Os ataques de Boko Haram e as tarefas da classe trabalhadora nigeriana

Os acontecimentos dramáticos que se desdobraram neste país nas últimas semanas – entre eles o sequestro de mais de 300 alunas por Boko Haram – confirmam mais que nunca a completa impotência da inepta e extremamente corrupta classe dominante nigeriana, e também a podridão das forças armadas do país face à insurgência.

Apesar de bilhões de Naira [moeda nigeriana – NDT] aprovados anualmente para a segurança, a situação de insegurança no país é altamente alarmante. O caso da explosão de uma bomba no território da capital federal de Abuja e o sequestro das alunas da Escola Secundária de Chibok são uma séria vergonha e mostram claramente como apodreceu o Estado nigeriano.

No dia 14 de abril deste ano, homens com uniformes militares estacionaram um automóvel cheio de explosivos em um parque de estacionamento em Nyanya, um subúrbio de Abuja, capital da Nigéria. O automóvel explodiu matando pelo menos 72 pessoas e ferindo mais de 100. Menos de 24 horas depois, centenas de homens armados em automóveis, caminhões e motos invadiram a escola em Chibok, uma pequena comunidade no estado nortista de Borno, e sequestraram 300 garotas entre os 16 de 18 anos de idade.

Boko Haram assumiu a responsabilidade pelos dois ataques e o líder da seita, Shekau, prometeu vender as garotas sequestradas como escravas. O que significa toda esta intensificação da onda de ataques de Boko Haram? E quais são as tarefas à frente dos trabalhadores nigerianos? Para abordar corretamente estas questões, temos de considerar a evolução recente da insurgência.

JTF Civil e a evolução da insurgência

Boko Haram começou como uma organização legal e era, de fato, uma tendência integrante do movimento mais amplo da Sharia no norte da Nigéria, representando a ala fundamentalista mais extremista do último. Esta ala sempre teve conflitos com o islamismo moderado (ou seja, os muçulmanos liberais), que clamam retoricamente por um estado teocrático mas são, em si mesmo, muito dependentes das modernas relações de propriedade e formas políticas. Este islamismo burguês moderado objetiva dividir os trabalhadores e a juventude nigerianos ao longo de linhas religiosas para assim defender os interesses de um setor da burguesia do Norte da Nigéria.

Os islamistas fundamentalistas como o fundador de Boko Haram são reacionários de forma diferente; seu idealismo é o idealismo pequeno-burguês devotado ou à total destruição das forças produtivas modernas ou à limitação de seu alcance dentro das velhas relações de propriedade. Este conflito entre as alas moderada e extremista do movimento da Sharia explodiu na supressão sangrenta de Boko Haram e na execução sumária dos líderes da seita incluindo o seu fundador e ex-comissário do estado de Borno, Muhammad Yusuf. Isto pôs um fim ao que era até aquele momento uma atitude complacente do estado nigeriano em relação à seita; e esta passou à clandestinidade.

Como uma organização clandestina e se financiando através de roubos a bancos, extorsões e sequestros em troca de resgate, Boko Haram adotou a estratégia da guerra de guerrilha urbana; fundindo-se nas comunidades muçulmanas locais e lançando ataques contra alvos governamentais. Para criar uma base de apoio entre as comunidades muçulmanas, a seita se lançou nos velhos confrontos entre muçulmanos e cristãos e entre indígenas e colonos, particularmente na região central do Norte do país, lançando ataques suicidas contra igrejas repletas de fiéis aos domingos. O êxito operacional de previsíveis ataques contra as sedes policiais e às igrejas nos domingos estão, compreensivelmente, sujeitos à lei do rendimento decrescente, visto que as forças de segurança aproveitaram o aprendizado. Mas não foi daí que veio o maior golpe contra Boko Haram.

