Movimentos tectônicos nas relações mundiais provocam explosões vulcânicas Share TweetToda a situação mundial está dominada por uma enorme instabilidade nas relações internacionais. Este é o resultado da luta pela hegemonia entre os EUA, a nação imperialista mais poderosa do mundo, que está em declínio relativo, e outras potências menos poderosas, mas em ascensão, sobretudo a China, mais jovem e dinâmica.[Source]O declínio relativo do imperialismo dos EUA e a ascensão da China em particular criaram uma situação em que outros países podem se equilibrar entre si. Ao fazer isso, eles foram capazes de obter um mínimo de autonomia para perseguir seus próprios interesses, pelo menos em um nível regional.O que estamos testemunhando é uma mudança de proporções tectônicas na força relativa das potências imperialistas concorrentes. E como acontece com o movimento das placas tectônicas na crosta terrestre, tais movimentos são acompanhados por explosões de todos os tipos.Potências imperialistas lutando pela redivisão do mundoQuando Lênin descreveu o imperialismo em sua famosa obra Imperialismo, o Estágio Superior do Capitalismo, em 1916, ele não o concebeu como algo estático e fixo para sempre, mas sim como o resultado da luta dinâmica entre diferentes potências imperialistas (veja aqui uma discussão das principais ideias apresentadas por Lênin e sua relevância hoje):“… a única base concebível sob o capitalismo para a divisão de esferas de influência, interesses, colônias etc., é um cálculo da força dos participantes, de sua força econômica, financeira, militar geral etc. E a força desses participantes na divisão não muda em um grau igual, pois o desenvolvimento uniforme de diferentes empreendimentos, trustes, ramos da indústria ou países é impossível sob o capitalismo. […] Alianças pacíficas preparam o terreno para as guerras e, por sua vez, surgem das guerras; uma condiciona a outra, produzindo formas alternativas de luta pacífica e não pacífica sobre uma e mesma base de conexões e relações imperialistas dentro da economia mundial e da política mundial.”É precisamente isso que estamos testemunhando agora: a luta pela divisão e redivisão do mundo entre diferentes potências imperialistas. A guerra na Ucrânia – onde uma derrota humilhante para os EUA-OTAN está sendo preparada – e o crescente conflito no Oriente Médio, que ameaça se espalhar para uma guerra regional, são expressões desse conflito. Esses não são os únicos pontos de atrito nas relações mundiais.Declínio relativo do imperialismo dos EUAAo lidar com o imperialismo dos EUA, devemos, no entanto, enfatizar que seu declínio é relativo, ou seja, é apenas um declínio em comparação com sua posição anterior e em comparação com a posição de seus rivais. Os Estados Unidos continuam, em todas as medidas, a força mais poderosa e reacionária do mundo.Em 1985, os EUA representavam 34,6% do PIB mundial. Agora caiu para 26,3%, mas continua sendo a maior economia do mundo, uma das mais produtivas e aquela em que o domínio do capital financeiro é expresso de forma mais aguda.No mesmo período, a China experimentou um auge, passando de 2,5% do PIB mundial para 16,9%. O Japão, que atingiu um pico de 17,8% em 1995, agora caiu para 3,8%. Enquanto isso, a União Europeia, que estava no seu auge em 1992 (28,8%), recuou para 17,3%, refletindo o declínio constante das potências imperialistas europeias (dados do FMI, PIB a preços correntes).Os EUA ainda dominam a economia mundial por meio do controle dos mercados financeiros. Um enorme 58% das reservas cambiais do mundo são mantidos em dólares americanos (enquanto apenas dois por cento são mantidos em Renminbi chinês), embora o número esteja abaixo dos 73% em 2001. O dólar também é usado em 58% do faturamento das exportações do mundo. Em termos de saída líquida de Investimento Estrangeiro Direto (um indicador para a exportação de capital), os EUA estão no topo do mundo com US$ 454 trilhões, enquanto a China (incluindo Hong Kong) vem em segundo lugar com US$ 287 trilhões.