O coronavírus na Venezuela: mais uma chicotada nas costas dos trabalhadores

A Venezuela acaba de entrar em sua segunda semana sob quarentena social preventiva, logo que o governo reconheceu oficialmente os primeiros casos de coronavírus no país na sexta-feira, 13 de março.


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Nesse anúncio oficial se explicou que tais casos consistiam em pessoas que ingressaram no país nos voos da empresa aérea Ibéria entre os dias 5 e 8 de março, provenientes da Espanha, Itália e EUA.

Como resposta a uma possível propagação do vírus, em 17 de março o presidente Maduro ordenou a quarentena social, primeiro em 5 estados, incluindo o estado de Miranda e o Distrito da Capital, e depois em todo o país, como está ocorrendo em outros países do mundo, como medida central para cortar a cadeia de contágio e evitar o máximo possível que haja um incremento acelerado dos casos. Até esse dia, contabilizavam-se 33 casos em todo o país.

Até o dia 23 de março se mantinham em 77 os casos confirmados.

A pandemia de coronavírus e as consequências do capitalismo atualmente

Em todo o mundo, a pandemia por coronavírus está se constituindo no elemento acidental que está acelerando a crise capitalista prevista há meses inclusive pelos economistas burgueses, ao mesmo tempo em que deixa a descoberto as profundas e desgarradoras contradições desse sistema apodrecido, que coloca o lucro dos capitalistas antes da vida de milhões de homens e mulheres em todo o mundo.

Na Itália, por exemplo, o colapso generalizado do sistema de saúde não é só uma consequência direta da pandemia, mas também que estava sendo preparado há mais de uma década com os cortes que o Estado aplicou sobre o sistema de saúde a fim de reduzir o déficit fiscal para manter os lucros dos capitalistas, mas sempre à custa dos trabalhadores e dos pobres.

Desde 2009, na Itália, foram eliminados aproximadamente 46.500 postos de trabalho no sistema público de saúde para cumprir as políticas de austeridade fiscal do governo italiano. De 10,6 leitos hospitalares por cada mil habitantes, que existiam no ano de 1975, na atualidade há apenas 2,6 leitos hospitalares por cada mil habitantes. Com cortes tão severos no orçamento da saúde, como não colapsar o sistema de saúde italiano diante de uma pandemia como a atual?

Agora, diante da incapacidade do sistema público de saúde de atender o enorme número de pacientes que foram admitidos em hospitais nas últimas semanas, os médicos na Itália têm cada vez mais de desistir dos idosos para salvar pacientes mais jovens e aqueles com “melhores chances de sobrevivência”.

No Irã, homens e mulheres trabalhadores faleceram como consequência de se terem contagiado ao comparecer aos seus postos de trabalho. Esses pacientes deveriam ter sido mantidos em casa para resguardar suas vidas, mas, como ocorre a qualquer trabalhador, viram-se obrigados a ir trabalhar para proteger suas fontes de sustento.

Na Espanha, houve importantes protestos de trabalhadores exigindo medidas de segurança adequadas, devido ao fato de que são obrigados a trabalhar sob condições inseguras, como foram os casos em Mercedes Vitoria, IVECO Valladolid, Balay, Aernova e outras empresas, um fenômeno que também está ocorrendo em outros países.

Na Venezuela, apesar da propaganda do governo, o fenômeno do coronavírus não está separado da crise econômica que devastou o país nos últimos anos. Por um lado, é uma expressão da crise mundial do capitalismo, manifestada na queda dos preços das matérias-primas na última década. Por outro lado, faz parte da crise histórica única do capitalismo venezuelano atrasado e do reformismo, que foi incapaz de avançar com uma política real e eficaz de anticapitalismo, que expropriaria a burguesia e introduziria políticas econômicas de planificação democrática. Em vez de tal política, o governo tem atacado a classe trabalhadora e implementado políticas de austeridade burguesa há um ano e meio. Dessa forma, espera conter a crise e, ao mesmo tempo, manter-se no poder.

