquer momento este poderia dispor de armas nucleares.

Como Bush reagiu a isto? Será que ele corrigiu a enganosa propaganda sobre o imaginário arsenal nuclear do Irã? Será que ele anunciou o abandono imediato de quaisquer planos para uma ação militar contra o Irã? Não, ele não fez nada disso. Ele repetiu todas as velhas coisas sem sentido e redobrou as suas ameaças contra o Irã. E o governo israelense juntou-se a ele, asseverando que seu próprio serviço de inteligência contradizia os relatórios de Washington. Evidentemente, os falcões de Israel estão entusiasmados com a perspectiva de dar ao Irã um banho de sangue e não querem que sua diversão seja estragada por ninguém.

Quem estava por trás daquelas revelações? Quem quer que tenha sido, foi alguém de alta posição com acesso privilegiado às informações de inteligência altamente delicadas. Parece muito provável que um setor do establishment decidiu prevenir uma nova aventura militar no Oriente Médio liberando informação que revelava toda a propaganda da Administração sobre este assunto, tão caprichosa quanto as velhas mentiras sobre as "armas de destruição em massa" do Iraque.

Este incidente revela a existência de uma divisão crescente dentro da classe dominante dos EUA. Há uma compreensão crescente de que a política externa da administração Bush tem conseqüências negativas para o imperialismo americano e um setor da classe dominante gostaria de pisar no freio ou até mesmo de removê-lo. Implícito a tudo isto está a crise do próprio regime.

Parece mais provável que as próximas eleições serão ganhas pelos Democratas. Mas o que eles podem fazer? Eles receberão uma herança de guerra, terrorismo e crise econômica. Não tardará que eles se desacreditem, o que preparará o terreno para uma séria radicalização política nos EUA.

Instabilidade regional

A guerra no Iraque já teve conseqüências imprevistas pela facção dominante em Washington quando se lançaram nesta aventura. George W. Bush e Condoleezza Rice desejam sinceramente a paz no Oriente Médio - desde que seja uma paz sob controle americano. O problema é que estes dois objetivos excluem-se mutuamente: ou você tem a paz ou você tem domínio americano, mas não se podem ter as duas coisas ao mesmo tempo.

O imperialismo EUA procura fortalecer sua influência repressora na região como parte fundamental de sua política geral de dominação mundial. A criminosa invasão do Iraque tinha por objetivo, entre outras coisas, estabelecer uma firme e confiável cabeça de ponte no Oriente Médio. Não alcançou este objetivo, mas foi bem sucedida em provocar uma onda de instabilidade em toda a região.

Eliminando o exército iraquiano - a única força que poderia agir como contrapeso ao Irã - Washington alterou o equilíbrio de forças estratégico em toda a região. Isto beneficiou ao Irã, que estendeu sua influência em meio à população xiita do Iraque e em toda a região. Isto ameaça diretamente os interesses da Arábia Saudita e dos estados do Golfo, onde monarquias reacionárias pró-americanas estão sentadas em gigantescas reservas de petróleo.

Como um elefante numa loja de porcelana, o imperialismo americano alvoroçou toda a região, destruindo totalmente aqueles elementos de estabilidade que existiam ali antes. Cercados de pedaços louça quebrada e com receio de que outros pratos valiosos possam se quebrar, o presidente Bush convocou a conferência de Annapolis numa tentativa desesperada de remendar as peças quebradas.

A monarquia saudita, um dos principais aliados do imperialismo americano na área, está por um fio. Pode ser derrubada a qualquer momento e qualquer regime que a substitua não será amigo de Washington. Por essa razão, a dinastia saudita tem implorado a ajuda de Washington em duas frentes: a intensificação da pressão diplomática, econômica e militar sobre Teerã e a intermediação visando alguma espécie de acordo de paz que pudesse, esperam eles, resolver a questão palestina e mitigar as pressões sobre a Arábia Saudita.

Washington ficaria muito feliz em ajudar, mas há um grande número de problemas de natureza mais obstinada. O principal problema é Israel, que é agora o único aliado de confiança que Washington tem em toda a região. O imperialismo americano não tem muita influência sobre a classe dominante israelense na presente situação. Os EUA propõem, mas Israel dispõe.

Síria e Líbano

Os americanos pensam que foram espertos quando organizaram a queda do regime pró-Síria no Líbano. Mas tudo o que conseguiram foi afundar o país no caos e na guerra e criar as condições para o ressurgimento do conflito civil. Agora o Líbano está paralisado ante a eleição de seu presidente. Tardiamente, algumas pessoas em Washington perceberam que o papel da Síria é crucial. É possível que a decisão de se convidar Damasco a enviar um representante às conversações de paz em Annapolis seja o reconhecimento deste fato.

A decisão da Síria de enviar seu ministro do exterior - menos que um negociador pleno e mais que uma presença simbólica - em troca de uma mera discussão simbólica em Annapolis sobre a paz entre a Síria e Israel pode indicar que a Síria deseja alcançar um compromisso com Washington. Se isto é possível é uma questão discutível.

Os americanos precisam da Síria para evitar que o Líbano exploda numa guerra civil aberta. Mas George Bush é muito estúpido e de mente estreita para compreender as realidades da diplomacia mundial. Ele não ofereceu nenhuma concessão à Síria para garantir o seu apoio, em vez disso fez uma censura a Damasco em seu discurso. Ele fez uma aguçada e desnecessária referência à necessidade do Líbano de uma eleição "livre de interferências e intimidações externas". Isto é uma piada considerando a ostensiva interferência dos EUA em toda a região. Mas os sírios não viram o lado engraçado disso.

A questão palestina

A questão palestina é de importância vital na turbulenta situação do Oriente Médio: uma área-chave para a política externa dos EUA tanto por razões econômicas quanto por razões estratégicas. Durante décadas isto permanece como um tumor purulento que está envenenando as relações entre os estados e criando o risco de novos conflitos, terrorismo, instabilidade e guerras.

Depois do colapso da União Soviética, os imperialistas americanos desejaram aumentar sua influência junto aos países árabes e estavam prontos, até certo ponto, a pressionar Israel. Por essa razão, pressionaram Israel a fazer concessões. Isto levou às conversações de Camp David e aos acordos de Madri e Oslo que estabeleceram um território palestino truncado. Isto foi uma caricatura patética que de forma alguma satisfez as aspirações nacionais dos palestinos. Aliás, não satisfez ninguém.

O resultado foi violência adicional, terrorismo, conflitos e amarguras, com uma divisão aberta nas fileiras dos palestinos, com Hamas tomando o controle em Gaza, crescentes caos e instabilidade e elementos de guerra civil. A crise em Gaza é a de uma guerra civil entre Hamas e a OLP sob o comando de Abbas.

A retirada de Israel de Gaza foi um movimento tático programado para fortalecer sua influência repressora em West Bank. Vimos o cinismo dos imperialistas (não somente dos americanos, mas também da União Européia) quando eles imediatamente suspenderam os fundos para o governo de Hamas, que, diga-se o que se disser, foi democraticamente eleito. Logo que ocorreu o confronto entre Mahmoud Abbas e Hamas, os imperialistas devolveram os fundos a West Bank e ao fantoche Abbas. Eles querem usar um dos lados para dividir os palestinos e assim assegurar que a luta palestina por uma genuína pátria seja abortada.

A classe dominante de Israel vê com tranqüila satisfação como os palestinos lutam uns com os outros e ocasionalmente envia os seus tanques ou aperta os parafusos econômicos exatamente para mostrar quem é o patrão. A situação é um pesadelo para as massas palestinas, que não vêem nenhuma saída. A tática de Hamas nada resolve e unicamente reforça a posição dos imperialistas israelenses, proporcionando-lhes a desculpa para atos adicionais de agressão e repressão sem qualquer possibilidade de retaliação.

O slogan da classe dominante israelense é: o que é nosso, nós retemos. Os sionistas não têm nenhuma intenção de fazer qualquer concessão importante. Hamas gaba-se de que expulsaram o exército israelense de Gaza. Isto é uma piada. Os israelenses se retiraram de Gaza como um movimento tático para silenciar as críticas internacionais e criar a impressão de que eles concederam algo importante, quando, na verdade, eles não têm quaisquer interesses em Gaza. Isto foi programado para fortalecer sua influência repressiva em West Bank, que é a questão decisiva.

Os israelenses inflexivelmente continuam a construir o monstruoso muro que retalha todo o território palestino em West Bank, roubando grandes áreas do território sob o pretexto de "defesa". Os colonos tornaram-se crescentemente mais arrogantes e insolentes. Depois dos incidentes em Gaza nenhum governo israelense desejará confrontar os colonos em West Bank.

Em seguida, há a pequena questão de Jerusalém, que tanto os judeus quanto os árabes reclamam como sua capital dada por Deus. Quanto ao direito de retorno dos palestinos expulsos de suas casas desde 1948, não há nenhuma possibilidade de Israel aceitar sua volta, visto que tal fato transtornaria todo o equilíbrio demográfico do "estado judeu".

Tanto Israel quanto os EUA têm interesse em chegar a algum tipo de acordo sobre a questão palestina. Até este ponto eles podem conversar e conversar mais uma vez. Mas a qualquer acordo que eles cheguem será contra os interesses dos palestinos.

Eles estão amaciando o "líder" palestino Mahmoud Abbas como um complacente pateta para que coloque a sua assinatura sobre qualquer coisa que eles resolvam entre si. Mas isto não é tão fácil! Abbas, como muitas pessoas, gostaria de viver até ficar velho, e está também com medo de perder ainda mais apoio das massas palestinas do que já perdeu. Ele não se pode permitir ser visto tão abertamente como tendo capitulado perante as exigências de Washington e dos israelenses. Mas no final ele não terá nenhuma escolha no assunto.

A conferência de cúpula de paz em Annapolis nada resolveu. Depois de quatro meses de infindáveis negociações sobre negociações, Condoleezza Rice, a secretária de estado americana, fracassou em obter o que Abbas precisava: alguma espécie de acordo sobre a instituição de um estado palestino.

Problema insolúvel

Supõe-se que os EUA monitoram a obediência de ambos os lados ao plano de paz "mapa do caminho" de 2003, sob o qual caberia a Israel o congelamento da construção de assentamentos no West Bank, enquanto a Autoridade Palestina (AP) procederia contra os militantes que atacam Israel.

Isto significa que os EUA desempenham o papel de árbitro no conflito por consentimento mútuo dos dois lados em luta. Os EUA concordaram em supervisionar a obediência dos dois lados ao "mapa do caminho": isto se apresenta como uma vitória para os palestinos visto que no passado Israel era de fato o árbitro. Mas o que se pode alcançar com isto na situação dada é estritamente limitado. Supõe-se que o árbitro numa partida de futebol deva ser neutro e, nesse sentido, impor a sua autoridade para decidir o assunto. Mas, uma vez que este árbitro esteja claramente inclinado por um dos lados, esta "arbitragem" não pode valer muita coisa.

O primeiro teste já está presente: o que poderá fazer Olmert com relação aos mais de 100 assentamentos "não-autorizados", estabelecidos por colonos linha dura? O "mapa do caminho" requer que sejam desmantelados cerca de 60. Mas as tentativas anteriores para desmantelar até mesmo um deles levaram a violentas lutas entre a polícia e os colonos, que estão se reagrupando para um confronto depois de perderem a luta para permanecerem na Faixa de Gaza em 2005.

É possível que ele faça alguma pressão sobre os colonos (afinal, estes são apenas peões no jogo de xadrez e peões podem sempre ser sacrificados para se obter objetivos mais importantes). Mas uma liquidação por atacado de assentamentos judeus no West Bank é impensável. Os colonos são fanáticos totalmente capazes de provocar sérios distúrbios tanto no West Bank quanto no próprio Israel e nenhum governo israelense gostaria de correr o risco de ser desestabilizado. O problema dos colonos então permanecerá, atuando como uma provocação permanente para os palestinos. É difícil ver que papel de "árbitro" pode ser desempenhado neste assunto.