É a influência econômica de um país que lhe dá poder internacional, mas isso precisa ser apoiado pelo poderio militar. Os gastos militares dos EUA representam 40% do total mundial, com a China em segundo lugar com 12% e a Rússia em terceiro com 4,5%. Os EUA gastam mais com o exército do que os 10 países seguintes no ranking combinados.Além de analisar a situação atual, é ainda mais importante analisar sua trajetória. Após o colapso da URSS em 1991, os EUA se tornaram a única superpotência do mundo. A invasão do Iraque em 1991 foi realizada sob os auspícios da ONU, com a Rússia votando a favor e a China simplesmente se abstendo. Quase não houve oposição à dominação do imperialismo dos EUA. Isso seria impensável hoje.O domínio dos EUA atingiu seus limites. O imperialismo dos EUA ficou empantanado por 15 anos em duas guerras impossíveis de ganhar no Iraque e no Afeganistão, a um grande custo para si mesmo em termos de gastos e perda de pessoal. Em agosto de 2021, foi forçado a uma retirada humilhante do Afeganistão.Essas guerras custosas e prolongadas deixaram o público dos EUA sem apetite por aventuras militares externas, e a classe dominante dos EUA muito desmotivada de comprometer tropas terrestres no exterior. No entanto, o imperialismo dos EUA não aprendeu nada com a experiência. Ao se recusar a admitir o novo equilíbrio de forças e tentar manter sua dominação, ele se envolveu em uma série de conflitos que não pode ganhar.A recusa dos EUA em usar tropas terrestres após as experiências do Iraque e do Afeganistão foi uma grande desvantagem em termos de sua capacidade de intervir na guerra civil síria, por exemplo. Em 2012, Obama anunciou que o uso de armas químicas por Assad seria uma “linha vermelha” e ameaçou intervir diretamente. Mas como ele não estava preparado para dar continuidade às suas ameaças com uma intervenção militar decisiva no terreno, foi a Rússia que se tornou o principal mediador de poder naquele conflito.Os EUA intervieram na guerra civil síria, mas o fizeram principalmente por meio de procuradores em vez de comprometer suas próprias tropas, como o fizeram no Iraque e no Afeganistão. Várias outras potências regionais também intervieram, cada uma defendendo seus próprios interesses e querendo dividir a Síria (Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos, Irã, Turquia) armando e financiando diferentes grupos de gangues fundamentalistas islâmicas reacionárias.O imperialismo russo se comprometeu a defender seu aliado, Assad, e sua única base naval no Mediterrâneo. Enviou tropas terrestres, defesa aérea e caças. Dessa forma, forçou a Turquia (membro da OTAN) a um acordo e derrotou as forças jihadistas financiadas pelos EUA e outras potências regionais. Tal resultado, em uma região geoestratégica muito importante como o Oriente Médio, teria sido impensável 10 anos antes.Um novo equilíbrio de forças no Oriente Médio resultou disso. O Irã saiu fortalecido, com uma série de aliados regionais: Hamas, Hezbollah, as milícias xiitas no Iraque e os Houthis no Iêmen. Turquia, Arábia Saudita e os Estados do Golfo reconheceram a nova situação e agiram de acordo. A Síria foi readmitida na Liga Árabe. Um acordo Irã-Arábia Saudita, mediado pela China, pôs fim à guerra no Iêmen. A China, que é o maior importador de petróleo do mundo, emergiu como o maior cliente das exportações de energia dos estados do Golfo.A vantagem conquistada pela Rússia na Síria veio ao mesmo tempo em que as relações dos EUA com a Arábia Saudita, seu aliado-chave na região, azedaram. Houve uma série de fatores envolvidos nisso: a incapacidade de Washington de manter Mubarak no poder no Egito durante a revolução árabe; o desenvolvimento da produção de óleo de xisto nos EUA, que o tornou um concorrente das exportações de petróleo sauditas; o conflito sobre a morte de Khashoggi; a China faminta por energia se tornando o principal mercado de exportação para seu petróleo, etc.A Arábia Saudita foi então pressionada a desenvolver uma política mais independente, incluindo: ajudar a Rússia a manter os preços do petróleo altos para superar as sanções dos EUA sobre a guerra na Ucrânia; fechar um “acordo de parceria estratégica abrangente” com