Nossa tarefa como marxistas é analisar a situação da saúde na Itália, Espanha e Estados Unidos, no contexto da atual pandemia, do ponto de vista e interesse dos trabalhadores e oprimidos. Essa análise revela como os estados e os governos, por sua vez, burgueses ou social-democratas, priorizaram os lucros e interesses dos capitalistas acima da vida das pessoas. Devemos lançar o mesmo olhar crítico sobre o colapso do sistema de saúde venezuelano nos últimos anos. Vamos discutir como a disseminação do coronavírus na Venezuela teria um efeito de proporções inimagináveis no que ainda resta do sistema de saúde pública.

Os extraordinários ganhos de Chávez na área da saúde e os limites do reformismo

O governo do presidente Chávez investiu pesadamente na melhoria do sistema público de saúde, que estava em um estado verdadeiramente decadente na década de 1990. A política conhecida como Barrio Adentro, que se valeu da experiência e do pessoal qualificado da Revolução Cubana, permitiu-nos alcançar níveis de atenção primária e secundária nunca antes vistos em nossa história. Pela primeira vez, os trabalhadores tinham acesso gratuito a cuidados de saúde de qualidade, nos quais a vida dos pacientes era realmente a prioridade.

Apenas para citar alguns números, a Misión Milagro eliminou a catarata em todo o país e ajudou os trabalhadores de todo o continente. Mais de três milhões de venezuelanos, além de um milhão e meio de latino-americanos fora da Venezuela, tiveram, de forma totalmente gratuita, cataratas removidas cirurgicamente.

Além disso, até 2012, mais de 500 centros de saúde de atenção primária e 500 centros de reabilitação foram construídos em todo o país (CDI). Enquanto apenas 1.444 centros dentários foram construídos durante as quatro décadas da chamada Quarta República – que aparentemente é a época para a qual o país voltou hoje – quase 5 mil foram construídos entre 1998 e 2011.

Da mesma forma, em 2010, o governo forneceu 9 mil coroas e próteses dentárias aos pacientes gratuitamente. Em 2011, as taxas de mortalidade infantil foram reduzidas para cerca de 15 crianças por cada mil nascidos. Em geral, a Venezuela teve êxitos na saúde muito superiores aos da maioria dos países com passado colonial, especialmente na América Latina.

Contudo, esses importantes ganhos sociais foram alcançados no contexto dos limites impostos pela propriedade privada capitalista e pelo Estado burguês, e sustentados principalmente pela renda obtida com a exportação de petróleo. Não obstante, a enorme conquista do Barrio Adentro fazia parte de um pacote de reformas políticas progressistas, e não de uma política genuinamente socialista, porque o marco econômico burguês permaneceu intacto.

De fato, as empresas privadas de saúde e seguros nunca foram nacionalizadas. De 2004 a 2014, os proprietários dessas empresas arrecadaram milhões de dólares dos cofres públicos, com o envolvimento do capital financeiro nacional e internacional.

O colapso da saúde na Venezuela: guerra econômica, políticas reformistas, hiperinflação e austeridade

No início de 2013, os capitalistas intensificaram sua política de sabotar a produção, gerando uma escassez crônica de bens básicos, aumentando ainda mais os seus preços. O sistema de saúde começou a sofrer o impacto.

Posteriormente, a queda da renda do petróleo e sua recuperação progressiva, entre 2014 e 2017 – atingindo seu ponto mais baixo de US$ 26,5 em 2016 – significou uma redução acentuada no orçamento do Estado e, consequentemente, no sistema de saúde. O papel desempenhado pela corrupção deve ser mencionado aqui: o desvio de moeda estrangeira por empresas privadas com suprimentos médicos destinados ao Estado e outras táticas semelhantes, perfeitamente legais dentro da estrutura capitalista, bem como a corrupção normalizada pela lei, causaram a fuga de uma grande quantidade de recursos do Estado. Agora, esse dinheiro está faltando de forma extrema no orçamento da assistência médica.

Em 2018, a inflação tornou-se hiperinflação e o governo respondeu de maneira limitada e caótica à sabotagem econômica – a saber, com um aumento descontrolado de liquidez. Isso levou à pulverização do sistema de saúde.

Atualmente, a falta de suprimentos nas salas de cirurgia e nas UTIs tornou-se um pesadelo constante, com o déficit estimado em cerca de 35 a 50%. Por razões óbvias, o governo não disponibiliza dados oficiais.

A taxa de mortalidade infantil aumentou novamente e doenças que, no século 20, foram controladas, como dengue ou malária, fizeram um reaparecimento assustador. Também não há dados oficiais confiáveis nesses casos.

