Papa Francisco: amigo dos pobres? Share TweetO presente artigo foi escrito antes da fumaça branca do “Espírito Santo”, acionada pelos políticos do Vaticano, vestidos de santos Cardeais, decidirem o novo Chefe da Igreja Apostólica Romana.O sucessor de Jorge Bergoglio, o Francisco, eleito na última quinta-feira (8/5), foi Robert Francis Prevost, um norte-americano com carreira eclesiástica no Peru. A nova figura do Catolicismo segue a suposta “reforma” da Igreja ao escolher como seu título “Leão XIV”.Na realidade, assim como o papado de Francisco, como explicado no texto abaixo, essa é a tentativa do Vaticano em responder sua própria crise e do sistema capitalista. Isso porque o último Leão de Roma foi o responsável pela encíclica Rerum Novarum, a famosa “Doutrina Social da Igreja”, defensora da propriedade privada, ao mesmo tempo que buscava atender às reivindicações do proletariado internacional diante à exploração do humano pelo humano realizado pelo capitalismo.Essa determinação combateu o sindicalismo revolucionário e, em especial, o comunismo. Também serviu como alimento tanto para as ideias reformistas e conciliatórias com o capitalismo, como o cooperativismo, quanto para Estados autoritários e bonapartistas, como o varguismo.Assim, o papado de Leão XIV tende a cumprir as tarefas descritas neste artigo, assinado pelo camarada Ben Curry. Boa leitura![Source]No dia 21 de abril, o Papa Francisco faleceu aos 88 anos. Durante seu mandato à frente da Santa Sé, foi encarregado de limpar a imagem da Igreja, dando-lhe um “rosto humano” e tentando conter a crise da instituição. Independentemente do que se pense dele, é certo que desempenhou esse papel com habilidade — mas a tarefa em si era impossível. A crise da Igreja continuou a todo vapor e deve se acelerar após sua morte.Após o velório na Basílica de São Pedro, os restos mortais de Francisco serão sepultados modestamente em uma capela no Vaticano, conforme sua vontade: em um túmulo “simples e sem adornos”.Essa é a imagem que Francisco cultivava desde seus dias na Argentina, muito antes de chegar ao Vaticano em 2013: a de um homem que partilhava o pão com os pobres e que, como arcebispo, não se incomodava em usar transporte público. Ao se mudar para o Vaticano, evitou os aposentos mais suntuosos, geralmente reservados aos papas, e se instalou em um modesto quarto de hóspedes.Francisco, chefe de uma das entidades mais ricas do planeta, queria ser visto — por mais paradoxal que pareça — como um homem simples, humilde e pobre: alguém que sente a dor do povo. Seu nome papal indicava a imagem que queria projetar: a do renomado homem da pobreza, São Francisco de Assis.Para tanto, adotou um tom diferente de seus antecessores. Falou sobre as mudanças climáticas, expressou simpatia pelos refugiados, denunciou os horrores da guerra. Falou sobre muitas coisas e, com inteligência, posicionou-se como amigo dos oprimidos. Até a semana de sua morte, organizou reuniões com a congregação cristã em Gaza, sob uma chuva de bombas israelenses. Chegou até mesmo a fazer alguns comentários rápidos contra o capitalismo — ou, ao menos, contra seus sintomas.Isso levou até mesmo algumas almas simples da esquerda a lamentar a morte do chamado papa “socialista”, somando suas pequenas vozes ao coro de louvor de presidentes, primeiros-ministros, monarcas e veículos de mídia de direita reacionários em todo o mundo.De fato, não havia mais “socialismo” nas visões do Papa Francisco do que nas do “Rottweiler de Deus”, o Papa Bento XVI, ou nas do Papa João Paulo II, um fervoroso partidário da Guerra Fria antes dele. Pelo contrário: ele, como os citados, era o chefe de uma das instituições mais importantes do regime capitalista, que é, em si, uma gigantesca empresa capitalista. Assim como o próprio sistema, a Igreja está mergulhada em uma crise profunda e multifacetada.Mas a Igreja Católica tem sido parte íntima da classe dominante desde o século IV. Seu papel fundamental na sociedade de classes sempre foi oferecer às massas a promessa de um paraíso após a morte — desde que aceitassem o inferno na Terra. Sua tarefa era impedir que os pobres se rebelassem