a China; e concordar com um acordo de paz com o Irã mediado pela China.Era assim que as coisas estavam antes do ataque de 7 de outubro pelo Hamas em 2023. Lidaremos com o conflito atual no Oriente Médio mais adiante.A ascensão da China como potência imperialistaA China não é apenas um país capitalista; é um país capitalista que se tornou imperialista. Como um recém-chegado à arena internacional, projetou seu poder principalmente por meios econômicos, mas também está construindo seu poder militar. Ela buscou controlar fontes de matérias-primas e energia para sua indústria, campos de investimento para seu capital, rotas comerciais para suas importações e exportações e mercados para seus produtos.A ascensão da China ao status de uma grande potência imperialista durante os últimos trinta anos, que analisamos em outras ocasiões, foi o resultado de um investimento massivo nos meios de produção e da dependência dos mercados mundiais. Inicialmente, ela aproveitou suas grandes reservas de mão de obra barata para exportar bens como têxteis e brinquedos para o mercado mundial. Agora é uma economia capitalista tecnologicamente avançada que tem uma posição dominante em uma série de setores modernos de alta tecnologia (veículos elétricos e baterias EV, células fotovoltaicas etc.), mas também exporta capital.Agora, está chegando aos seus próprios limites. A China está enfrentando uma crise clássica de superprodução capitalista e o impacto da crescente composição orgânica do capital. Ao mesmo tempo, as exportações chinesas estão enfrentando barreiras tarifárias e protecionismo em um momento em que a expansão do comércio mundial se deteve. A mesma quantidade de investimento não produz mais a mesma quantidade de crescimento econômico, e o que produz é mais difícil de vender no mercado mundial.A economia chinesa ainda está crescendo, mas a um ritmo muito mais lento. Desde 1990, a China cresceu a um ritmo de tirar o fôlego de nove por cento ao ano, com picos de 14 por cento. Entre 2012 e 2019, cresceu entre seis e sete por cento. Agora luta para atingir cinco por cento.Pacotes massivos de estímulo econômico – medidas keynesianas – impediram uma queda mais acentuada. Mas este é um caso de rendimentos decrescentes, e eles também têm o efeito colateral de aumentar massivamente a dívida.A relação dívida/PIB da China era de apenas 23% em 2000 e agora aumentou para 83%, em 2023. Embora permaneça em nível inferior ao da maioria das economias capitalistas avançadas, ainda assim é um aumento significativo. De acordo com alguns cálculos, a dívida total (incluindo dívida estatal, famílias, corporações e veículos financeiros dos governos locais) alcançaria até 297% do PIB, uma cifra claramente insustentável.Em alguns aspectos, a evolução econômica da China nas últimas três décadas se assemelha à do Japão. O Japão cresceu muito rapidamente na década de 1960, com uma média de crescimento do PIB de 10% ao ano, e depois desacelerou nas décadas de 1970 e 80. Então, entrou em um período prolongado de crise e estagnação em 1992, do qual nunca se recuperou, apesar dos sucessivos planos de estímulo massivo.Isso não quer dizer que a China seguirá exatamente o mesmo caminho daqui para frente, e é claro que há diferenças importantes entre os dois países. Mas o que isso sugere é que, tendo atingido um patamar, será muito difícil para o capitalismo chinês recuperar as taxas de crescimento que experimentou no passado.Enquanto isso, uma classe trabalhadora massiva foi criada na China, uma classe trabalhadora que se acostumou a um aumento constante em seus padrões de vida por um período prolongado. Esta é uma classe trabalhadora jovem e fresca, não sobrecarregada por derrotas e não limitada por organizações reformistas. Quando começar a se mover, provocará uma explosão de proporções sísmicas.RússiaA Rússia é uma potência imperialista muito menor. É economicamente muito menor que a China, mas construiu um exército e uma indústria de defesa poderosos, e possui o arsenal nuclear que herdou da URSS.Após o colapso da União Soviética e o saque em massa da economia planejada, a