Os EUA indicaram um general, James Jones, como um emissário de confiança à Autoridade Palestina. E está claro que Israel não tornará o seu emprego fácil. Um oficial israelense disse que qualquer impressão de que o Sr. Olmert planeja o congelamento total das construções, como estipula o "mapa do caminho", é uma "conveniente conjectura incorreta". Este pequeno detalhe é altamente significativo. Ele expõe a falsidade da diplomacia dos EUA. De fato, toda a coisa é exatamente isto: uma "conveniente conjectura incorreta".

Onde o "árbitro" será implacável é no ponto do endurecimento contra os militantes palestinos. A vasta quantidade de dinheiro que os americanos estão enviando à Autoridade Palestina não está livre de encargos. Eles esperam algo em retorno. Eles esperam que Abbas esmague os militantes palestinos com o objetivo de preparar o caminho para um acordo que não satisfará as aspirações palestinas. É por isto que há vários meses Washington está armando a Autoridade Palestina e treinando as suas forças de segurança. Isto é uma preparação para uma guerra civil que eles sabem que virá.

A leitura israelense do "mapa do caminho" é que a AP deve desmantelar inteiramente os grupos terroristas antes de qualquer acordo final que os dois lados possam alcançar. Para que este possa apresentar resultados, eles exigem completa obediência antes de considerar qualquer passo adicional. Mas isto está além das possibilidades reais de Abbas, que teme que um conflito sério com Hamas possa conduzir ao colapso completo de suas forças armadas. Tendo em vista este temor, a AP insiste em que eles precisariam apenas começar a tarefa de "restaurar a ordem".

Dessa forma, as recentes negociações não resolveram nada e nem poderiam resolver qualquer coisa. Este conflito é muito intenso e profundo para poder ser resolvido através de negociações. E mesmo quando as negociações forem retomadas em dezembro, como poderão eles resolver as importantes questões das fronteiras do estado palestino, da divisão de Jerusalém, do destino de 4,5 milhões de refugiados palestinos no exterior, da divisão dos recursos d'água e outros assuntos ardentes.

Olmert apenas concederá exatamente o suficiente para manter o processo de paz em andamento, para não aborrecer os americanos. Mas não concederá nada que possa provocar os partidos de direita a abandonar sua coalizão. Estes últimos podem fazer isto simplesmente porque não estão preparados a fazer concessões sobre as questões-chave. Por exemplo, eles estabeleceram uma lei parlamentar que tornaria mais difícil para Israel conceder qualquer parte de Jerusalém à Autoridade Palestina.

Por seu lado, Abbas, que obteve em Annapolis muito menos que esperava, corre o risco de ser acusado de capitulação por seus opositores. As forças de segurança da Autoridade Palestina se dividiram ferozmente com relação às manifestações anti-Annapolis no West Bank. Isto é uma advertência sobre o que pode acontecer. Longe de trazer um genuíno acordo de paz para a criação de um estado palestino, Annapolis trará somente mais conflitos, banhos de sangue e guerra civil entre os palestinos, deixando uma herança de amarguras que durará muito tempo.

A única saída

Em muitos países, a classe trabalhadora, depois de anos de desalento e exaustão, está tomando o caminho da luta. Vemos isto na impressionante greve salarial no Egito, mas também em Marrocos, na Jordânia, no Líbano e no próprio Israel. É necessário colocar na agenda a luta política da classe trabalhadora, a solidariedade internacional proletária e a luta pelo socialismo como a única e definitiva solução aos problemas das massas.

É essencial que a juventude revolucionária da Palestina entenda isto. Se aceitarmos o argumento de que a sociedade israelense constitui uma só massa reacionária, então a causa do povo palestino estará perdida para sempre. Mas isto não é verdade! Em Israel, existem ricos e pobres, exploradores e explorados, exatamente como em todos os outros países. É necessário trabalhar para forjar alianças entre os revolucionários da Palestina e as massas de Israel - tanto de judeus quanto de árabes. Este é o único caminho para se colocar uma cunha entre a reacionária classe dominante sionista e as massas.

O que ouvimos é que isto é impossível. Não é verdade! Em mais de uma ocasião no passado, houve claras indicações de que a mensagem dos territórios ocupados estava ecoando no seio das massas em Israel. No momento do massacre dos palestinos no Líbano, houve uma gigantesca manifestação de protesto em Israel e, na primeira Intifada, existiram claras indicações de descontentamento em Israel, inclusive nas forças armadas.

Táticas como os ataques de terroristas suicidas e lançamentos de foguetes sobre alvos civis estão erradas porque são contraproducentes. Por cada cidadão israelense morto eles podem matar muitos mais palestinos. Isto não provoca nenhuma mossa na máquina militar israelense, mas é uma ajuda extraordinária à classe dominante israelense e ao estado. Ao empurrar as massas em direção ao estado sionista, estas táticas fortalecem exatamente o que pretendem destruir.

Nós lutamos pela revolução socialista em todo o Oriente Médio e no Irã, no Golfo e no Norte da África. Lutamos contra o imperialismo - o principal inimigo de todos os povos. Mas também lutamos contra o latifúndio e o capitalismo - os principais agentes do imperialismo. Opomo-nos ao fundamentalismo religioso, que tenta desviar os saudáveis instintos antiimperialistas das massas para o beco sem saída do fanatismo religioso e do obscurantismo reacionário. Defendemos o poder dos trabalhadores e o socialismo e por uma nova ordem social que expresse os interesses das massas. Somos pela criação de uma Federação Socialista no Oriente Médio, onde judeus e árabes tenham um lar garantido em Repúblicas Socialistas autônomas. Este é o único caminho a seguir.

Nenhuma solução para a questão palestina é possível na base de compromissos sujos com o imperialismo. A única solução possível é a dividir Israel em linhas de classe, para quebrar a influência repressora do sionismo reacionário. Mas isto exige uma posição de classe. É difícil por em evidência esta posição dadas as circunstâncias, mas os acontecimentos proporcionarão aos marxistas o acesso às massas para que estas percebam a futilidade dos velhos métodos. Nesse entretempo é necessário explicar pacientemente nossas idéias aos elementos mais avançados. No futuro, nossas idéias encontrarão eco no seio das massas.

A revolução iraniana

Há um crescente potencial revolucionário no Irã. Ahmadinedjad está posando de antiamericano como forma de distrair a atenção das massas. Contudo, depois das recentes revelações sobre o programa nuclear iraniano, torna-se visível que as perspectivas de um ataque aéreo contra o Irã recuaram - pelo menos no momento.

Isto não ajuda nada a Ahmadinedjad. Seu apoio está erodindo rapidamente dentro do Irã, e sua única esperança era a de continuar batendo os tambores sobre o perigo de uma agressão americana com o objetivo de distrair a atenção das massas para longe de seus mais urgentes problemas e assim salvar o regime. Ele fez uma declaração pública no sentido de que as novas revelações expuseram Bush como um mentiroso (o que ele é) e que a política de seu regime era completamente justificada (o que não é).

Naturalmente, Ahmadinedjad não é capaz de empreender uma luta séria contra o imperialismo, mas tinha interesse em manter a tensão com o objetivo de desviar a atenção das massas de seus problemas reais. Agora é improvável que Bush esteja pronto para agir. Isto tornará mais fácil a difusão de um movimento de oposição pelos trabalhadores iranianos e os estudantes, que já começou e está destinado a transformar toda a vida política da região no próximo período.

Os mulás estão agarrados ao poder, mas o apoio a eles está entrando em colapso. O regime está experimentando um lento processo de decomposição interna. Depois de décadas no poder, são vistos como corruptos e repressivos. A juventude encontra-se em franca revolta. A despeito do poderoso aparato estatal de repressão, Ahmadinedjad foi vaiado e incomodado com as perguntas dos estudantes. Este é um sintoma muito importante. É normal que uma revolução inicie com o movimento dos estudantes. Foi este o caso na Rússia no período de 1900-03. Os protestos estudantis prepararam o caminho para o movimento de massas dos trabalhadores na Revolução de 1905. Foi este também o caso na Espanha em 1930-31. Em maio de 1930, Trotsky escreveu:

"Quando a burguesia, de forma consciente e obstinada, se recusa a assumir a solução das tarefas que fluem da crise da sociedade burguesa; quando o proletariado ainda parece estar despreparado para empreender a solução destas tarefas por eles mesmos, então o cenário é freqüentemente ocupado pelos estudantes... As atividades revolucionárias ou semi-revolucionárias dos estudantes significam que a sociedade burguesa está passando por uma crise profunda...

"Os trabalhadores espanhóis mostraram um instinto revolucionário inteiramente correto quando deram apoio às manifestações dos estudantes. Eles entendiam que deviam fazer isto sob sua própria bandeira e sob a liderança de suas próprias organizações proletárias. Isto deve ser afiançado pelo comunismo espanhol e para isto ele precisa de uma política correta" (Leão Trotsky, Problems of the Spanish Revolution).

Estas palavras são plenamente aplicáveis ao Irã atual. Os estudantes estão protestando e se manifestando a despeito da pesada presença das forças de segurança do regime iraniano. No dia dos estudantes (quatro de dezembro), cerca de 500 deles e ativistas de esquerda tomaram parte de uma assembléia ilegal na Universidade de Teerã. Todos gritaram slogans denunciando as recentes prisões e o clima de intimidação e a reunião foi concluída com o canto da Internacional. Isto mostra que as tradições radicais e revolucionárias do movimento dos estudantes iranianos que remontam às lutas de dezembro de 1953 estão vivas e gozando boa saúde. Mas de determinado ponto de vista são até mais importantes.

Lênin explicou que existem quatro condições para a revolução. A primeira é quando o regime está dividido e em crise. O regime iraniano está profundamente dividido e em completo impasse. Ele já chegou ao ponto que, como Tocqueville indicou, é o mais perigoso momento de uma autocracia, o de começar a reformar. Neste ponto abre-se uma divisão entre os conservadores e os reformistas. Os últimos dizem: "devemos fazer as reformas ou haverá uma revolução". Os conservadores dizem: "Se começarmos a fazer reformas haverá uma revolução". Ambos estão corretos. O Irã chegou a este ponto há muito tempo.

A segunda condição é quando as camadas médias da sociedade se encontram em estado de fermentação e vacilam entre a revolução e a manutenção do status quo. Esta fermentação reflete-se no movimento dos estudantes nas universidades, mas não se restringe a isto. Setores da classe média, como os pequenos comerciantes que no passado apoiaram os mulás estão também descontentes agora. A base de massas da reação está se reduzindo, enquanto as reservas sociais da revolução crescem continuamente.

O próximo e mais importante elemento da equação é a classe trabalhadora. O poderoso proletariado iraniano é a força mais decisiva da revolução. Os trabalhadores iranianos estão agora em movimento. A onda de greves aumenta envolvendo muitos setores da classe trabalhadora: rodoviários, trabalhadores da construção naval, têxteis, ferroviários, os trabalhadores da produção açucareira de Haft-Tapeh, do petróleo e outros setores. Estas greves podem começar com demandas econômicas, mas dada a natureza do regime elas inevitavelmente tomarão um caráter político e revolucionário.

Em outras palavras, todas as condições mencionadas por Lênin ou estão presentes ou estão amadurecendo. A última condição está faltando: o partido e sua liderança revolucionária. Nossos camaradas iranianos têm realizado um excelente trabalho, que ainda se encontra em seus estágios iniciais, mas que pode decolar rapidamente com o desenvolvimento da revolução. O Irã encontra-se numa etapa comparável à situação às vésperas de janeiro de 1905. Lembremos que os marxistas russos também eram extremamente fracos naquele tempo, mas cresceram com tremenda velocidade quando a classe trabalhadora começou a se movimentar.