O sistema de saúde dependia de uma escassa renda baseada no petróleo para a aquisição de suprimentos, materiais cirúrgicos, salários, medicamentos e muito mais. Então, os suprimentos foram comprados de provedores capitalistas a preços hiper inflacionários e os médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde foram pagos em bolívares desvalorizados (a moeda venezuelana). O sistema só poderia entrar em colapso de forma trágica, como um castelo de areia atingido por ondas.

Novamente, essas são as consequências do reformismo, que atingiu seus limites: as alavancas econômicas do país nunca foram nacionalizadas e o controle democrático do planejamento econômico pelos trabalhadores nunca aconteceu. O colapso do sistema de saúde não foi uma consequência do socialismo, ao contrário do que se repete dia após dia pelos imperialistas e por seus fantoches de direita no país.

As sanções de Trump ou o golpe final no sistema público de saúde

As sanções do governo Trump em 2017 formaram o clímax dessa série de eventos, quase destruindo nosso sistema de saúde e as conquistas relacionadas ao período Chávez. Essas sanções impediram o país de adquirir remédios e suprimentos médicos do exterior, causando um golpe mortal em nossos hospitais e centros de saúde já sobrecarregados.

Por exemplo, em setembro de 2017, o governo anunciou que um carregamento de 300 mil doses de insulina destinadas ao país estava sendo segurado em um porto internacional. Em novembro de 2017, sob ordens do governo colombiano, a empresa internacional de saúde BSN Medical bloqueou um embarque com destino à Venezuela do medicamento Primaquina, usado para tratar malária e febre amarela.

Da mesma forma, em 2018, as instituições financeiras internacionais retiraram US$ 39 milhões do país. Pior ainda foi o caso de aproximadamente 1,7 milhão de euros de dinheiro do Estado retido pela entidade financeira portuguesa Novo Banco. Todo esse dinheiro poderia ter sido usado para comprar remédios, suprimentos hospitalares e alimentos.

Finalmente, de acordo com fontes do governo, as consequências dessas ações se traduziram em fatos e números como: 80 mil pessoas diagnosticadas com HIV que ficaram sem tratamento antirretroviral em 2017, 1.600 pessoas aguardando diálise e 16 mil pacientes com câncer que não receberam tratamento. Isso sem contar as pessoas que já morreram como resultado dessas políticas imperialistas cruéis.

Podemos ver que as sanções estrangularam a escassa capacidade do sistema de saúde de lidar com as preocupações diárias da saúde e, ao mesmo tempo, aceleraram seu colapso.

A resposta do governo

As medidas de distanciamento social adotadas pelo governo há mais de uma semana não estão em discussão aqui, porque são absolutamente necessárias para diminuir a taxa de contágio e impedir a propagação do vírus no país. No entanto, dado que essas medidas estão sendo tomadas em um contexto capitalista, elas significarão ainda mais sofrimento e miséria para as massas trabalhadoras do país, já atingidas por cinco anos de crise.

De fato, a economia da Venezuela já se contraiu 60% desde 2013. Isso se traduz inevitavelmente em desemprego, escassez e miséria para milhões de homens e mulheres trabalhadores em todo o país. Junto com isso, ocorre um aumento acelerado da fome, pobreza, mendicância, atividade criminosa e prostituição, especialmente a prostituição infantil.

A menos que medidas socialistas, como a nacionalização da saúde e das multimilionárias companhias de seguros ou do comércio exterior, sejam adotadas, o que esse governo nunca fará, o distanciamento social atingirá muito mais as famílias trabalhadoras. Mesmo antes do coronavírus, essas famílias já se encontravam em uma luta diária feroz apenas para sobreviver, saindo às ruas em busca de água para higiene ou cozinhar, fazendo longas filas para comprar gás ou combustível, cozinhando com madeira, indo de hospital a hospital para garantir que os membros da família sejam cuidados, lidando com o racionamento de energia elétrica ou rebuscando alimentos para poder comer diariamente.