classe dominante russa jogou com a ideia de ser aceita na mesa mundial em termos iguais. Eles inclusive flertaram com a ideia de se juntar à OTAN. Isso foi recusado. Os EUA queriam exercer dominação completa e irrestrita sobre o mundo e não viam a necessidade de incluir uma Rússia fraca e em crise. Yeltsin, um bêbado bufão e um fantoche do imperialismo dos EUA, foi um dos representantes daquele período.A humilhação da Rússia foi revelada de forma manifesta, primeiro quando a Alemanha e os EUA arquitetaram a dissolução reacionária da Iugoslávia, na esfera de influência tradicional da Rússia, e depois com o bombardeio da Sérvia em 1995. E concluiu com o impasse entre tanques russos e forças da OTAN no aeroporto de Pristina em 1999.O capitalismo russo, no entanto, se recuperou da crise econômica. Começou a reagir contra o avanço da OTAN para o leste, um movimento que rompia com todas as promessas feitas aos russos em 1989. A classe dominante e o aparato estatal russos não estavam mais dispostos a aceitar sua humilhação na arena internacional e começaram a fazer valer seu peso. Este novo período produziu Putin, o bonapartista astuto e manobrista, que usou métodos de gangster para impor sua vontade.Em 2008, travou uma guerra curta e eficaz na Geórgia, destruindo o exército do país que havia sido treinado e equipado pela OTAN. Esse foi o primeiro tiro de advertência. A Síria foi o próximo.A fraqueza relativa do imperialismo dos EUA ficou ainda mais evidente com sua retirada humilhante do Afeganistão (agosto de 2021). Foi nesse contexto que a classe dominante russa disse “chega” e buscou reafirmar seus interesses estratégicos nacionais, contra 25 anos de interferências imperialistas dos EUA em sua esfera de interesses. A guerra civil na Ucrânia serviu para testar na prática a força relativa do imperialismo russo no cenário internacional.A invasão russa da Ucrânia foi a conclusão lógica da recusa do Ocidente em aceitar as preocupações de segurança nacional da Rússia, expressas na demanda de neutralidade para a Ucrânia e na interrupção da expansão da OTAN para o leste.Do ponto de vista do imperialismo dos EUA, a guerra na Ucrânia era desnecessária. O Ocidente nunca considerou seriamente a ideia da Ucrânia se juntar à OTAN, pois sabia que isso significaria um conflito frontal com a Rússia. Mas se recusaram obstinadamente a aceitar isso formalmente, pois isso seria visto como um sinal de fraqueza diante da Rússia. O imperialismo dos EUA e a OTAN estavam totalmente cientes de que essa era uma linha vermelha do ponto de vista dos interesses de segurança nacional do capitalismo russo.Mais tarde, em abril de 2022, as negociações na Turquia entre a Ucrânia e a Rússia estavam bastante avançadas e poderiam ter levado ao fim da guerra, com base na aceitação de uma série de demandas russas. O imperialismo ocidental, na pessoa de Boris Johnson, fez naufragar as negociações, pressionando Zelensky a não assinar, com a promessa de apoio ilimitado que levaria à vitória total da Ucrânia.O imperialismo dos EUA pensou que poderia usar a Ucrânia como bucha de canhão em uma campanha para enfraquecer a Rússia e prejudicar seu papel no mundo. Um país como a Rússia, um rival do imperialismo dos EUA, não poderia invadir um país que era aliado dos EUA. Washington também queria enviar uma mensagem clara à China com respeito a Taiwan. Em um ponto, Biden, inflado por sua própria arrogância, até levantou a ideia de mudança de regime em Moscou! Eles pensaram que sanções econômicas e exaustão militar levariam a Rússia ao ponto do colapso.Hoje, os EUA enfrentam uma derrota humilhante na Ucrânia. As sanções não tiveram o efeito desejado. Em vez de a Rússia ficar isolada, ela agora estabeleceu laços econômicos mais próximos com a China, e vários países que deveriam estar na esfera de influência dos EUA a ajudaram a contornar as sanções: Índia, Arábia Saudita, Turquia e outros.China e Rússia agora se tornaram aliadas muito mais próximas em sua oposição à dominação dos EUA no mundo, e reuniram ao seu redor uma série de outros países. Quando a derrota dos EUA na Ucrânia