contra os ricos e poderosos deste mundo, fossem eles proprietários feudais ou, mais tarde, capitalistas. Nenhuma organização poderia manter tal status sem certo talento para a adaptabilidade e uma dose de habilidade para manobrar em meio a crises. Diante da crescente indignação de classe em todo o mundo — e da indignação dirigida à Igreja em particular —, Francisco era o homem do momento, encarregado de ajudar a restaurar a reputação da Igreja.Sua escolha do nome papal teve, nesse sentido, um certo toque picante.Quando seu homônimo, Francisco de Assis, caminhava pelas ruas de Roma no século XIII, a Igreja Católica também atravessava uma crise. Naquela época, a sociedade feudal havia atingido seu auge e começava a ruir. A Igreja era cada vez mais desprezada pela massa de pobres urbanos e rurais por sua opulência, hipocrisia e defesa incansável do governo dos senhores e reis. Seitas heréticas brotavam por toda a Europa, pregando sermões aos pobres impregnados de ódio de classe contra os ricos.Conta-se que Francisco de Assis estava diante da imagem de São Damião e, enquanto orava, se assustou quando a voz do Senhor lhe falou através daquele ícone: “Vai consertar a minha Igreja, que, como vês, está completamente em ruínas.”São Francisco de Assis assumiu sua missão. Assim como os sectários heréticos comunistas que vagavam pela Europa, ele apelou ao sentimento de classe dos pobres da Itália. Sua mensagem se baseava nos primeiros ensinamentos da Igreja: que o Reino dos Céus pertence aos pobres, que Deus despreza a riqueza. Mas, neste caso, os pobres foram recrutados pela Ordem Franciscana… como os mais fervorosos defensores da autoridade papal e do status quo.Como São Francisco, o Papa Francisco também sentiu o chamado para “consertar a Igreja, que caía em completa ruína”, para restaurá-la como instrumento de defesa da ordem capitalista e recuperar sua reputação manchada entre os pobres e oprimidos.Uma misteriosa caixa brancaO papado de Francisco começou em meio à crise. Em 2013, o Papa Bento XVI tornou-se o primeiro papa a abdicar do cargo em quase 600 anos. Antes dele, o último papa a renunciar foi Gregório XII, em 1415, para encerrar um cisma na Igreja Ocidental. Bento XVI renunciou por “motivos de saúde”… ou assim foi alegado.Na verdade, o momento de sua saída foi bastante oportuno. Naquele exato período, o Vaticano estava mergulhado no escândalo “Vatileaks”, que expôs lavagem de dinheiro, corrupção, subornos, peculato e evasão fiscal no cerne das finanças obscuras da Igreja.Mas, embora Bento XVI tenha abdicado, não tinha intenção de desaparecer. Pelo contrário: insistiu em permanecer como papa emérito — um centro faccioso de intrigas contínuas da ala conservadora da Igreja até sua morte em 2022.Foram essas as circunstâncias em que a fumaça branca se elevou no dia 13 de março de 2013, anunciando que o cardeal argentino Jorge Bergoglio, agora Papa Francisco, sucederia Bento XVI como novo Bispo de Roma.Não é muito comum que um papa cessante se reúna com o papa entrante, mas as circunstâncias da saída de Bento XVI permitiram que o papa emérito entregasse o cargo diretamente ao papa eleito. Nessa entrega, Bento XVI também confiou a Francisco uma caixa branca. “Tudo está aqui”, disse ele ao Papa Francisco, “documentos relacionados às situações mais difíceis e dolorosas. Casos de abuso, corrupção, negócios obscuros, irregularidades.”A caixa devia ser enorme — ou os documentos nela impressos em letras muito pequenas — porque as acusações contra a Igreja Católica cresceram bastante ao longo das décadas. Uma longa lista de crimes e abusos, incluindo abuso sexual sistemático de crianças e acobertamentos, envolve a Igreja.Em muitos países, como a Irlanda, a Igreja passou de uma autoridade inquestionável a objeto de ódio universal da geração mais jovem. Em toda a Europa e nas Américas, a repulsa pelos crimes da Igreja, somada a uma crise generalizada da fé, contribuiu para esvaziar seu rebanho. Só na Alemanha, a Igreja perdeu 3 milhões de fiéis desde o ano 2000.Embora tenha perdido seguidores nos países ricos da Europa e das Américas, a Igreja continuou a crescer em nações