Não estamos vivendo na Venezuela de 2013, na qual um salário mínimo de mais de US$ 300 mensais, acompanhado ademais de benefícios em matéria alimentícia proporcionados pelo Estado por meio da extinta Mercal, implicava, na prática, um salário integral ainda maior. No marco de tais condições, e com cerca de uns 60% de emprego formal, como existia então, seria mais viável para uma grande quantidade de famílias sobreviver ao duro chicote econômico que significa uma quarentena de 15, 21 ou até 30 dias, sobretudo para os trabalhadores por conta própria ou para aqueles que fazem parte do setor informal.

Agora, vivemos em um país muito diferente, onde a grande maioria dos ganhos sociais da era Chávez desapareceu. Esse é o resultado dos ataques da burguesia nacional parasitária, bem como das respostas tímidas e, no fundo, traidoras do governo reformista. Hoje, esse governo se tornou reacionário, como evidenciado pelo recente pedido de empréstimo ao FMI. Isso seria inconcebível mesmo para essa socialdemocracia degenerada até algumas semanas atrás.

O salário mínimo total hoje caiu para US$ 4, renda que é “complementada” – de tempos em tempos e não para todas as famílias – com o fundo CLAP (comitês locais de distribuição de alimentos). Forçados pela austeridade, privação e má nutrição, milhões de famílias já estão lutando para sobreviver. Essas são as condições nas quais milhões de famílias agora devem enfrentar a quarentena decretada no país há uma semana.

Além disso, esse benefício – renda legal mínima – se aplica apenas a trabalhadores em empregos “formais”. Mas, como já indicamos, devido à destruição progressiva do aparato produtivo nacional nos últimos cinco anos, mais e mais trabalhadores que não migraram para outros lugares são forçados a entrar no setor informal da economia. Esses trabalhadores dependem do trabalho que podem encontrar nas ruas em qualquer dia: eletricistas, pedreiros, encanadores, vendedores de café ou cigarro, taxistas, vendedores de doces no metrô de Caracas ou qualquer outro trabalho que possam encontrar. São esses homens e mulheres e suas famílias que serão mais atingidos pela quarentena. Se esses trabalhadores não puderem trabalhar todos os dias, ficam sem a renda necessária para sobreviver.

É verdade que o governo decretou o pagamento de bônus mensais a trabalhadores informais e autônomos. Mas quantos trabalhadores hoje no país estão ganhando um salário mínimo que lhes permita cobrir suas necessidades mais básicas?

Não pretendemos sugerir que a política de distanciamento social esteja errada. De fato, é a única medida que neste momento pode impedir uma rápida expansão do vírus e a alta taxa de mortalidade que o acompanha. Não foi tomada de imediato em países como Itália, Espanha ou agora nos Estados Unidos, onde o vírus está se espalhando rapidamente em cidades como Nova York.

O que queremos enfatizar é como a pandemia, como está acontecendo em outros países, acabou atingindo trabalhadores que já estão lutando por causa da crise econômica. Os efeitos econômicos do coronavírus não serão pagos pelos grandes banqueiros, industriais, burocratas ou políticos burgueses, mas pelos trabalhadores, até que os trabalhadores se levantem contra o sistema de opressão e miséria e virem a mesa.

A luta para derrotar a pandemia não é apolítica. A crise agora em desenvolvimento está intrinsecamente ligada à crise social que, em nosso país, já dura há vários anos. A luta contra o coronavírus, portanto, deve estar ligada à luta por nossos direitos e demandas, e à luta estratégica para derrubar toda a ordem capitalista. O coronavírus só piorou o sofrimento que as massas trabalhadoras sofreram nos últimos anos. A pandemia é uma emergência nacional, mas as catástrofes nacionais reais são o capitalismo e o reformismo, o último porque é organicamente incapaz de superar o primeiro, um sistema atrasado, decadente e parasitário. Um futuro verdadeiramente próspero para os trabalhadores virá apenas destruindo esse sistema podre, que enriquece uma pequena minoria às custas da fome e do sofrimento de milhões.

As medidas mais recentes do governo

No contexto do distanciamento social, em 22 de março, o presidente Maduro reafirmou seu decreto anterior de “imobilidade trabalhista”, proibindo demissões até dezembro. Ele também implementou um plano de pagamento especial para as folhas de pequenas e médias empresas e a suspensão dos pagamentos de aluguel residencial e comercial por seis meses.