se tornar realidade, isso terá consequências enormes e duradouras para as relações mundiais, enfraquecendo ainda mais o poder do imperialismo dos EUA em todo o mundo. Está claro quais conclusões a China tirará disso em relação a Taiwan.A derrota dos EUA na Ucrânia enviará uma mensagem poderosa. A potência imperialista mais poderosa do mundo nem sempre pode impor sua vontade. Além disso, a Rússia emergirá da guerra com um grande exército, veterano nos métodos e técnicas mais recentes da guerra moderna.Guerra no Oriente MédioO conflito atual no Oriente Médio só pode ser compreendido no contexto da situação mundial. O imperialismo dos EUA foi enfraquecido no Oriente Médio, enquanto a Rússia, a China e também o Irã se fortaleceram. Israel se sentiu ameaçado. O ataque de 7 de outubro foi um golpe sério para a classe dominante israelense. Ele destruiu o mito da invencibilidade e questionou a capacidade do estado sionista de proteger seus cidadãos judeus, a questão-chave que a classe dominante israelense usa para reunir a população em seu apoio.Ele também expôs claramente o colapso dos Acordos de Oslo, assinados após o colapso do stalinismo, quando parecia possível resolver os conflitos do mundo por meio de negociação. A classe dominante sionista nunca realmente entreteve qualquer ideia de conceder aos palestinos uma pátria viável. Eles consideravam a Autoridade Nacional Palestina (AP) simplesmente como uma forma de terceirizar o policiamento dos palestinos. Isso desacreditou o Fatah e a AP, vistos corretamente como meros fantoches de Israel, levando, com a aquiescência de Israel, à ascensão do Hamas, visto como a única força que persegue a luta pelos direitos nacionais palestinos.Os Acordos de Abraham, assinados em 2020, tinham como objetivo estabelecer a posição de Israel na região como um ator legítimo e normalizar as relações comerciais entre ele e os países árabes. Isso significaria o enterro das aspirações nacionais palestinas, algo que os regimes árabes reacionários ficariam muito felizes em fazer. O ataque de 7 de outubro foi a resposta desesperada a isso.O ataque foi usado por Netanyahu, que havia enfrentado protestos em massa imediatamente antes, como uma desculpa para lançar uma campanha genocida contra Gaza. Um ano depois, Israel ainda não havia alcançado seus objetivos declarados: a libertação dos reféns e a destruição do Hamas. Isso levou a manifestações em massa de centenas de milhares e até mesmo a uma breve greve geral.O caráter dessas manifestações não foi de apoio à causa palestina, nem de oposição à guerra em si, mas o fato de que houve tal grau de oposição em massa ao primeiro-ministro em meio à guerra é uma indicação da profundidade das divisões dentro da sociedade israelense.O colapso de seu apoio levou Netanyahu a escalar a situação com a invasão do Líbano e com um ataque ao Hezbollah, que foi acompanhado por constantes provocações contra o Irã. Para se salvar politicamente, ele mostrou repetidamente que estava preparado para desencadear uma guerra regional que forçasse os EUA a intervir diretamente ao seu lado.Washington temia que o massacre em Gaza pudesse levar à desestabilização revolucionária dos regimes árabes reacionários (na Arábia Saudita, Egito e, acima de tudo, na Jordânia), que não levantaram um dedo em apoio aos palestinos. É por isso que eles fizeram gestos públicos de tentar conter Netanyahu. No entanto, desde o início, Biden deixou claro que seu apoio a Israel era “férreo”, e Netanyahu usou esse cheque em branco repetidamente para continuar no caminho da escalada em direção a uma guerra regional.Que os estreitos interesses pessoais de um homem possam ter um efeito tão descomunal nos eventos é um reflexo da enorme instabilidade de toda a situação mundial. A classe dominante nem sempre é capaz de agir de forma racional, em seus próprios interesses. Os EUA, desafiados por potências rivais e relutantes em admitir seu papel cada vez menor no mundo, seguem uma política desesperada (na Ucrânia e no Oriente Médio), que acabará levando ao desastre.A Rússia, ante as provocações constantes por parte do