mais pobres, particularmente na África e na América Latina. De fato, apenas um em cada cinco católicos vive hoje na Europa, enquanto cerca de sete em cada dez vivem na América Latina, África e Ásia. No entanto, um número crescente de paroquianos em países mais pobres não encherá os cofres de uma organização com custos crescentes — que incluem as pensões de seus clérigos idosos, cada vez menos substituídos, além das indenizações que pairam sobre ela pelos crimes do passado.Quem se preocupa com as finanças da Igreja Católica, no entanto, pode ficar tranquilo. Ninguém sabe exatamente quanto ela vale — a própria Igreja tem sido bastante cuidadosa em ocultar suas operações comerciais. Mas sabemos que a Igreja Católica detém um patrimônio gigantesco. O pastoreio de almas é um negócio muito lucrativo.Só na Itália, a Igreja possui mais de 4 mil propriedades. No mundo todo, estima-se que detenha 755 mil quilômetros quadrados em propriedades e terras — uma área maior que o estado do Texas. A Igreja Católica na Alemanha, apesar de estar perdendo fiéis, ainda é avaliada em cerca de € 430 bilhões.A riqueza da Igreja quase certamente chega à casa dos trilhões de dólares. E, como revelou o escândalo do Vatileaks, sob um véu de sigilo, o Vaticano é um foco de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, subornos e peculato.A Igreja Católica moderna é uma empresa capitalista gigantesca e lucrativa, com todo tipo de negócios e bens de raiz atrelados a ela. Que ela cometa as mesmas práticas comerciais podres e ilícitas de qualquer outra grande corporação não deveria surpreender ninguém.Mas mesmo na África e na América Latina, onde a Igreja Católica ainda encontra novos convertidos, ela tem sido superada por seitas evangélicas.Enquanto a Igreja Católica mantinha o domínio de oligarquias brutais, prometendo aos pobres a salvação no além em troca de uma vida de sofrimento, outras seitas — como as Igrejas Pentecostais — apresentam uma mensagem mais atraente. Essas supostas igrejas da “prosperidade” oferecem aos mais pobres a promessa de que riqueza e saúde lhes serão concedidas nesta vida como recompensa pela devoção.Em resumo, esta é a situação que o Papa Francisco herdou: uma Igreja mergulhada em crises e escândalos; com déficits, apesar de nadar em riquezas fabulosas; consumida por disputas doutrinárias, divisões e intrigas internas; e com fiéis abandonando a fé em massa em diversas partes do mundo.Numa época em que cada pilar do establishment se torna cada vez mais odiado, a Igreja precisava de um homem que pudesse renovar sua imagem, dar-lhe um rosto humano, reverter sua situação. A trajetória anterior do Papa Francisco o preparou para essa tarefa.O papa e a “guerra suja”O Papa Francisco nasceu com o nome de Jorge Mario Bergoglio, na Argentina, em 1936. Ingressou na Ordem dos Jesuítas aos 22 anos, em 1958, e ascendeu ao posto de “superior provincial” — isto é, chefe da Ordem na Argentina — entre 1973 e 1979.Assim, era o líder dos jesuítas numa época em que a Argentina vivia sob o tacão de ferro da junta militar liderada pelo general Videla. Cerca de 30 mil pessoas foram assassinadas ou “desapareceram” durante a “guerra suja” promovida pela junta — principalmente comunistas, militantes sindicalistas e intelectuais.A junta também assassinou vários padres de esquerda. Isso não surpreende, visto que as mesmas divisões de classe que atravessam a sociedade também atravessam a Igreja. Entre os escalões inferiores da Igreja e da Ordem dos Jesuítas, havia muitos padres cuja simpatia pelos pobres os levava a se opor diretamente ao regime — e até mesmo a pegar em armas contra ele.Já os altos escalões da Igreja Católica, por sua vez, não apenas sancionaram moralmente os crimes da junta, como também a auxiliaram diretamente no assassinato de seus oponentes. Testemunhas afirmam que cardeais chegaram a entregar padres diretamente ao regime para serem executados. A Igreja chegou a disponibilizar suas ilhas particulares para que a Marinha Argentina escondesse prisioneiros políticos durante visitas de Comissários de Direitos Humanos ao país.Qual foi o papel de Jorge Bergoglio — o futuro Papa