Em primeiro lugar, imobilidade trabalhista é uma frase vazia neste país. Após a reconversão monetária, durante a reunião do último Conselho de Ministros de 2018, o governo decretou a imobilidade trabalhista por dois anos, até dezembro de 2020. No entanto, desde então, vimos uma série de demissões em empresas públicas e privadas e na administração pública, como parte de uma política de ataques contra o movimento trabalhista.

Muitas dessas demissões foram arbitrárias, violando os processos legais cabíveis e, em alguns casos, os camaradas em questão foram presos e encarcerados sem o devido processo legal. Existem muitos exemplos disso, mas podemos mencionar fechamentos de impressoras e demissões em massa no setor gráfico em Caracas, como aconteceu recentemente com a impressora Fanarte. Também há perseguição, demissão, prisão e acusação generalizadas de ativistas operários importantes, como o funcionário da PDVSA Marcos Savariego, de El Palito, líderes sindicais dos trabalhadores de Fogade, ou mais recentemente o notório caso dos camaradas Alfredo Chirinos e Aryenis Torrealba.

Neste momento, quando a perseguição aos trabalhadores que lutam por seus direitos aumentou muito e o governo usou suas forças mais repressivas, como DISIP (agência de inteligência), FAES (forças policiais especiais) ou DGCIM (contrainteligência militar), falar sobre imobilidade do trabalho é demagogia das mais baratas, usada para acalmar os apoiadores do chavismo, que ainda têm fortes laços ideológicos e emocionais com o governo. O certo é que, na realidade, a imobilidade trabalhista não existe neste país há mais de um ano.

Os marxistas e socialistas revolucionários exigem uma política de imobilidade trabalhista que seja mais do que apenas uma brincadeira e respeite verdadeiramente os direitos da classe trabalhadora ao trabalho. Todas as empresas devem pagar os salários dos trabalhadores enquanto a quarentena estiver em vigor e nenhum trabalhador deve ser dispensado. A vida é mais importante que os lucros capitalistas!

Da mesma forma, os empregadores devem tomar todas as precauções de segurança necessárias para que os trabalhadores possam executar suas tarefas, reduzindo ao mesmo tempo o risco de contágio. As empresas devem fornecer máscaras faciais, luvas e todas as roupas necessárias para evitar infecções, bem como os materiais necessários para a limpeza regular dos locais de trabalho, a fim de manter as áreas de trabalho esterilizadas.

A suspensão do pagamento de dívidas bancárias, aluguéis e serviços públicos é certamente um importante paliativo, mas pouco fará para melhorar as condições de vida dos trabalhadores venezuelanos nos médio e longo prazos, especialmente em um país onde o salário mínimo mensal é de cerca de US$ 5.

Por outro lado, o pagamento dos salários dos funcionários de pequenas empresas pelo Estado apenas aprofundará o já gigantesco déficit fiscal. Quando a crise imediata acabar, o governo procurará recuperar esse dinheiro dos bolsos dos trabalhadores. Isso significará cada vez mais medidas de austeridade, como a chamada reconversão monetária.

É verdade que a pequena burguesia, proprietária de pequenos negócios e empresas, também é de certa forma dominada e oprimida pelo grande capital, e é mais suscetível à falência em meio a uma crise ou a uma paralisia comercial como a que se coloca na atual quarentena. No entanto, devemos fazer com que as grandes empresas paguem pelo apoio fornecido a essas empresas! Se o Estado quiser ajudar as pequenas empresas durante a quarentena, deixe-as tomar a capital dos grandes monopólios do país!

Os grandes monopólios também devem ser nacionalizados sob controle dos trabalhadores, a fim de implementar um plano democrático de produção nacional, destinado a satisfazer as enormes necessidades materiais das massas trabalhadoras hoje. Além disso, a fim de impedir que esses pequenos negócios e empresas especulem e saqueiem o povo, a política de controle de preços e acesso controlado à moeda estrangeira deve ser restabelecida sob a supervisão de trabalhadores e comitês populares.

O pedido de empréstimo do FMI

Outra medida anunciada pelo Presidente Maduro, como já mencionamos anteriormente, foi a solicitação de um empréstimo do FMI de US$ 5 bilhões. Esse tema merece um artigo inteiro que será publicado posteriormente. Aqui, nos restringiremos a algumas observações.