O ascensão dos comitês de autodefesa dos vigilantes da juventude em maio do ano passado foi um desenvolvimento notável; armados com as mais primitivas armas como porretes e facões, a chamada Força Tarefa Conjunta Civil (JTF Civil), em aliança com as fileiras das forças de segurança, expulsou os combatentes de Boko Haram com seus AK47 de Borno para as florestas. Este desdobramento ameaçou diretamente o núcleo da estratégia de guerra de guerrilha urbana dos insurgentes, isto é, sua fusão com as comunidades locais. Não somente isto, o JTF Civil, assim como as fileiras das forças de segurança com quem formaram aliança, era e é inevitavelmente multireligiosa, destroçando o núcleo da mensagem da propaganda de Boko Haram, que é o ódio e a divisão religiosa.

Qual foi a resposta da seita a esta derrota estratégica? Imediatamente ampliaram seus alvos para incluir civis muçulmanos. Isto se manifestou em assassinatos indiscriminados de motoristas e passageiros ao longo das rodovias, ataques a mercados, pilhagem de povoados e, recentemente, o bombardeio do parque de estacionamento de Nyanya e o sequestro das 300 escolares em Chibok. No próximo período, podemos esperar que os ataques de Boko Haram atinjam objetivos mais fáceis e sejam mais indiscriminados. Mas estas aumentadas atividades operativas é uma manifestação da derrota estratégica que a seita sofreu com a ascensão da JTF Civil de Borno.

A atitude de vários partidos burgueses em relação à insurgência

Imediatamente após o atentado a bomba de Nyanya que matou dúzias de pessoas e feriu muitas mais, o dominante Partido Democrático do Povo (PDP) emitiu um comunicado culpando o principal partido da oposição, o Congresso Progressista de Todos (APC). Dias mais tarde, um dos líderes do APC de oposição, o governador do estado de Adamawa, Murtala Nyako, emitiu um memorando acusando o governo federal liderado pelo PDP de planejar genocídios na região Norte.

Estas acusações e contra-acusações eram tentativas de ambos os partidos de explorar politicamente a insurgência. Este não é um comportamento acidental de alguns elementos dentro dos dois maiores partidos burgueses: é na verdade um comportamento estereotipado. Muitos elementos dentro do PDP têm dito repetidamente que Boko Haram é uma conspiração muçulmana para tirar do poder o Presidente de minoria cristã. Por outro lado, muitos elementos do APC repetidamente mencionaram que a insurgência é uma trama liderada pelo governo federal cristão para despovoar o Norte. Naturalmente, existem elementos dentro tanto do PDP quanto do APC que exigem a unidade nacional em face da insurgência. Contudo, essas vozes mais “equilibradas” e “nacionalistas” revelam sua hipocrisia por sua atitude complacente com seus colegas divisionistas.

Muitos elementos pequeno-burgueses estão ficando extremamente frustrados com este comportamento de APC e PDP e estão exigindo uma abordagem única similar à que aconteceu nos EUA em consequência dos ataques de 11 de setembro. O que esses elementos desclassificados esquecem é que nossa burguesia é extremamente atrasada e é, em grande medida, politicamente dependente dos sentimentos étnico-religiosos que os ataques de Boko Haram criam e recentemente os acontecimentos têm revelado como ela se tem convertido em mais apodrecida e degenerada.

O JTF Civil e a situação do exército permanente

A ascensão da JFL Civil produziu um efeito duplo sobre o exército permanente da Nigéria. Por um lado, os jovens vigilantes tinham formado, espontaneamente e por necessidade, uma aliança próxima com os membros rasos das forças de segurança. Mas, por outro lado, e com a condução da expulsão de Boko Haram da cidade de Borno, a JTF Civil expôs a incompetência e defeitos massivos da capacidade das forças armadas nigerianas, que são reflexos evidentes da podridão geral na sociedade como um todo. As forças de segurança da Nigéria haviam explicado anteriormente seu fracasso em esmagar a insurgência, usando as táticas de guerrilha da última como desculpa; que os insurgentes operavam no meio da população civil em uma guerra assimétrica prejudicando seriamente a capacidade do exército nigeriano de responder por medo de enormes baixas civis. Com a ascensão da JTF Civil, esta desculpa não mais se sustentava; os insurgentes agora operam abertamente em comboios de centenas de combatentes que atacam aldeias periféricas e quartéis do exército! Não somente isto; o fato de que os insurgentes tenham acampamentos na floresta de Sambisa é de conhecimento amplo. Portanto, o exército nigeriano fracassou em esmagar os insurgentes. Também tivemos casos de soldados fugindo do cenário mesmo antes de os insurgentes chegarem, como foi o caso das garotas sequestradas.