A nossa tendência é a única que percebeu o potencial revolucionário do Irã. A classe trabalhadora iraniana foi vacinada contra o fundamentalismo islâmico. É jovem, viçosa e livre dos preconceitos e distorções do reformismo e do estalinismo. Pode se movimentar muito rapidamente na direção das mais avançadas idéias revolucionárias. A revolução iraniana eliminará a atmosfera estagnada e irrespirável da reação que pende sobre a região. Ela se livrará do jugo do fundamentalismo religioso e resolutamente tomará o caminho do socialismo e do poder operário.

Neste momento, a revolução iraniana é a chave para todo o Oriente Médio. Ela dissipará o nevoeiro espesso do fundamentalismo religioso e da reação. Dará esperanças e uma nova perspectiva aos trabalhadores e à juventude do mundo árabe que estão começando a despertar para a luta de classes. Causará ondas de choque que se espalharão ao Afeganistão, Paquistão e a toda a Ásia Central e repercutirá ainda mais longe.

Afeganistão

Como no Iraque, também no Afeganistão os imperialistas fracassaram em seus objetivos fundamentais. O país se encontra em completa desordem e as ondas de choque dele procedentes desestabilizaram o Paquistão. A guerra se arrasta e as baixas entre as tropas ocidentais aumentam. O plano americano de confiar no poder aéreo no Afeganistão com o objetivo de evitar baixas americanas fracassou. Em vez disso, os bombardeamentos causaram pesadas baixas entre os civis. Esta é a versão do Pentágono da gentil arte de ganhar amigos e influenciar pessoas.

As tropas britânicas enviadas estão lutando no território da província de Helmand. Mas elas estão tendo um monte de baixas numa guerra que não podem vencer. Os talibãs evitam combates frontais e estão agora recorrendo a mais ataques suicidas e a explosões na margem das estradas. Estas táticas assimétricas (isto é, guerrilha) são muito efetivas e são usadas mesmo em Cabul. Um ataque suicida quase matou o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.

Dizem que o general britânico, David Richards, advertiu os seus colegas em Londres que a OTAN estava fazendo "o melhor possível em circunstâncias difíceis" porque estava com poucas tropas. Mas é muito mais fácil colocar o problema do que resolvê-lo. Onde a OTAN obterá mais soldados? Em vez disso, mais aliados dos americanos estão caindo fora. A vontade de continuar lutando evaporará quando o aumento das baixas afetar a política interna. Isto já causou uma crise política na Itália. E esta não será a última.

Alguns países, como a Grã-Bretanha, a Dinamarca e a Polônia, estão aumentando as suas forças. Mas outros não estão mais dispostos a perder mais vidas. Os alemães estão lá, mas suas tropas estão confinadas no norte (onde há pouca ou nenhuma luta) e estão proibidas de deixar os quartéis a noite! A missão afegã é impopular na Alemanha, e quase derrubou o governo italiano em fevereiro de 2007. Os holandeses estão vacilando e Sarkozy disse que ele também gostaria de deixar a ISAF (International Security Assistance Force) enquanto os oficiais dizem que esta decisão é iminente.

A escassez aguda de tropas no terreno significa que os imperialistas terão de compensá-la com pesado poder de fogo. Isto significa até mesmo maiores baixas civis, o que poderá indispor ainda mais a população afegã. O talibã, em contraste, tem muito dinheiro, homens e armas, financiados pela colheita da papoula. 

A economia do ópio e a insurgência reforçam-se mutuamente; as drogas financiam os talibãs, enquanto a luta encoraja o cultivo da papoula, particularmente em Helmand, que se prevê deverá colher outra colheita recorde este ano, produzindo mais ópio (e dela a heroína e outras drogas ilegais) que o resto do Afeganistão tomado em conjunto.

O negócio das drogas é altamente lucrativo, valendo cerca de 320 bilhões de dólares anualmente. O comércio do ópio equivale a cerca de um terço da economia total do Afeganistão. O comércio de ópio afegão está valendo cerca de 60 bilhões de dólares aos preços correntes nos países consumidores - e se encontra fora de controle. O Afeganistão no último ano produziu o equivalente a 6,1 mil toneladas de ópio, cerca de 90% do total mundial. Pelo menos o Talibã exercia algum controle; agora, nada disto existe. Atualmente, os comandantes talibãs e os traficantes de drogas são uma e a mesma coisa.

Alguns dos maiores barões das drogas são destacados membros dos governos nacional e provinciais, até mesmo figuras próximas a Hamid Karzai. The Economist (28/06/07) informou: "Toda a estrutura governamental, que se supõe dever impor as regras da lei, do ministro do interior ao mais simples policial, foi subvertida. Os pobres e mal pagos policiais são subornados para facilitar o comércio. Alguns pagam aos seus superiores para obterem serviços particularmente ‘lucrativos' junto aos postos de controle da fronteira".

Paquistão - a chave

O Paquistão é o componente mais importante na política externa dos EUA na Ásia Central. Mas se encontra em apuros, acossado por uma combinação fatal de colapso econômico, insurgência islâmica, terrorismo, divisões no estado e caos político. O resultado exato é impossível de se prever. Mas uma coisa está clara: a instabilidade crescerá e, junto ao aumento da polarização social e política, dará um impulso poderoso tanto às tendências revolucionárias quanto às contra-revolucionárias.

Os acontecimentos no Paquistão estão se movendo rapidamente. O general Musharraf foi obrigado a renunciar a chefia do exército e a convocar eleições. Isto prepara o terreno para uma grande mudança no Paquistão. As divisões e conflitos no alto estão proporcionando uma ruptura através da qual o descontentamento acumulado das massas está avançando. Os acontecimentos então seguirão a sua própria lógica.

A ditadura de Musharraf foi posta de joelhos pelos protestos e demonstrações de massas e pelas intoleráveis contradições que afligem o Paquistão em todos os níveis. Como previmos, o retorno de Benazir Bhutto lançou milhões de trabalhadores e camponeses às ruas. Isto não aconteceu graças as políticas e conduta de Benazir, mas a despeito dela, que é aliada do imperialismo americano e até recentemente tentava chegar a um acordo com Musharraf.

A ditadura de Musharraf foi minada como resultado de suas próprias contradições e podridão interna. Esta decadência interna ficou revelada através da crise dos advogados. Em seguida, tivemos a crise da Mesquita Vermelha etc. Em conseqüência, os imperialistas decidiram abandonar Musharraf e se preparar para o retorno de Benazir ao Paquistão. O retorno de Benazir Bhutto e de Nawaz Sharif, e a saída formal do general Musharraf do exército acionou o início do fim da ditadura. Esta simplesmente se esgotou e está colapsando sob o próprio peso.

O Paquistão teve uma tempestuosa história desde que alcançou a independência formal, junto com a Índia, em 1947. Desde então a débil burguesia paquistanesa tem se mostrado completamente incapaz para conduzir este gigantesco país a frente. Ele permanece mergulhado em horrível pobreza e atraso feudal. A economia encontra-se em desordem e o país retrocede.

A debilidade do capitalismo paquistanês manifestou-se numa extrema instabilidade política. Regimes "democráticos" débeis são substituídos em intervalos regulares por ditaduras militares dos mais variados tipos. O último ditador, Zia al Huq, foi assassinado (provavelmente pela CIA). Musharraf teme o mesmo destino e pende desesperadamente do poder. Mas este já está escapando através de seus dedos.

A proclamação do estado de emergência foi o movimento de um jogador desesperado que mergulhou o país no caos político, como nós previmos. Não satisfez os interesses do imperialismo americano, para o qual agora o Paquistão tem uma importância fundamental devido à guerra no vizinho Afeganistão. Washington exerceu pressão sobre Musharraf para eliminar as forças pró-talibã que cruzam a fronteira para lutar contra as forças da coalizão no sul do Afeganistão.

Estas pressões de todos os lados minaram Musharraf. Seu exército sofreu severas baixas nas áreas tribais, onde tenta sem êxito erradicar os militantes. Há até uma poderosa ala do exército e, acima de todos, os serviços de inteligência (ISI), que apóia e protege o talibã e al-Qaeda.

Musharraf é impotente para fazer qualquer coisa sobre isto. O exército era a sua única base de apoio e que provou ser muito vacilante. Por essa razão, os estrategistas do imperialismo americano chegam à conclusão de que Musharraf não mais tem qualquer utilidade para eles e pode ser descartado. Eles estavam olhando para Benazir Bhutto para tomar o seu lugar.

Perspectivas para o Partido do Povo do Paquistão

Para os advogados e políticos profissionais "democracia" é uma plataforma para se obter lucrativas posições parlamentares e ministeriais. Sua principal objeção a Musharraf não é de princípio, mas simplesmente porque o exército estava ficando com uma parte muito grande da torta estatal e não estava deixando nada para eles. Para a "classe política" toda a questão reduz-se a uma luta para ver quem mete o focinho no cocho do porco.

A burguesia americana tem outros interesses. Ela tem o seu próprio cocho de porco em casa. A defesa do que ela chama de "interesses americanos" está no final das contas conectada com isto. Mas, com o objetivo de proteger os "interesses americanos" (isto é, os interesses dos grandes bancos e corporações), ela deve prestar atenção à política externa.

A política externa americana tem dois departamentos: o primeiro é o exército, a marinha e a força aérea americana; o segundo é a diplomacia. O primeiro usa a força crua para esmagar os inimigos; o segundo usa uma combinação de ameaças, suborno e corrupção para obter o apoio dos "governos amigos", visto que a amizade é também uma commodity e pode ser comprada como qualquer outra commodity.

Infelizmente, também como qualquer outra commodity, os amigos podem deixar de ser úteis e seu valor de mercado declinar de acordo com isto. O valor de mercado da amizade do general Musharraf está agora muito baixo. Então, Washington está à procura de novos amigos em Islamabad.

Benazir não perdeu nenhuma oportunidade para posar de pró-ocidental "moderada". Mas por trás de Benazir e do PPP estão as massas que anseiam por uma mudança. Elas são leais às aspirações socialistas originais do PPP e estão exigindo roti, kapra aur makan (pão, roupa e abrigo), que o capitalismo paquistanês não está apto a lhes dar. A atitude das massas ficou evidente no retorno de Benazir ao Paquistão: pelo menos dois milhões de pessoas foram às ruas e a esmagadora maioria era formada por trabalhadores, camponeses e pessoas pobres.

Washington foi o primeiro a ficar aliviado quando Nawaz Sharif foi deportado para a Arábia Saudita em setembro de 2007, mas, tendo testemunhado as mobilizações de massa provocadas pelo retorno de Benazir, agora está feliz por vê-lo de volta. A família real saudita exigiu que o líder da Liga Muçulmana tivesse permissão para voltar. Os sauditas querem prevenir uma vitória do PPP a todo custo e querem que Musharraf apóie a Liga Muçulmana para manter Benazir fora do poder. Os imperialistas querem se equilibrar entre Sharif e Benazir. Eles querem empurrá-los para uma coalizão como salvaguarda contra as massas.

O assassinato de Benazir Bhutto transtornou inteiramente a situação. As massas entraram em ação. Se as eleições tivessem sido realizadas, elas votariam massivamente pelo PPP. No curto prazo, o "centro" ganhará na forma de um governo do PPP, possivelmente em coalizão com a Liga Muçulmana. Mas isto se mostrará impotente e inviável para resolver os problemas fundamentais da sociedade. O "centro" ficará exposto como um gigantesco zero.