O governo tem mostrado uma curva acentuada – embora gradual – para a direita desde que Maduro venceu as eleições de abril de 2013. Ele tomou medidas cada vez mais a favor da burguesia e do capital imperialista e contra os interesses dos trabalhadores, camponeses e massas oprimidas. Isso ocorreu como resultado da pressão exercida pela burguesia por meio da sabotagem da produção e distribuição de bens , bem como campanhas imperialistas para derrubar o governo. Outro fator importante é a degeneração burocrática cada vez mais evidente da liderança chavista.

O exemplo mais óbvio disso é a chamada reconversão cambial, na qual o governo aplicou uma política brutal de austeridade que, de fato, proibia negociações de contratos coletivos, eliminava quase todos os aumentos salariais e apagava as tabelas salariais da administração pública. Tudo isso para contrair de forma agressiva a liquidez monetária no mercado, legalizando a circulação do dólar junto com o bolívar e eliminando os controles cambiais. O controle de preços já havia sido removido de fato sem nenhum decreto ou reforma legal.

O atual pedido de empréstimo ao FMI foi rejeitado; logo foi seguido por um segundo pedido, desta vez por um bilhão de dólares. Essas solicitações nada mais são do que o resultado lógico da austeridade do governo. A liderança do chavismo degenerou totalmente, transformando-se de uma força progressista na luta de classes em uma força reacionária, que hoje está sustentando a classe dominante da Venezuela.

Todos na esquerda, incluindo as camadas menos avançadas das massas bolivarianas, têm uma compreensão clara do papel histórico do FMI como instrumento do capital financeiro para a exploração dos povos do chamado terceiro mundo. Alguém pode realmente acreditar que o FMI agora desempenhará um papel progressivo no enfrentamento da emergência nacional da pandemia?

Lembre-se que, em novembro do ano passado, durante seu discurso de encerramento no Terceiro Congresso Anti-Imperialista contra o Neoliberalismo, realizado em Cuba, o Presidente Maduro disse:

“Foi Cuba que chamou o mundo a debater, estudar e desmascarar as políticas de dominação financeira do Fundo Monetário Internacional”.

E, depois, referindo-se aos movimentos de insurreição popular no Equador e no Chile, disse: “Existe uma insurgência geral do povo contra o modelo de exclusão, privatização, empobrecimento e individualismo do capitalismo selvagem e neoliberal do Fundo Monetário Internacional“.

Apenas quatro meses após esse discurso, eles tentam distorcer a realidade, com a desculpa da emergência nacional devido ao coronavírus. Eles querem que vejamos o FMI como um possível aliado de um país semicolonial como a Venezuela, historicamente oprimido pelo imperialismo europeu e norte-americano. É ultrajante e um insulto ao legado do camarada Chávez. Embora continue tendo um apoio significativo de setores das massas trabalhadoras, os revolucionários honestos dentro das fileiras do movimento bolivariano devem entender claramente a natureza de classe do atual governo. Qual é a sua política em relação aos trabalhadores e à burguesia? Por que este não é um governo socialista? Das fileiras do chavismo combativo e honesto, e do movimento operário e popular, devemos lutar para reconstruir uma alternativa revolucionária para a Venezuela.

Apontamos a luta das comunidades de bairro, comunidade e organizações populares para organizar adequadamente a quarentena nas comunidades, manter a operação de certos serviços sociais, como a distribuição de pacotes de alimentos ou a produção autônoma de máscaras para nos proteger do vírus. Reconhecemos os sindicatos e as organizações de trabalhadores que hoje lutam por condições de trabalho adequadas que minimizem o risco de contágio. Nunca podemos nos separar da luta de classes e, como Marx explicou, a luta de classes é acima de tudo uma luta política.

Os movimentos populares e revolucionários dos trabalhadores, que hoje estão na vanguarda das comunidades na luta contra a pandemia, enfrentam a tarefa urgente de construir uma organização política revolucionária baseada em um programa socialista. Essa organização deve oferecer ao país uma alternativa revolucionária à atual liderança do movimento bolivariano, que se tornou uma força reacionária e burguesa.

Após o período de quarentena, quando a vida social do país voltar ao “normal” (embora tenha sido uma normalidade bastante severa e anormal nos últimos anos), devemos retomar nossos esforços para construir uma força revolucionária autônoma enraizada nas massas trabalhadoras . Não podemos esquecer, nem por um momento, esse objetivo fundamental.

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