O que justifica esta grossa incompetência de um aparelho militar até então respeitado? Existem muitos informes da mídia, tanto local quanto internacional, sobre membros rasos do exército sendo desarmados pelos insurgentes. Os recrutas também se queixam de que seus pagamentos não são suficientes. Isto ocorre a despeito dos bilhões de dólares destinados à segurança. O fato é que os chefes da segurança estão engordando crescentemente com as verbas orçamentárias da segurança à custa do bem-estar das fileiras e da luta contra a insurgência. Essa corrupção dos chefes da segurança criou grandes ressentimentos entre os membros rasos da segurança. Então, lado a lado com a grossa incompetência das forças de segurança, existem tensões entre os chefes e as fileiras, assim como uma tendência em direção a uma aliança entre os últimos e a JTF Civil.

Boko Haram, luta de classes e o papel da conspiração

O zelo dos maiores partidos burgueses (PDC e APC) em explorar politicamente a insurgência e dos chefes da segurança em engordar com as verbas orçamentária da segurança, contrasta claramente com a tendência da JTF Civil de formar uma aliança com os membros rasos das forças de segurança. Isto não surpreende, uma vez que os membros do primeiro bloco (políticos burgueses e chefes da segurança) não estão de forma alguma perto do fogo das armas e das bombas dos insurgentes, enquanto os membros do segundo bloco (a JTF Civil e os membros rasos das forças de segurança) têm de confrontar o fogo dos terroristas cotidianamente. Mas uma análise mais aprofundada, esses dois blocos representam as duas classes, a dos opressores e a dos oprimidos. A lei das contradições de classe se manifesta aqui concretamente, de forma espontânea e inconsciente.

Isto nos leva à questão da espontaneidade e da conspiração com relação à insurgência Boko Haram. Para muitos elementos pequeno-burgueses, Boko Haram foi criado para embaraçar o governo federal, e isso sugere que a insurgência é conscientemente planejada pelos opositores do presidente, especialmente do setor nortista das elites dominantes. Por outro lado, há também a alegação de que a militarização da sociedade nigeriana, que a insurgência promoveu, é prova de que a última é conscientemente apoiada pelo governo federal para suprimir a oposição, especialmente na parte norte do país.

Esta espécie de pensamento vem de dois fatos cruciais: primeiro, há de fato um conflito sangrento entre o estado nigeriano e a classe dominante, por um lado, e os insurgentes, pelo outro; que o estado nigeriano realmente exterminou a liderança da seita em 2009 e continua a matar membros da seita. Isto exclui totalmente a possibilidade do estado patrocinar Boko Haram, embora alguns membros da elite dominante ainda possam, privada e secretamente, apoiar a insurgência. Segundo, se realmente havia um forte apoio operacional aos insurgentes por parte de algum setor das classes dominantes, à custa das vidas dos membros rasos das forças de segurança, teria havido motins dos últimos e possivelmente guerra civil.

Mas significa isto que os ataques de Boko Haram não beneficiam politicamente os partidos dominantes e de oposição? Não. O tipo de sentimentos étnico-religiosos que os ataques de Boko Haram geram ajuda ambos os partidos em sua busca de dividir os trabalhadores e a juventude nigerianos ao longo de linhas religiosas e étnicas. Adicionalmente, Boko Haram ao debilitar Jonathan ajuda a oposição, da mesma forma como a militarização ajuda o Presidente.

O que estamos dizendo é que este oportunismo burguês é uma expressão não de uma conspiração consciente, mas da exploração da espontaneidade que infelizmente é um pesadelo para a classe trabalhadora e os pobres. Os teóricos da conspiração são subjetivistas incapazes de trabalhar com as leis inconscientes que governam as sociedades humanas; para eles, tudo deve ser desejado e planejado; não levam em consideração as leis objetivas, que neste caso somente podem ser explicadas como luta de classes.