Crise do regime

Os imperialistas e a classe dominante do Paquistão não temiam Benazir Bhutto, mas estavam aterrorizados com as massas que estavam por trás do PPP. Elas querem uma mudança fundamental na sociedade e não ficarão satisfeitas com discursos vazios e promessas.

Benazir queria formar uma coalizão com Sharif porque necessitava de uma desculpa por não conduzir uma política no interesse dos trabalhadores e dos camponeses. Mas os trabalhadores e os camponeses pobres não aceitarão quaisquer desculpas. Elas continuarão adiante com suas mais urgentes demandas. Isto abrirá uma situação totalmente nova para a luta de classes no Paquistão.

Todas as manobras e intrigas desprezíveis estão ocorrendo no topo. Os jornalistas e comentaristas são fascinados por este "drama político", que se assemelha a uma briga ruidosa entre anões em um circo. Todas estas combinações infindáveis e acordos são apenas a espuma das ondas do oceano que são a expressão visível de poderosas correntes submersas. Estas sim é que são decisivas.

A crise no Paquistão não é uma crise política superficial, mas uma crise do próprio regime. O débil capitalismo paquistanês, podre e corrupto até a medula, levou um enorme país de 160 milhões de habitantes a um impasse horrível. Por mais da metade de um século o degenerado estado burguês paquistanês mostrou-se incapaz de levar a nação a frente. Agora se encontra num completo impasse, que ameaça arrastá-lo para o abismo.

Somente as massas, conduzidas pela classe trabalhadora, podem mostrar o caminho de saída deste pesadelo. O verdadeiro distrito eleitoral do PPP são as massas: os milhões de trabalhadores e camponeses, de jovens revolucionários e de desempregados que foram às ruas depois do assassinato da líder do PPP. Elas não estavam aplaudindo um indivíduo, mas um ideal: o ideal de um Paquistão verdadeiramente democrático e justo, um Paquistão sem ricos e pobres, sem opressores e oprimidos, um Paquistão socialista.

No próximo período, as massas estarão de volta à escola do PPP onde aprenderão algumas ásperas lições. Mas as massas em geral sempre aprendem da experiência. Como poderiam aprender de outra forma? O próximo período será um período de Sturm und Drang [Tempestade e Stress]. Um governo do PPP será imediatamente submetido a pressões enormes de todos os lados: as massas exigirão medidas em seu interesse e os imperialistas, latifundiários e capitalistas exigirão medidas no interesse dos ricos e poderosos. Ele estará encalhado entre dois rochedos.

Somente nossa tendência entendeu e previu este desenvolvimento. Como era de se esperar, as seitas ultra-esquerdistas foram totalmente incapazes de entender como pensa e se move as massas. Como sempre, os marxistas participam do movimento vivo e real das massas, lutando pelos mesmos objetivos concretos contra os mesmos inimigos de classe. Nós não fazemos preleções aos trabalhadores e camponeses à distância, como um professor escolar que disserta para crianças pequenas. Nós explicamos pacientemente, etapa por etapa, e ajudamos os trabalhadores a tirar suas próprias conclusões.

No final, os trabalhadores e camponeses aprenderão a distinguir entre os líderes que lutam pelos interesses do povo trabalhador e aqueles que não fazem isto. Os marxistas no PPP se oporão a todas tentativas de formar coalizões e acordos com a Liga Muçulmana. Nós exigimos a implementação do programa original do PPP, um programa socialista baseado na expropriação dos latifundiários e dos capitalistas. Nós desenvolveremos as demandas transitórias necessárias para relacionar cada luta concreta ao objetivo da transformação socialista da sociedade.

Como no Irã, as condições clássicas para a revolução estão desenvolvidas no Paquistão. Todas as revoluções começam no topo, com divisões no seio do antigo regime. Esta primeira condição já existe no Paquistão. A classe média está completamente apartada da classe dominante. Isto se reflete parcialmente nos protestos dos advogados, embora este movimento contenha elementos contraditórios. Nos anos recentes houve uma elevação da luta de classes no Paquistão, com grandes greves como a dos trabalhadores das telecomunicações e do aço. Nos últimos dias houve a greve nacional de PIA (Linhas Aéreas Paquistanesas). Estas greves foram raramente mencionadas na mídia fora do Paquistão, mas elas são sintomas de grande importância. Elas revelam o despertar do proletariado paquistanês.

A última e mais importante condição é a existência de uma direção e organização revolucionária. Será que ela existe no Paquistão? Sim, ela existe! Os marxistas paquistaneses representados por The Struggle cresceu em força e influência nos anos recentes. Conquistaram uma posição após outra e tiveram êxito em unir a esmagadora maioria dos militantes jovens e os ativistas da classe trabalhadora em torno dele. Eles têm uma forte e crescente presença em cada região, em cada nacionalidade e em cada cidade importante.

Na luta dos trabalhadores, eles desempenham papel proeminente. Junto ao PTUDC (Pakistan Trade Union Defence Campaign) - a mais importante, militante e organizada federação sindical do Paquistão - eles obtiveram vitórias significativas, como a derrota da tentativa de se privatizar Pakistan Steel. Na Cachemira, eles ganharam a maioria dos estudantes para o marxismo e, em Karachi e Pakhtunkhua (ao norte da fronteira ocidental), ganharam muitos aderentes do antigo Partido Comunista.

Fomos os únicos da esquerda a entender o papel do PPP e os únicos a prever como as massas reagiriam. Os camaradas paquistaneses interviram nestas demonstrações, distribuindo literatura revolucionária e cantando slogans revolucionários. Eles eram entusiasticamente recebidos pelos trabalhadores e camponeses que queriam as mesmas coisas que nós queríamos.

Importantes desenvolvimentos estão na ordem do dia e nossos camaradas estão em boa posição para tirar vantagem deles. As linhas da batalha já se projetam com cada vez maior clareza: ou a negra reação ou o triunfo da revolução socialista no Paquistão, na Índia e em todo o subcontinente. O Paquistão pode ter a honra de ser o primeiro país a lutar pelo socialismo e acender a chama da revolução que incendiará toda a região.

América Latina

Na revolução mundial como um todo, a América Latina continua sendo a linha de frente. Esta é a resposta final a todos os reformistas, covardes e apóstatas que aceitaram o argumento da burguesia de que a revolução e o socialismo estavam fora da agenda. O imperialismo EUA está cada vez mais preocupado com o que está acontecendo ao sul do Rio Grande. A razão para o crescente alarme é que a efervescência revolucionária está se alastrando de um país a outro.

Revoluções não respeitam fronteiras e a efervescência revolucionária está se alastrando para países como Equador, Bolívia etc. É por isso que estão tentando isolar a Venezuela. O imperialismo EUA não pode tolerar a Revolução Venezuelana. Mas assim como em Cuba, o imperialismo EUA pode empurrar Chávez mais além dos limites do capitalismo. Se isso acontecer, os efeitos serão sentidos em todo o continente e mais além.

Na década de 80, as guerras civis na Guatemala, em El Salvador e na Nicarágua empurraram a região para a vanguarda da guerra fria. Porém, recentemente, o Oriente Médio fez com que a América Latina deixasse de ser a prioridade da política exterior de Washington. Agora tudo isso mudou. Os interesses de Washington se expressaram na visita de George Bush à região, que havia desprezado completamente durante sua presidência. E apesar de seu itinerário ter sido escolhido com grande cuidado e se limitado aos países "amigos", o presidente americano foi recebido com demonstrações de protestos.

Washington vê em todos os lugares a mão de Chávez e da Revolução Bolivariana. Isto é típico da mentalidade policial, que vê as revoluções (e até mesmo as greves) como o resultado de conspirações malignas e não como processos objetivos. É verdade que Chávez e a Revolução venezuelana estão atuando como um catalisador da revolução por todo o continente. Porém, até mesmo o mais poderoso dos catalisadores só funciona se as condições estiverem dadas. As condições objetivas para a revolução socialista estão dadas em praticamente todos os países da América Latina.

Para garantir o sucesso no menor tempo e com o mínimo de sacrifício é necessário um Partido Marxista revolucionário e uma liderança. Esta é a mais pura verdade. Mas, a natureza abomina o vácuo. As massas não podem esperar até que nós construamos o partido revolucionário! Na ausência de tal partido, Chávez age como um catalisador. Ele está dando voz às aspirações das massas de mudar a sociedade. Isto explica a violenta hostilidade que o imperialismo EUA enfrenta, que é determinada pela vontade de se libertar do imperialismo de uma maneira ou de outra.

No passado, os marines poderiam desembarcar onde quisessem. Hoje, isso é impossível, politicamente e, inclusive, fisicamente. O exército americano está empantanado no Iraque e no Afeganistão. É impensável que eles possam se envolver em outra aventura militar neste momento. Dessa forma, estão obrigados a usar outros métodos: diplomacia e intriga. Mas, até mesmo nesse terreno, está limitado devido à crescente impopularidade de Bush.

A América apoiou ditaduras militares nos anos 70 e 80, mas mudou sua tática depois de queimar os dedos com o caso Noriega. Agora, em geral, preferem regimes de democracias débeis, entretanto isso não os impediu de organizar o golpe de 2002 na Venezuela. O comprometimento de Bush com a democracia é relativo e ditado essencialmente por considerações táticas. Isso não quer dizer que não atacarão. Já estão atacando. Mas não podem invadir abertamente - precisam recorrer a métodos indiretos, pressão diplomática, pressão econômica e intrigas políticas.

Na Nicarágua, Daniel Ortega venceu as eleições presidenciais, apesar da aberta campanha em apoio ao candidato da ala-direita realizada pelos oficiais americanos. Washington esteve claramente envolvido na mega fraude eleitoral no México, arquitetada para impedir a eleição do candidato do PRD Lopez Obrador. Tentaram, mas falharam no Equador, onde Rafael Correa venceu. Contudo, obtiveram êxito na candidatura de seu títere Alan Garcia no Peru e agora querem recuperar mais terreno na Venezuela, Bolívia e Equador, usando o mesmo expediente de intrigas.

O imperialismo EUA está tentando criar um cordão sanitário ao redor da Venezuela, (e da Bolívia e Equador também). Este foi o principal objetivo do giro de Bush por alguns países da América Latina (Colômbia, Brasil, Panamá, Peru). Washington é hostil aos governos de Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) e está fazendo pressão. Os EUA estão trabalhando junto com as oligarquias para derrubar estes governos.

Nos velhos tempos, todo socialista era "comunista" pelo menos nos conceitos de Washington, mas hoje o imperialismo EUA precisa negociar com os "bons" socialistas, como Lula no Brasil, Bachelet no Chile e Kirchner na Argentina, para isolar Chávez. O mesmo foi tentado com Morales.

A razão do giro de Bush foi bem explicada por The Economist (1/5/07): "Os Estados Unidos estão envolvidos em uma batalha regional por influência com o autocrata intoxicado por petróleo da Venezuela, Hugo Chávez". O verdadeiro objetivo era isolar a Venezuela, usando países como o Brasil, onde Lula é considerado como um confiável "moderado". Existe uma dupla tática: Uribe denuncia e ameaça, enquanto Lula lisonjeia e intriga nos bastidores para persuadir Chávez a abandonar a idéia de socialismo, como Lula uma vez disse:

"Lula do Brasil disse que pede insistentemente moderação a seu comparte venezuelano, mas não há evidências de que isso esteja alterando o rumo da viagem do Sr. Chávez. Se ele continua no mesmo caminho, os democratas da América Latina em breve considerarão se ele continua fazendo parte de seus clubes". (The Economist, 1/5/07)

Álvaro Uribe da Colômbia é um fiel aliado dos EUA na região. Mas, até mesmo na Colômbia - de longe o maior receptor de ajuda americana na região, graças ao "Plano Colômbia" - apenas 39% dos entrevistados em uma pesquisa feita pelo "Latinobarómetro" em Dezembro de 2006 têm uma imagem positiva do presidente americano. O governo de Álvaro Uribe é conhecido por estar ligado à ala-direita dos grupos paramilitares. O Congresso EUA tem apresentado propostas de cortar a ajuda a Colômbia. Mas isso não passa pela cabeça de Bush nem da CIA, apesar de tudo isso falam de democracia e do terno conceito pelos direitos humanos - na Venezuela.