Francisco — nesses anos sombrios? Há muita obscuridade em torno de sua conduta. Alguns o acusam de ter estado diretamente envolvido no sequestro de padres de esquerda, como Orlando Yorio e Francisco Jalics. Outros alegam que ele, na verdade, ajudou padres dissidentes a escapar da Argentina.Qualquer que tenha sido seu papel nos desaparecimentos, ele não levantou a voz contra a junta. Se não foi cúmplice direto, esse “amigo dos pobres” permaneceu em silêncio enquanto os pobres eram oprimidos e seus líderes, massacrados.Mas foi seu trabalho posterior que o qualificaria, aos olhos da hierarquia, para se tornar papa: os serviços prestados após a queda da junta. Quando o regime caiu, a Igreja Católica estava completamente manchada por sua cumplicidade nos crimes da ditadura. Precisava de alguém que lavasse sua reputação: um “homem do povo”, um “amigo dos pobres”.Para cumprir esse papel, foi nomeado Jorge Bergoglio, que assumiu como arcebispo de Buenos Aires em 1998. Sob sua direção, a Igreja Católica envidou todos os esforços para se reabilitar aos olhos das massas. Bergoglio encorajou os chamados “padres de favelas” a irem às empobrecidas villas miseria para realizar trabalhos de caridade, consertar igrejas, escolas e campos de futebol decrépitos. Conversava com os moradores pobres, bebia mate com eles, lavava e beijava os pés de prostitutas e dependentes químicos.Tendo contribuído para matar e aprisionar seus líderes, a Igreja agora apresentava um homem para consolar os pobres e a classe trabalhadora. Por que a mesma hierarquia que manchou as mãos com o sangue dos desaparecidos — e até assassinou dissidentes de esquerda dentro do próprio clero — escolheria para si esse “amigo dos pobres”?Em tempos de luta de classes, de confronto entre revolução e contrarrevolução, e até de guerra civil, os escalões superiores da hierarquia da Igreja sempre se alinharam com o restante de sua classe: a oligarquia dominante, os assassinos contrarrevolucionários.Mas o papel da hierarquia eclesiástica vai além de simplesmente ungir os atos mais abomináveis da classe dominante com um pouco de água benta. Por meio de demonstrações de munificência e caridade, ensinando que os pobres são bem-aventurados, que há dignidade e honra na pobreza e na submissão paciente ao sofrimento nesta vida — sofrimento esse que salvará suas almas para a próxima vida —, a Igreja presta um serviço inestimável à classe dominante. Oferece consolo, desde que as massas se reconciliem com sua situação.O Papa Francisco era um especialista nesse aspecto. Quando as massas estavam engajadas na luta revolucionária contra seus exploradores e opressores, ele não demonstrou solidariedade aos clérigos de esquerda que, com coragem, romperam com a hierarquia da Igreja e se uniram à classe trabalhadora e aos pobres na Argentina ou em qualquer outro lugar da América Latina.Mas, quando esses bravos homens já não representavam ameaça — por estarem mortos —, o Papa Francisco alegremente concedia às massas algumas migalhas de consolo. Assim, um mártir como Óscar Romero, o arcebispo de El Salvador, assassinado por esquadrões da morte por sua oposição ao regime militar, pôde ser rejeitado pela hierarquia em vida, mas, na morte, receberia de Francisco, de forma inofensiva, a canonização.Como disse um teólogo da Universidade de Dayton, em Ohio, seu trabalho como arcebispo na Argentina lhe proporcionou uma experiência crucial para a tarefa que o aguardava como papa:“Como arcebispo, ele enfrentou uma tarefa monumental… Se ele puder restaurar a credibilidade da Igreja ali, poderá lidar com os escândalos que a atingiram em todo o mundo, porque sabe como se conectar com as pessoas.”Sem questionar as intenções de Jorge Bergoglio, seus esforços para reabilitar a Igreja argentina — transformando-a de inimiga mortal em “amiga” consoladora dos pobres — representaram um serviço inestimável à classe dominante, executado com habilidade. Isso qualificou o arcebispo de Buenos Aires para uma vocação mais elevada: limpar a imagem manchada de toda a instituição.Divisões profundasAo longo de sua carreira, o Papa Francisco manobrou com destreza, sem jamais