No entanto, deve-se dizer que o fato de que a espontaneidade pode facilmente ser confundida com conspiração é um reflexo de como facilmente uma se transforma na outra. A possibilidade, em alguma etapa, da guerra civil derivada da insurgência de Boko Haram é real sem que uma revolução socialista ocorra na Nigéria. A conspiração é a consequência lógica das contradições capitalista na Nigéria a menos que o proletariado do país se eleve a sua responsabilidade histórica.

O caminho a seguir: intervenção imperialista ou solidariedade internacional da classe trabalhadora?

A impotência tanto do regime inepto quanto da ala opositora da classe dominante nigeriana diante da insurgência, e a incompetência das forças armadas do país, é a principal razão porque a maioria dos nigerianos não se opõem à intervenção imperialista, uma vez que a elite governante nigeriana demonstrou sua completa incapacidade para enfrentar a insurgência. Os apelos à intervenção imperialista se tornaram particularmente fortes depois do sequestro bárbaro das 300 escolares a serem vendidas à escravidão sexual por Boko Haram.

Para o ativista da pequena burguesia, o imperialismo é a resposta à rude incompetência e óbvio apodrecimento do governo e dos militares nigerianos. Esta classe de gente esquece o fato de que o imperialismo americano fracassou em esmagar a insurgência islâmica no Afeganistão e no Iraque.

Para se compreender plenamente as consequências disto, há necessidade de se entender algumas particularidades sobre o norte da Nigéria. Existem enraizados movimentos fundamentalistas islâmicos tanto xiitas quanto variedades sunitas/wahhabistas com profundos vínculos na política do Oriente Médio. Houve protestos violentos em muitas cidades do norte da Nigéria em resposta à ocupação dos estadunidenses dos distantes Afeganistão e Iraque. Qualquer presença significativa de militares estadunidenses no norte inflamaria e radicalizaria ainda mais estes movimentos. Também estamos conscientes de que nem a Al-Qaeda nem Hezbolá estão carentes de combatentes internacionais que desejam lutar contra as tropas estadunidenses em qualquer lugar do mundo. Portanto, uma presença significativa de tropas estadunidenses pode levar à internacionalização do terror fundamentalista e sua reprodução em escala mais devastadora.

Dessa forma, o imperialismo não é mais efetivo na busca de uma solução duradoura para a insurgência do que o governo nigeriano. Mas será que as opções estão limitadas a se escolher entre uma burguesia inepta e um imperialismo monstruoso? Os Marxistas não pensam assim. O surgimento espontâneo da JTF Civil e sua aliança com os membros das fileiras das forças de segurança, assim como o crescente sentimento de ressentimento das fileiras dos soldados em relação aos seus comandantes; tudo isto são indicadores do caminho a seguir, ou seja, comitês de autodefesa armada dos trabalhadores e camponeses, nos bairros, locais de trabalho e aldeias, organizados em nível local, estadual e nacional, junto com a solidariedade internacional de nossos camaradas, irmãos e irmãs, os trabalhadores de todo o mundo.

Os trabalhadores organizados, isto é, o NLC e o TUC, devem dar um passo à frente e assumir a responsabilidade pela organização desses comitês de autodefesa. A JTF Civil mostrou tanto o que as massas são capazes de fazer quanto as limitações da espontaneidade para derrotar a bandidagem de Boko Haram, com porretes e facões. Embora a JTF Civil tenha expulsado Boko Haram da principal cidade de Borno, Maiduguri, somente podemos expulsá-los da Nigéria e do mundo através da resistência organizada com armas modernas, treinamento militar voluntário para os jovens e trabalhadores, eleições democráticas e o direito de remoção dos oficiais militares.

· Pelos Comitês Armados de Autodefesa dos Trabalhadores e Camponeses sob a liderança da Classe Trabalhadora.

· Não à intervenção imperialista na Nigéria, adiante com a solidariedade internacional da classe trabalhadora de todo o mundo.

· Pela reconstrução socialista da sociedade nigeriana, como um passo à frente dos Estados Unidos Socialistas da África e do Mundo.

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