A ajuda militar americana fez da Colômbia um acampamento armado e distorceu completamente o balanço do poder militar na região. A dita guerra contra as drogas serve como uma folha de parreira para conciliar as verdadeiras intenções de Washington, que pretende esmagar a guerrilha e construir o exército colombiano para, no futuro, preparar uma possível intervenção militar contra a Venezuela.

Chávez pretendia reduzir a ameaça colombiana, tentando construir uma reaproximação e um entendimento com Uribe. Mas esta política hoje está arruinada. Uribe estimulado claramente por Washington quebrou brutalmente as relações com Chávez alegando que o contato de Chávez com as guerrilhas das FARC e com os oficiais do exército colombiano, durante a tentativa de mediação da libertação dos reféns, passara por cima da autoridade de Uribe. Isto mostra os limites da diplomacia burguesa em defender a Revolução Venezuelana. Manobras diplomáticas são necessárias, mas desempenham um papel secundário. Em última análise, os únicos verdadeiros amigos da Revolução Venezuelana são os trabalhadores e camponeses da América Latina e do resto do mundo.

México - a revolução começou!

O que vem acontecendo no México confirma brilhantemente o que temos dito durante muito tempo: não existe um só país estável na América Latina, da Terra do Fogo ao Rio Grande. Há algum tempo atrás o México parecia estável. Mas nossas perspectivas foram inteiramente confirmadas pelos eventos dos últimos dois anos.

Neste curto período o México entrou no caminho revolucionário com milhões de pessoas nas ruas, uma insurreição em Oaxaca com elementos de duplo poder e até mesmo sovietes embrionários. Isso confirma inteiramente nossas perspectivas. As seitas ficaram de boca aberta. Isto é o que Trotski chamava de superioridade da previsão sobre o assombro.

México é um bom exemplo do modo como as massas se movem. Milhões foram às ruas para protestar contra a fraude eleitoral e apoiar Lopez Obrador. As ruas foram tomadas por trabalhadores e camponeses. Nossos camaradas lutaram ombro a ombro com as massas, enquanto explicavam simultaneamente nosso programa e política e estavam tentando empurrar o movimento para frente. Esta era a única coisa correta a ser feita.

Como em todos os lugares o problema central é a liderança. Precisamos entender como a classe trabalhadora se move - através de suas organizações de massas tradicionais; não através de pequenas seitas. Este maravilhoso e espontâneo movimento revolucionário das massas pôs em evidência a crise de liderança. Como um aprendiz de feiticeiro, Lopez Obrador conclamou forças que não podia controlar, não sabia o que fazer com essas forças. Porém, é impossível manter milhões de pessoas em um estado de efervescência indefinidamente sem mostrar uma saída.

Depois de um longo período de extenuantes esforços, há claramente indícios de cansaço nas massas. As massas não podem estar sempre nas ruas construindo barricadas, como imaginam os ultra-esquerdistas. Se elas não vêem nenhuma possibilidade, o movimento diminui por algum tempo. Isto é normal. Isto era inevitável depois de quase dois anos de constantes lutas e revoltas. A primeira irrupção das massas tenderá a arrefecer por um tempo. Alguns setores se retirarão da luta para analisar a situação, embora novas e frescas camadas da classe tradicionalmente mais atrasadas até podem entrar em ação. Pode haver calmarias e retrocessos temporários, mas nenhuma estabilidade duradoura é possível.

Superficialmente, parece que Calderon venceu, mas a guerra ainda não terminou. Como numa luta de pesos-pesados, o que é decisivo não é quem ganha o primeiro round, mas quem persevera para continuar lutando até o fim. O governo de Calderon é débil e dividido. É um governo em crise. O problema é que, se a classe dominante é débil para esmagar os trabalhadores nesta etapa, estes não estão em posição de tomar o poder devido à ausência de liderança. O resultado é um equilíbrio instável que pode durar por alguns anos antes que o desenlace final seja colocado.

A luta de classes continua. A lei de reforma das pensões é uma tentativa de mudar o sistema de seguridade social para os trabalhadores empregados no setor público, conhecido como o Instituto de Seguridade e Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado (ISSSTE). Significa cortes nos níveis de vida, que é o que a burguesia mexicana está exigindo. Mas isto provocou uma difundida união e protestos políticos, que estão determinados a continuar.

Não está claro quanto tempo o atual governo pode durar. Isto depende acima de tudo das perspectivas para a economia mundial e para os EUA, a que o México encontra-se indissoluvelmente ligado. Um declínio econômico nos EUA terá as mais sérias conseqüências ao sul do Rio Grande. O dinheiro enviado para casa pelos milhões de imigrantes mexicanos dos EUA desempenha um papel muito importante, até mesmo mantendo a economia de áreas inteiras do país.

Uma recessão nos EUA levaria a um espetacular aumento do desemprego entre a força de trabalho latina, conduzindo a uma severa queda no nível das remessas, o que levaria a um rápido aumento da pobreza nas já pobres regiões do México, com correspondente aumento das tensões sociais. Mesmo sem uma recessão, a queda do dólar (e também a queda correspondente de valor do Yuan chinês) afetará ainda mais severamente a indústria e a agricultura mexicana.

Todos estes fatores servirão para minar o governo de Calderon até mesmo entre a classe média, que cedo ficará desiludida. Sob estas circunstâncias, o PRD começará a reviver e atrairá o apoio de milhões de trabalhadores e camponeses por uma só razão: não há nenhuma alternativa. Em certa etapa, a burguesia não terá nenhuma alternativa, a não ser a de enviar as massas à escola do reformismo, onde aprenderão algumas lições muito duras. A política de Lopez Obrador não inclui o rompimento com o capitalismo. Mas o fraco capitalismo mexicano não pode mostrar qualquer saída ou dar ao povo o que ele necessita. Um governo de Lopez Obrador também seria um governo em crise.

Os trabalhadores e os camponeses pressionarão o governo do PRD a conduzir um programa em seu interesse. Por outro lado, a atitude da classe dominante em relação a um governo do PRD será a de "use e desacredite". Ela pressionará o governo a continuar a política de cortes e contra-reformas necessárias ao capitalismo mexicano, e depois ela o defenestrará da presidência e se preparará para um até mesmo mais odioso governo de direita. Também no México, os reformistas ficarão encalhados entre dois rochedos.

A chamada guerra às drogas do México, por si mesma uma ilustração gráfica da fragilidade da burguesia e de seu estado, está sendo usada como desculpa para a repressão do movimento revolucionário e da classe trabalhadora. Violências e assassinatos e outros horrores tornaram-se a norma. Neste país de mais de 100 milhões de habitantes houve 1.600 assassinatos em 2005 ligados ao crime organizado; 2.200 em 2006; e este número está aumentando. Os sintomas de desintegração social e barbárie estão presentes e podem engolfar a sociedade se o proletariado não tomar o poder.

Mais cedo ou mais tarde, deve haver um franco confronto entre as classes. Calderon está tentando fortalecer o estado em preparação para as futuras lutas. Recentemente, 30 mil tropas foram distribuídas por todo o país. A Anistia Internacional fez referência à sistemática "arbitrariedade de detenções, torturas, julgamentos iníquos e impunidade" no país. Também Lopez Obrador, apesar da luta contra ele, propôs o incremento do uso do exército.     

De seu ponto de vista de classe, a classe dominante mexicana entende o que nós entendemos de nosso ponto de vista de classe. Mas a liderança reformista do PRD não entende nada e não se prepara para nada. A situação do México é muito explosiva, embora tenha fluxos e refluxos. Nós temos uma forte organização e uma liderança que está sendo forjada no calor dos acontecimentos. No próximo período eles podem obter resultados semelhantes àqueles dos camaradas paquistaneses. Doravante, devemos prestar a maior atenção ao México e ao trabalho dos camaradas mexicanos.

Bolívia

Evo Morales permanece na presidência há dois anos. Ele foi eleito depois que o maravilhoso proletariado boliviano tivesse lutado pelo menos durante 18 meses para mudar a sociedade por meios revolucionários. Os trabalhadores dirigiram duas greves gerais e duas insurreições, derrubando dois presidentes. O que mais se poderia exigir da classe trabalhadora?

A burguesia e os imperialistas temiam que ele levasse a Bolívia pelo mesmo caminho de Hugo Chavez na Venezuela. Mas a política de Morales de "nacionalização" parcial do petróleo e do gás irritou governos estrangeiros e os investidores sem resolver os problemas fundamentais da sociedade. A "revolução democrática" que ele prometeu alarmou a burguesia das prósperas províncias orientais sem satisfazer os trabalhadores e os camponeses.

Como resultado, a situação na Bolívia inclina-se mais para a contra-revolução dia a dia. Por causa da inação e das indecisões de Morales houve uma contra-ofensiva da reação. O judiciário dirigiu uma greve de 24 horas contra a tentativa do governo de "desembaraçar-se do sistema judicial e implantar um regime totalitário". A Suprema Corte é um ninho da reação e nenhuma ação séria foi tomada contra ela.

A "juventude dourada" - os estudantes contra-revolucionários e filhinhos mimados da burguesia - assumiu o papel de tropa de choque da reação, organizando violentas demonstrações de rua. Entraram em confronto com as demonstrações dos trabalhadores e camponeses revolucionários provocando mortos e feridos. Há um ano, os apoiadores do governo tentaram derrubar o governador de Cochabamba, por este ter proposto um referendo de autonomia. Três pessoas morreram em violentos confrontos. Agora as forças da reação estão no comando em Cochabamba - uma coisa que seria impensável somente há um ano.

Estas escaramuças são uma advertência de pendente guerra civil. Elas são, nas palavras de The Economist, "parte de uma revolução improvisada e com objetivos incertos", o que não é uma má descrição da situação. Mas numa revolução são necessários objetivos claros e a determinação para levá-los a termo apesar de todos os obstáculos e da oposição. É exatamente o que está faltando na Bolívia.

A convocação de uma assembléia constituinte é, como previmos, um meio de desviar o movimento revolucionário para o terreno parlamentar. Morales desistiu da campanha para a assembléia aprovar artigos constitucionais por maioria simples depois de protestos de ruas nas regiões orientais. O MAS tem maioria na assembléia, mas não os três quartos requeridos para aprovar o novo texto constitucional.

O Movimento ao Socialismo (MAS) de Morales propôs redefinir a Bolívia como um "estado comunitário unitário e plurinacional" que dá prioridade a três dúzias de "nações" indígenas. Estes grupos poderiam controlar o território e os recursos naturais e seria representado como comunidades numa única câmara legislativa ao lado dos cidadãos individuais. A empresa privada seria protegida enquanto "contribuísse para o desenvolvimento econômico e sócio-cultural". Um quarto "poder social" vigiaria os três tradicionais.

O vice-presidente, Alvaro Garcia Linera, apelou para uma "extensão das elites" e por "espaço tanto para o desenvolvimento capitalista quanto para o pós-capitalista". Isto saiu diretamente das receitas reformistas do livro de Heinz Dieterich. Não há nenhuma perspectiva de socialismo, nenhuma proposta de expropriar a oligarquia. E os líderes chegarão a um acordo até mesmo sobre isto.