tocar nos princípios fundamentais da doutrina nem nos interesses materiais da hierarquia. Podia lamentar os horrores do capitalismo enquanto pregava a aceitação paciente. “Criamos novos ídolos”, lamentou em uma de suas exortações. “A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Êxodo 32:1-35) retornou sob uma nova e implacável forma: a idolatria do dinheiro e a ditadura de uma economia impessoal, sem um propósito verdadeiramente humano.”Quando o assunto eram as amargas disputas doutrinárias e as lutas internas por poder dentro da Igreja, ele também se mostrou um perito em apresentar-se como um “reformador” — sem sê-lo de fato.Sobre a homossexualidade, foi elogiado como amigo da comunidade LGBTQIA+ ao dizer a famosa frase: “Quem sou eu para julgar?” e ao aprovar a bênção de casais gays… embora ainda se opusesse ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre o aborto, declarou-se favorável a que políticos católicos pró-escolha recebessem os sacramentos… embora continuasse a considerar o aborto um pecado mortal. Promoveu mulheres a cargos mais altos na Cúria Romana, a burocracia do Vaticano… embora ainda se opusesse à ordenação de mulheres ao sacerdócio.E, embora tentasse demonstrar “transparência” diante dos escândalos financeiros, não havia nada que o Papa Francisco pudesse fazer para limpar a podridão no cerne das finanças do Vaticano — mesmo que o desejasse. O desfalque, a fraude, o suborno, a lavagem de dinheiro e outros crimes descobertos atingem o núcleo da Igreja e refletem apenas a corrupção de todo o sistema capitalista, do qual a Igreja Católica é apenas uma parte — muito rica e influente.Francisco conquistou, assim, a reputação de possuir certa “humanidade”, de demonstrar simpatia pelos pobres e oprimidos, de ser um “progressista” e um “reformador” — e até mesmo uma genuína popularidade — sem jamais ir além de meros gestos.Mas isso foi o máximo que ele conseguiu. Como chefe de uma instituição que faz parte da classe dominante, que compartilha todas as suas enfermidades, toda a sua decadência, todos os seus abusos e crimes, não havia nada que pudesse fazer, em essência, para resolver as crises que corroem a Igreja.O clima de indignação alimentado pela crise do capitalismo voltou-se contra a Igreja Católica como nunca antes — justamente sob o papado de Francisco.Vejamos apenas dois dos países mais católicos da Europa até recentemente. Na Irlanda, desde que Francisco se tornou papa, ocorreram dois referendos — um sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2015, e outro sobre o direito ao aborto, em 2018 — que desferiram golpes devastadores na autoridade da Igreja. Na Polônia, em 2020, 500 mil pessoas foram às ruas exigir o direito ao aborto e o fim dos vínculos entre Igreja e Estado, enquanto a participação dos jovens nas missas diminuía acentuadamente.Também na América Latina, um enorme movimento militante de mulheres — a Marea Verde — lutou e conquistou o direito ao aborto no México, na Colômbia e na Argentina, país natal de Francisco, todos majoritariamente católicos. E, embora a Igreja Católica tenha continuado a crescer, o ateísmo avançou em ritmo muito mais acelerado por todo o continente.À medida que a crise insuportável do capitalismo força as camadas mais oprimidas da sociedade a se levantarem para lutar, elas também voltam sua fúria contra a Igreja — que, certamente, é inigualável na história em termos de brutalidade e opressão impostas às mulheres.Quando os cardeais se reunirem para eleger o novo papa, todas as contradições que Francisco não conseguiu conter virão à tona. As intrigas, as disputas de poder, a polarização e as divisões entre “liberais” e “conservadores”; entre as Igrejas europeia e norte-americana — em declínio, porém mais ricas — e as Igrejas africana e latino-americana — em crescimento, porém mais pobres —, tudo isso poderá emergir com força.Para a classe trabalhadora, para os pobres do mundo, pouco importa se o próximo papa terá o rosto sorridente de um “reformador” ou as feições raivosas de um reacionário declarado. A instituição da Igreja e sua hierarquia foram, são e continuarão sendo suas inimigas.