O governo quer um compromisso com a reação. "Não queremos uma constituição aprovada por 60 ou 70% do país, mas rejeitada pelo resto", disse Garcia Linera. O texto final da constituição será submetido a um referendo e em seguida à interpretação pelos tribunais que Morales não controla. Isto proporcionará aos reacionários amplas oportunidades para continuar com suas táticas de obstrução, sabotagem e desestabilização.

Em última análise, a economia é decisiva e a economia boliviana não se encontra em bom estado, crescendo menos que a média latino-americana. Mais da metade da população é pobre, quatro quintos dos trabalhadores são da economia informal e a emigração continua. Mineração e gás à parte, os investimentos privados são de insignificantes 2-3% do PIB. Se ele não criar bons empregos e melhorar as condições das massas, nenhuma manobra constitucional salvará Morales.

Os trabalhadores e camponeses logo estarão cansados de uma situação que não oferece nenhuma melhoria fundamental de seus níveis de vida. No final, se nada de fundamental muda, eles cairão em um estado de passividade que permitirá à burguesia contra-revolucionária avançar e recuperar todas as posições perdidas. Os reacionários estão ganhando confiança e tornam-se mais insolentes e agressivos à medida que vêem os trabalhadores perderem a confiança no futuro da revolução.

Eles prepararão o caminho para ejetar Evo Morales do poder. Podem usar o exército, mas podem fazer isto até mesmo através de meios "constitucionais", visto que controlam significativas partes do estado e do judiciário. Este é o resultado final das políticas do reformismo e dos compromissos. Por outro lado, se os reacionários agirem precipitadamente, isto pode provocar uma explosão por parte das massas, o que jogaria tudo para trás.

Venezuela

Diferentemente das seitas ignorantes, os imperialistas entendem o que nós entendemos: há uma revolução acontecendo na Venezuela e as massas estão se movimentando para mudar a sociedade. Esta é a explicação da histérica campanha sobre assuntos como RCTV e o referendo constitucional. Os imperialistas mantêm a pressão sobre Chávez visando deter a revolução. Baseiam-se na ala direita da liderança bolivariana e na burocracia contra-revolucionária. Mas os trabalhadores e os camponeses pressionam por baixo. O resultado desta luta determinará o destino da revolução - de um jeito ou de outro.

A rápida e aparentemente irresistível ascensão de Chávez não pode ser explicada unicamente por suas habilidades e personalidade. A fermentação do descontentamento já estava presente entre as massas, mas não dispunha de nenhum veículo para emergir. Uma vez encontrada uma forma de expressão, as massas se lançaram às ruas num movimento impossível de ser detido que já dura por quase dez anos.

Há uma relação dialética entre Chávez e as massas - uma química poderosa em que, dando expressão às mais sinceras aspirações das massas, o líder bolivariano intensifica estas aspirações revolucionárias. As massas apressam-se e avançam, exigindo mudanças. Isto, por seu turno, reflete sobre Chávez empurrando-o ainda mais à esquerda. Esta química peculiar foi registrada pelos estrategistas do Capital e pelo imperialismo, que chegaram à conclusão de que é necessário eliminar Chávez de uma forma ou de outra. É por isto que tanto se esforçaram na campanha pelo voto ao "não" no referendo constitucional.

Esta foi a primeira derrota real de Chávez. Pela primeira vez em quase uma década a oposição obteve uma vitória. Houve cenas de júbilo nas áreas da feliz classe média de Caracas. Mas a alegria dos reacionários é ao mesmo tempo prematura e exagerada. Comparando os resultados do referendo com as eleições presidenciais de 2006, a oposição apenas obteve um aumento de seus votos de cerca de 200 mil, mas Chávez perdeu 2,9 milhões de votos. Estes votos perdidos por Chávez não foram para a oposição, mas se deveram à abstenção.

O resultado do referendo sobre a reforma constitucional mostra isto. As propostas de mudança constitucional foram derrotadas pela mais estreita das margens, com 4.521.494 votos contra (50,65%) e 4.404.626 (49,34%) a favor. A questão que deve ser respondida não é porque o voto pelo "não" ganhou, e sim: por que um grande número de chavistas não votou? A esmagadora maioria das massas ainda apóia Chávez e a revolução, mas já existem claros sintomas de cansaço.

Após se manterem nove anos sublevadas, as massas cansaram de palavras e discursos, paradas e demonstrações, e também de infindáveis eleições e referendos. O que realmente surpreende é que o movimento tenha se mantido por tanto tempo e que estes sintomas de cansaço não tenham aparecido antes. As eleições de dezembro de 2006 mostraram que 63% apóiam Chávez depois de nove anos do processo. Isto mostra um nível muito alto de consciência revolucionária. Contudo, não se pode assumir que esta situação permaneça indefinidamente.

As massas querem menos palavras e mais ações decisivas: ações contra os latifundiários e os capitalistas; ações contra os governadores e funcionários públicos corruptos. Acima de tudo, querem ações contra a Quinta Coluna da ala direita chavista, que vestem camisetas vermelhas e falam do socialismo do século XXI, mas que se opõem ao socialismo verdadeiro e estão sabotando a revolução por dentro.

Os maiores esforços da oposição somente tiveram êxito em ganhar cerca de 200 mil votos a mais. Esta é a verdade. Além disso, esta luta não pode ser ganha apenas com votos. Os burgueses pançudos e suas esposas e filhos, os pequenos comerciantes, os estudantes "filhinhos de papai", os burocratas do governo, ressentidos pelo avanço da "turba", os pensionistas nostálgicos dos "bons velhos dias" da IV República, os especuladores, ladrões e trapaceiros, as devotas velhas senhoras de ambos os sexos manipuladas pela reacionária hierarquia da Igreja, os cidadãos da sólida classe média cansada da "anarquia": todos estes elementos parecem como uma sólida força em termos eleitorais, mas na luta de classes a sua força é, na prática, igual a zero.

A relação de forças de classe

A verdadeira correlação de forças de classe foi mostrada pelas reuniões ao final da campanha do referendo. Como em dezembro de 2006, a oposição moveu céus e terra para mobilizar sua base de massas e tiveram êxito em agrupar uma grande multidão. Contudo, no outro dia as ruas centrais de Caracas estavam repletas por um mar de camisetas e bandeiras vermelhas. As duas reuniões revelaram que a base ativa dos chavistas é de cinco a oito vezes maior do que a da oposição.

O quadro fica ainda mais claro quando se trata da juventude. A ala estudantil de direita forma a tropa de choque da oposição. Eles são a principal força que organiza provocações violentas contra os chavistas. Na mais otimista das estimativas, juntaram 50 mil em sua maior demonstração. Mas os estudantes chavistas tinham de 200 a 300 mil em sua demonstração. Neste decisivo setor da luta - a juventude - as forças ativas da revolução excedem em grande número as da contra-revolução.

Ao lado da revolução permanece a esmagadora maioria dos trabalhadores e camponeses. Esta é a questão decisiva! Nenhuma lâmpada se acende, nenhuma roda gira, nenhum telefone toca sem a permissão da classe trabalhadora. Esta é uma força colossal desde que esteja organizada e mobilizada para a transformação socialista da sociedade.

A oposição decidiu adotar um tom cauteloso e conciliador porque o tempo não está propício para uma operação como a de abril de 2002. Qualquer tentativa de um golpe nesta etapa lançaria as massas nas ruas prontas para lutar e morrer se necessário para defender a revolução.

Sob tais circunstâncias, o exército venezuelano, tal como se encontra agora, seria o mais inseguro instrumento para um golpe. Isto levaria a uma guerra civil que a contra-revolução não tem confiança de ganhar. E ninguém tem dúvida de que, neste momento, uma derrota da contra-revolução, numa luta aberta, significaria a imediata liquidação do capitalismo na Venezuela.

O exército e o estado venezuelano

O exército sempre reflete as tendências dentro da sociedade. O exército venezuelano vive por quase uma década um processo de Sturm und Drang (Tempestade e Stress) revolucionário. Isto deixou a sua marca. Não se pode duvidar de que a esmagadora maioria dos soldados rasos, filhos de trabalhadores e camponeses, é leal a Chavez e à Revolução. O mesmo é verdadeiro para a maioria dos sargentos e outros oficiais não-comissionados e os jovens oficiais. Mas, quanto mais subimos aos escalões superiores, a situação se torna menos clara. No período imediatamente anterior ao referendo constitucional, ouviram-se rumores de conspirações e alguns oficiais foram detidos. Esta é uma advertência séria!

A única forma de assegurar que todos os oficiais reacionários como Manuel Baduel sejam removidos do exército é pela introdução da democracia no exército, permitindo aos soldados plena liberdade de se juntarem aos partidos e aos sindicatos. Os oficiais seriam submetidos à eleição em intervalos regulares, assim como todos os funcionários públicos. Os que são leais à revolução nada têm a temer.

Entre os oficiais, muitos serão leais a Chavez; outros simpatizarão com a oposição ou serão secretamente contra-revolucionários. A maioria será provavelmente formada por soldados de carreira apolíticos, cujas simpatias podem se inclinar por um ou pelo outro lado a depender do clima geral da sociedade.

A questão do estado e das forças armadas ocupa agora uma posição chave na equação revolucionária. O estado burguês está se desintegrando durante algum tempo. Mas nenhum novo poder estatal foi criado para tomar o seu lugar. Esta é uma situação perigosa. A formação de um novo poder estatal necessariamente se vincula a uma nova espécie de exército - um exército do povo, uma milícia de trabalhadores e camponeses.

A versão revisada da Constituição inclui providências para a fundação de uma Milícia Popular Bolivariana (Art. 329) "como parte integrante das Forças Armadas Bolivarianas" e declara que elas serão compostas por "unidades da reserva militar". Isto representa mais de um milhão e meio de venezuelanos. Tal força seria um poderoso instrumento revolucionário para lutar contra os inimigos da revolução tanto internos quanto externos.

Se os sindicatos tivessem uma liderança digna da classe teriam recolhido imediatamente esta proposta e criado milícias dos trabalhadores em cada fábrica e local de trabalho. Os trabalhadores devem se adestrar no uso de armas com o objetivo de defender suas conquistas, para defender a revolução contra seus inimigos e prosseguir em novas conquistas. Mas a União Nacional dos Trabalhadores (UNT) foi dividida e severamente enfraquecida pelas lutas fracionais da liderança, que está mais interessada em lutar por posições do que em defender os interesses da classe trabalhadora. Esta é o verdadeiro problema!

Bancarrota dos sectários

É uma sorte que as seitas ultra-esquerdistas (que freqüentemente se transformam em ultra-oportunistas em todas as questões fundamentais) sejam muito débeis na Venezuela. Sua habitual impaciência, pensamento abstrato e orgânico formalismo os tornam incapazes de entender a psicologia das massas. Infelizmente, por um acidente da história, alguns deles herdaram posições de liderança em alguns sindicatos, o que eles usam para desencaminhar e desorientar os trabalhadores ativistas ao seu redor.

Tendo feito naufragar a UNT como uma força revolucionária, eles racharam na questão do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV). A ala da UNT dirigida por Orlando Chirinos não apenas se recusou a aderir ao partido de massas da classe trabalhadora na Venezuela, como também juntou forças com os contra-revolucionários em sua campanha contra a reforma constitucional. Foi esta uma política criminosa. Estes auto-intitulados "marxistas" estão tão cegos por seu ódio a Chávez que são incapazes de distinguir entre revolução e contra-revolução. Eles próprios se distanciaram do movimento vivo das massas e se condenaram à impotência.

O papel dos assim chamados trotskistas que apelaram ao povo para votar pelo "não" ou destruir as cédulas de votação foi absolutamente pernicioso. Isto os coloca inteiramente fora das forças progressistas, para não falarmos da revolução.

Os contra-revolucionários e os imperialistas entendem a situação de forma muito mais clara que os sectários. As massas foram despertadas à vida política por Chávez e são ferozmente leais a ele. A burguesia tentou de tudo para remover Chávez e falharam. Cada tentativa contra-revolucionária foi quebrada no rochedo do movimento das massas.

Então, eles decidiram se armar de paciência e fazer um jogo de espera. Chávez foi eleito por seis anos e, dessa forma, ainda faltam cinco anos até o término de seu mandato. O primeiro passo da burguesia foi o de assegurar que ele não se candidatasse à eleição mais uma vez. De seu ponto de vista, este foi o ponto mais importante do referendo constitucional. Calculam que se eles puderem se livrar de Chávez de um jeito ou de outro o Movimento se dividirá e se desintegrará, possibilitando-lhes tomar o poder de volta em suas mãos.

A oposição está cautelosa porque está ciente de sua debilidade. Ela sabe que não é forte o suficiente para lançar uma ofensiva. Mas, na base de um "acordo nacional", está tentando lograr que o programa de Chávez vá por água abaixo. Se tiverem êxito nisso, as fileiras chavistas serão desmoralizadas, enquanto os reformistas e os burocratas se sentirão fortalecidos.

Sabotagem econômica

Como foi possível que a oposição tenha podido se recuperar, quando tinham sido tão profundamente derrotados? Porque a revolução não foi levada até o fim, porque as alavancas mais importantes da economia continuam nas mãos dos mais amargos inimigos da revolução e também porque há um limite à tolerância das massas sem cair na apatia e no desespero.

Como escrevemos nas "Teses sobre a Revolução e a Contra-revolução na Venezuela":

"Confiar exclusivamente na disposição das massas de fazer sacrifícios é um erro. As massas podem sacrificar o seu hoje pelo amanhã somente até certo ponto. Nunca se deve esquecer isto. Em última análise, a questão econômica é decisiva".

Estas observações ainda mantêm sua força totalmente. A escassez de produtos alimentícios básicos como o leite, a carne bovina e o açúcar tornaram-se intoleráveis nos meses recentes. Isto lembra a situação no Chile quando a sabotagem econômica por atacado era usada contra o esquerdista governo de unidade popular dos anos 1970.

A burguesia contra-revolucionária venezuelana está conduzindo uma campanha sistemática de sabotagem da economia venezuelana. Existem sérias carências e inflação de 19%. As massas são leais à revolução, mas não podem aceitar permanentemente esta situação. Mais cedo ou mais tarde isto deve ser resolvido. Chávez tem dado passos importantes à frente, mas ele está ainda hesitando em questões fundamentais como a do exército. O resultado ainda não está claro.

Para as massas a questão do socialismo e da revolução não é uma questão abstrata, mas de fato muito concreta. Os trabalhadores e os camponeses da Venezuela têm sido extraordinariamente leais à revolução. Elas mostraram um alto grau de maturidade revolucionária e prontidão para lutar e fazer sacrifícios. Mas, se a situação se arrastar por tempo demasiado sem uma solução decisiva, as massas começarão a cansar. Começando pelas camadas mais atrasadas e inertes, surgirá um estado de espírito de apatia e ceticismo.

Se não houver nenhum final claro à vista, elas começarão a dizer: nós ouvimos todos esses discursos antes, mas nada de fundamental mudou. Qual é o objetivo de fazermos demonstrações? Qual é o objetivo de votarmos, se vivemos da mesma forma que antes? Este é o maior perigo para a revolução. Quando os reacionários perceberem que a maré revolucionária está recuando, passarão à contra-ofensiva. Os elementos avançados dos trabalhadores encontrar-se-ão isolados. As massas não mais responderão a seus apelos. Quando este momento chegar, a contra-revolução entrará em ação.

Os que argumentam que a revolução foi longe demais, que é necessário deter as expropriações e chegar a um acordo com Baduel para salvar a revolução, estão completamente equivocados. A razão porque um setor das massas está ficando desiludido não é porque a revolução foi longe demais, mas porque é lenta e não foi longe o suficiente.

Eleições e luta de classes

Os marxistas não se recusam a participar de eleições. Esta posição é do anarquismo, não do marxismo. Em geral, a classe trabalhadora deve utilizar toda abertura democrática disponível para reunir suas forças, para conquistar uma posição após outra do inimigo de classe e para se preparar para a conquista do poder.

A luta eleitoral desempenhou um papel importante na Venezuela ao unir, organizar e mobilizar as massas. Mas isto tem seus limites. A luta de classes não pode ser reduzida a estatísticas abstratas ou à aritmética eleitoral. O destino de uma revolução também não é determinado por leis ou constituições. As revoluções são ganhas ou perdidas não nos gabinetes dos advogados ou em debates parlamentares, mas nas ruas, nas fábricas, nos povoados e nos distritos pobres, nas escolas e nos quartéis.

Mesmo antes da derrota do referendo, Chávez tinha suficiente poder para conduzir a expropriação dos latifundiários, banqueiros e capitalistas. Ele tem o controle da Assembléia Nacional e o apoio de decisivos setores da sociedade venezuelana. Um ato habilitante para expropriar a terra, os bancos e as grandes empresas privadas provocaria o apoio entusiasmado das massas.

O nível de abstenção que deu esta estreita vitória à oposição é uma advertência. As massas estão exigindo ações decisivas e não palavras! Por essa razão, esta derrota terá o efeito oposto. As massas podem despertar para novos níveis de luta revolucionária. Marx disse que a revolução necessita do chicote da contra-revolução. Vimos isto mais de uma vez nos últimos nove anos na Venezuela.

A vitória do "não" no referendo constitucional está agindo como um choque saudável. As fileiras chavistas estão furiosas e apontam o dedo para a burocracia, que eles culpam com razão pela derrota. Elas estão exigindo que a ala direita seja expulsa do movimento.

Devemos acompanhar a revolução concretamente através de todas as suas etapas, devemos dispor de todos os fatos e números, devemos participar ativamente em todos os debates e desempenhar um papel dirigente no estabelecimento do novo partido socialista - o PSUV. Mas devemos fazê-lo como ala marxista, devemos organizar nossa intervenção como uma tendência claramente delineada.

Temos algum tempo, mas não tempo indefinido. Devemos construir nossas próprias forças. Já alcançamos muito, mas há muito, muito mais a ser feito. A chave da revolução é a construção de uma poderosa organização revolucionária de quadros no mais curto espaço de tempo possível.

O fator subjetivo

O principal problema é a debilidade do fator subjetivo. As últimas duas ou três décadas se caracterizaram pela degeneração reformista da liderança da classe trabalhadora, tanto nos partidos políticos quanto nos sindicatos. Estamos vendo o que resultou da horrível degeneração da Social-democracia com o blairismo na Grã-Bretanha. Ainda pior foi a conduta dos estalinistas na Itália, que tiveram êxito na transformação do velho Partido Comunista Italiano (PCI) em um partido burguês, o Partido Democrático.

É uma ironia da história que os estalinistas italianos tivessem êxito em fazer o que Tony Blair fracassou em fazer na Grã-Bretanha. Mas, como disse Lênin, a história conhece todo tipo de transformações peculiares! E Lênin disse que, por um tempo, uma facção da burguesia russa conduzida por Ustryalov, esteve prevendo que o Partido Bolchevique poderia se transformar no instrumento da contra-revolução capitalista na Rússia. Lênin disse que o que Ustryalov previu era possível, isto é, que até mesmo o Partido Bolchevique sob certas condições poderia se transformar em um partido burguês e levar à restauração do capitalismo na Rússia. De fato, se a facção de Bukharin tivesse êxito, isto poderia ter acontecido já em 1928-29.

O ex-Partido Comunista Italiano (atual DS) não era o Partido Bolchevique de Lênin! Não era nem mesmo um partido comunista como tal, nem mesmo no sentido caricaturesco do velho PCI estalinista dos anos 1940. Era sim uma caricatura do Partido Social-Democrata conduzindo uma política de colaboração de classe. O fato de que era chamado de "Partido Comunista" nada tinha a ver com o seu conteúdo real. O atual desenvolvimento não surpreende ninguém. Não é um relâmpago em céu azul. É apenas a conclusão lógica de muitas décadas de degeneração reformista, que começou com Togliatti, continuou com Berlinguer ("o compromisso histórico") e que foi consumado finalmente por Veltroni. Desse modo, a história se vingou dos estalinistas italianos.

A despeito da espantosa degeneração das organizações de massa, elas ainda exercem irresistível atração sobre as massas. Todos os esforços das seitas ultra-esquerdistas de criar novos "partidos de massas" em oposição às organizações tradicionais fracassaram miseravelmente. Na Grã-Bretanha, a despeito dos crimes de Blair e do Novo Trabalhismo, as seitas não ganharam qualquer terreno; pelo contrário, perderam-nos pesadamente e estão agora divididos e em crise. Na França, onde existem três grandes seitas pseudo-trotskistas, eles também perdem terreno. Na Bélgica, a tentativa das seitas de estabelecer um "novo partido dos trabalhadores" foi um fiasco. Na Austrália, as seitas ficaram empantanadas pela esmagadora vitória do Partido Trabalhista.

O caso da Venezuela é ainda mais claro. Não há nenhuma necessidade de repetir a análise geral que já fizemos da revolução venezuelana. Mas a formação do PSUV com uma militância total de mais de cinco milhões de pessoas é uma indicação da atitude das massas com relação à revolução e a Chávez. Nós somente podemos procurar entender o verdadeiro movimento das massas na Venezuela e intervir nele. O movimento não terminou, mas entrou em uma etapa crítica. Mas as massas têm mostrado que querem o que nós queremos. Elas estão tirando conclusões de sua própria experiência e as conclusões são corretas. Esta é a razão porque, imediatamente após a derrota de dezembro do referendo constitucional, o slogan avançado pelas massas foi o da expulsão imediata dos burocratas. Isto mostra que os marxistas venezuelanos da CMR anteciparam corretamente a psicologia das massas, avançando slogans relevantes e oportunos.

Construa a tendência revolucionária!

Construa o marxismo internacional!

[...] "a tendência que está crescendo junto com a revolução, que está apta a prever seu próprio amanhã e o dia depois de amanhã, que está estabelecendo metas claras para si mesma e que pode alcançá-las" (Leão Trotsky, The First Five Years of the Communist International, volume 1, On the Policy of the KAPD).

Ted Grant sempre explicou que os marxistas devem basear-se no que é essencial e não nestas ou naquelas características acessórias. Não existe nenhum esquema que explique tudo. Devemos partir do mundo como ele é, e da luta de classes e do movimento dos trabalhadores como eles são. Em todos os lugares, o processo tem caráter prolongado e demorado. Este fato pode desorientar os camaradas que não estão inteiramente familiarizados com a teoria e o método do marxismo.

Este foi o caso no passado, quando uma situação pré-revolucionária poderia se mover muito rapidamente ou para a revolução ou para a contra-revolução. Agora, temos uma espécie de revolução em slow motion na Venezuela. Hoje, já dura quase dez anos. Por quê? Há uma muito favorável correlação de forças. Os trabalhadores poderiam tomar o poder de forma relativamente fácil, mas carecem de liderança. Chávez é honesto e corajoso, mas não é um marxista e, por essa razão, não fez o que deveria ter sido feito. Este é um problema de liderança.

Se existisse, na Venezuela, uma corrente marxista forte antes de a revolução ter início, ela estaria apta a desempenhar um importante papel na paciente explicação do que era necessário fazer. Isto teria ajudado a vanguarda (e o próprio Chávez) a chegar às conclusões corretas em cada etapa do movimento. Na ausência de uma liderança marxista treinada, a vanguarda revolucionária tem de aprender penosa e vagarosamente através de um processo de aproximações sucessivas. O problema é que numa revolução não há nenhum tempo para se aprender através da tentativa e erro, e os equívocos se pagam a um preço muito alto.

No México, como na Venezuela, a burguesia não é forte o suficiente para esmagar o movimento revolucionário, mas os trabalhadores estão sendo impedidos de tomar o poder por sua liderança. Isto explica a natureza prolongada do processo. Mas, mais cedo ou mais tarde, isto se resolverá de uma forma ou de outra. Os imperialistas percebem o que nós percebemos. Eles sabem que a atual correlação de forças instável não se pode manter. E estão se preparando.

Temos chamado a atenção para o fato de que não se pode basear uma perspectiva para a economia mundial sobre a evolução desta durante os últimos 20 anos. Da mesma forma não se pode assumir que a democracia burguesa continuará para sempre por ser ela a norma na Europa, nos EUA, Japão e nos outros países capitalistas desenvolvidos.

As massas apenas podem aprender através da experiência. Os trabalhadores dos países capitalistas avançados da Europa, do Japão e dos EUA acostumaram-se a um razoável padrão de vida, reformas e democracia. Sua psicologia ainda é mais modelada pelo passado do que pelo presente ou pelas perspectivas do futuro. Poderosas ilusões foram construídas durante décadas. Estas terão de ser extirpadas da consciência das massas a ferro incandescente.

No turbulento período que se está abrindo, veremos grandes choques e crises que abalarão a sociedade de um país após outro. A consciência de classe não é medida somente através das greves. Devemos acompanhar o movimento dos trabalhadores atentamente em todas as suas etapas. Quando os trabalhadores são derrotados no front industrial, procurarão saídas no front político e vice-versa. Mas somente o farão através de suas organizações de massa tradicionais, porque as massas não entendem os pequenos grupos, até mesmo quando eles têm idéias corretas.

Em determinada etapa, este processo deve encontrar uma expressão dentro das organizações de massa tradicionais da classe trabalhadora. É difícil imaginar uma liderança mais podre do que a do Partido Trabalhista britânico. Por mais de dez anos, todas as seitas têm se ocupado de instituir toda espécie de bloco eleitoral e de alianças para oferecer resistência ao Partido Trabalhista. De acordo com a sua lógica, elas já deveriam estar substituindo o "burguês" Partido Trabalhista. Mas elas nada conseguiram em lugar algum. Quando os trabalhadores se movimentam, o fazem então através de suas organizações tradicionais de massa.

Isto foi novamente confirmado pelo resultado da eleição na Austrália, e mesmo ainda mais visivelmente na Bélgica, onde o candidato da esquerda, o marxista Erik de Bruyn, obteve um terço dos votos na recente eleição da direção. Este resultado chocou a direita e foi largamente comentado na mídia. O ponto é que o Partido Trabalhista belga parecia estar morto. Não havia nenhuma vida interna. A filial de Antuérpia só se reunia uma vez por ano. Apesar disto, no momento em que os trabalhadores viram que havia uma luta contra a ala direita, voltaram a participar e a votar. O mesmo processo se repetirá num país após o outro no futuro.

Diferentemente dos ultra-esquerdistas, que têm métodos esquemáticos e sem vida, sempre nos aproximamos do movimento dos trabalhadores dialeticamente. Vemos as coisas como elas realmente são e fazemos o máximo para ver como elas se desenvolverão necessariamente. Quando as massas caem na inatividade, a pressão da burguesia sobre as suas organizações redobra. Mas, quando os trabalhadores entram em ação, sempre se voltarão para as suas organizações, pela simples razão de que não há nenhuma alternativa.

Existem muitas analogias entre luta de classes e guerra. As guerras não consistem apenas de grandes batalhas. Qualquer soldado que já tenha participado de uma guerra dirá que as batalhas são a exceção e que, entre as batalhas, há longos períodos de inatividade. Tais períodos devem ser usados para limpar as armas, cavar trincheiras, treinar e preparar os novos recrutas. Em resumo, preparar-se para a próxima batalha, que chegará mais cedo do que esperamos. Devemos pensar como bons soldados. Devemos usar as pausas na luta de classes para construir nossas forças e fortalecer nossa organização.

É verdade que os trabalhadores nem sempre estão preparados. A luta de classes tem um ritmo determinado. Calmarias na luta de classes são inevitáveis. Não podemos ser empiristas. Além do mais, não é sempre uma vantagem que as massas permaneçam em ação constante. Tome-se o exemplo da Bolívia, onde a classe trabalhadora dirigiu duas greves gerais e duas insurreições, e derrubou dois governos no espaço de 18 meses. Que mais se pode exigir da classe trabalhadora? Se os trabalhadores bolivianos falharam em tomar o poder isto não foi devido à baixa consciência das massas, como os reformistas do tipo de Heinz Dieterich alegam, mas à ausência de liderança.

Por razões históricas, a genuína tendência do marxismo revolucionário retrocedeu em escala mundial. Em grande parte, isto refletia as condições objetivas. Por um período histórico (1945-74) o capitalismo, pelo menos nos países industrializados, experimentou uma grande elevação econômica, um longo período de pleno emprego, aumento dos padrões de vida e reformas, no qual a luta de classes foi abrandada. Mesmo com uma liderança correta, as forças da Quarta Internacional teriam enfrentado dificuldades. Mas, sob a liderança dos epígonos de Trotsky, o movimento foi completamente destruído.

Numa guerra, algumas vezes é necessária a retirada. A importância de bons generais numa retirada é até mesmo mais importante do que na ofensiva. Com bons generais é possível se retirar em boa ordem, mantendo as forças reunidas e minimizando as perdas. Mas maus generais transformarão uma retirada numa fuga desordenada. Foi o que aconteceu à Quarta Internacional após a morte de Trotsky. Pablo, Mandel, Healy, Lambert, Cannon e Hanson, todos contribuíram para esta débâcle. As seitas sofreram divisões após divisões e estão agora em um processo de avançada e irreversível decomposição.

Graças ao infatigável trabalho teórico do camarada Ted Grant nossa tendência esteve apta a se orientar nas novas condições e a preservar os quadros, o programa, as políticas, os métodos e as tradições do trotskismo. Hoje, a CMI é o único herdeiro destas tradições. Sob esta base, a despeito de todas as dificuldades e obstáculos, tivemos êxito na reconstrução das forças do genuíno marxismo-leninismo (trotskismo), atraindo ao nosso lado os melhores elementos dos trabalhadores avançados e a juventude de outras tendências. O caso do Brasil é somente o mais recente e mais notável exemplo disto.

Entramos em um frutífero diálogo como os bolivarianos venezuelanos, os revolucionários cubanos, os socialistas republicanos irlandeses e comunistas e lutadores de classe de muitos outros países. No Paquistão, na Espanha, Itália e México já temos as bases para a construção de uma tendência de massa. Na Venezuela estamos participando ativamente na revolução e atraindo os melhores lutadores através de nosso trabalho nas fábricas ocupadas, no PSUV e na juventude. No Brasil, há um enorme potencial para a tendência marxista do PT.

É verdade que somos uma minoria até mesmo dentro da esquerda. O velho Engels dizia: "Marx e eu fomos minoria durante toda a nossa vida e estávamos orgulhosos de estar em minoria". Mas estamos vivendo em um período da história em que grandes transformações estão na ordem do dia e as minorias podem se tornar maiorias muito rapidamente. Este período não é mais de crescimento orgânico do capitalismo, mas, pelo contrário, um período de convulsões e turbulências em escala mundial. Até mesmo Alan Greenspan o admite! Mesmo em um boom as condições das massas se deterioraram em todos os lugares. O que se pode esperar, então, de uma recessão?

Em todos os países a situação pode mudar muito rapidamente. Devemos estar preparados então para não sermos pegos de surpresa. Qualquer coisa aparentemente trivial pode provocar um movimento que pode pegar-nos de surpresa. Sob determinadas condições, elementos anteriormente atrasados podem tornar-se os melhores militantes, como nos ensina a dialética e a história. Na Rússia de 1905, os trabalhadores organizaram uma marcha pacífica até o palácio do czar para apresentar petições de reformas. À cabeça desta manifestação pacífica estava um sacerdote - o padre Gapon. Os marxistas estavam em pequena minoria e completamente isolados da classe trabalhadora. Em seguida, houve o massacre de nove de janeiro e a consciência das massas se transformou no espaço de 24 horas.

Já vimos mudanças significativas na psicologia das massas. Quando Bush foi eleito pela segunda vez, muitos tiraram conclusões pessimistas. Previmos que ele terminaria como o mais impopular presidente na história dos EUA. Agora, sua popularidade entrou em colapso. Significativamente, ele perdeu muito terreno entre os 42 milhões que constituem a forte comunidade de latinos nos EUA. Esta é agora a maior minoria étnica nos EUA e a quarta maior "nação" da América Latina. Uma pesquisa realizada em janeiro de 2007 pela Pew Hispanic Center, um grupo baseado em Washington, constatou que 66% dos latinos da América estão a favor da volta para casa das tropas americanas "o mais cedo possível", bem acima dos 51% dois anos antes.

Os desenvolvimentos revolucionários na América Latina rapidamente se espalharão aos EUA através da comunidade de imigrantes e particularmente dos imigrantes latinos jovens. Os protestos em massa dos latinos imigrantes nos EUA indicam que há o início de uma fermentação naquela muito importante camada da sociedade. Pobreza, baixos salários, discriminação racial, violência policial, leis injustas, o conflito iraquiano, em que um número desproporcional de vítimas é de jovens pobres, negros e latinos - todos estes fatores se combinarão para tornar o terreno fértil à expansão das idéias revolucionárias.

No passado, nossa tendência na Grã-Bretanha (Militant) obteve importantes resultados de anos de trabalho paciente nos sindicatos e no Partido Trabalhista. Este era o modelo real de como o trabalho revolucionário deveria ser conduzido. Sob a liderança de Ted Grant combinávamos, com escrupulosa atitude, a teoria marxista com o trabalho sistemático nas organizações de massa da classe trabalhadora. Isto nos habilitou a criar a maior e mais exitosa organização trotskista desde a Oposição de Esquerda Russa. Infelizmente, este grande êxito foi desperdiçado numa aventura criminosa. Mas o que alcançamos no passado, podemos alcançar e alcançaremos no futuro, na Grã-Bretanha e internacionalmente.

Estamos construindo sobre fundações sólidas, com idéias e métodos que repetidas vezes provaram sua superioridade. Mas as idéias corretas não são suficientes para construir uma tendência de massa enraizada na classe trabalhadora. Grandes acontecimentos são inevitáveis. Grandes acontecimentos que sacudam a sociedade e as organizações de massa até a medula. A velha psicologia conservadora será extirpada e a classe trabalhadora começará novamente a tirar conclusões revolucionárias.

Em todos os lugares há o que Trotsky chamava de processo molecular da revolução socialista, que é a fermentação subterrânea do descontentamento das massas. Mais cedo ou mais tarde isto emergirá à superfície. Devemos estar preparados e não nos permitirmos desviar-nos por inevitáveis calmarias e desenvolvimentos episódicos.

A conclusão é clara: não mudaremos o curso. Devemos apegar-nos aos nossos princípios, programa, métodos e perspectivas, enquanto, ao mesmo tempo, mantemos a necessária flexibilidade tática para podermos vincular-nos às massas. Somente isto garantirá o nosso êxito! Se mantivermos firmemente o curso e não cometermos muitos equívocos, o êxito de nossa tendência estará assegurado: a tendência que está crescendo junto com a revolução, que está apta a prever seu próprio amanhã e o dia depois de amanhã, que está estabelecendo metas claras para si mesma e que pode alcançá-las.

Niewpoort, 15 de janeiro de 2008.