imperialismo dos EUA na Ucrânia (a entrega de armas cada vez mais modernas, permitindo ataques profundos em território russo, etc.), respondeu de forma recíproca e proporcional aumentando seu apoio ao Irã e também aos Houthis. A Rússia possui tecnologia avançada de mísseis hipersônicos e sistemas de defesa aérea superiores, que podem ser úteis aos inimigos dos EUA na região.Em período recente, o regime iraniano ficou enfraquecido internamente devido aos protestos em massa e ao crescimento econômico mais lento do que a média. Antes dos ataques imprudentes de Netanyahu ao Irã, o país buscava acomodação com o Ocidente para chegar a um acordo sobre o desenvolvimento nuclear, o que poderia acabar com as sanções.A situação agora foi completamente revertida. O Irã tem um forte incentivo para acelerar o desenvolvimento de armas nucleares. A equação é simples. Nem o Iraque nem a Líbia tinham armas de destruição em massa. Foram esmagados pelo imperialismo e seus líderes mortos. A Coreia do Norte, por outro lado, possui armas nucleares e por essa mesma razão o imperialismo dos EUA não a atacou.Um setor da classe dominante israelense acha que pode usar a desculpa do ataque do Hamas em 7 de outubro para enfraquecer e degradar seus inimigos (Hamas, Hezbollah e Irã) arrastando os EUA para uma guerra regional. Claramente, eles se prepararam para atacar o Hezbollah acumulando inteligência desde que foram forçados a sair do Líbano no final da invasão de 2006. A experiência passada mostra que é impossível esmagar completamente organizações como o Hamas e o Hezbollah, que obtêm seu apoio do fato de que estão resistindo à agressão militar estrangeira e à ocupação.O Hezbollah surgiu como resultado da invasão israelense do Líbano em 1982, e o Hamas como resultado da traição da OLP pela Fatah. Ataques aéreos e ataques liderados por inteligência às comunicações e à liderança podem infligir danos sérios, mas não podem realmente destruí-los. O bombardeio aéreo precisa ser seguido por operações terrestres, com tropas. Essas tropas estão expostas a táticas de guerrilha, emboscadas e estão lutando em território inimigo, onde as forças de defesa têm uma vantagem, bem como o apoio da população. A brutalidade dos métodos de Israel, juntamente com os ataques indiscriminados à população civil e à infraestrutura, agemcomo agências de recrutamento para essas organizações.O colapso repentino e inesperado do regime de Assad na Síria mudou o equilíbrio regional de forças mais uma vez. A Turquia é uma potência capitalista menor em termos de economia mundial, mas tem grandes ambições regionais. Erdogan tem jogado muito habilmente no conflito entre o imperialismo dos EUA e a Rússia em seu próprio benefício. Um exemplo disso é sua tentativa de adquirir o mais sofisticado sistema de defesa aérea russo, enquanto continua a cortejar os EUA pelos mais recentes caças.Sentindo que o Irã e a Rússia, com quem Erdogan fez um acordo na Síria em 2016, estavam comprometidos em outros eventos (Rússia na Ucrânia e Irã no Líbano), ele tentou intimidar Assad para lhe dar uma fatia maior do bolo sírio. Quando Assad recusou, Erdogan decidiu apoiar a ofensiva dos jihadistas do HTS desde Idlib. Para a surpresa de todos, isso precipitou o colapso completo do regime. O grau em que o regime já se encontrava enfraquecido pelas sanções econômicas, pela corrupção e pelo sectarismo era muito maior do que havia se imaginado.A queda de Assad é um golpe para a posição e o prestígio tanto da Rússia, como uma potência mundial menor, quanto do Irã, como uma potência regional. Agora, Erdogan se sente fortalecido e pressionará ainda mais contra os curdos no nordeste da Síria. Netanyahu, encorajado pelo enfraquecimento do Irã e pelos golpes infligidos ao Hezbollah no Líbano, tentará agora reafirmar os interesses de Israel em relação ao Hamas, mas também na Cisjordânia, nas Colinas de Golã e ainda mais para dentro da Síria.A atual divisão da Síria é a continuação de mais de 100 anos de intromissão imperialista desde o acordo Sykes-Picot.Em última análise, não pode haver paz no Oriente Médio enquanto a questão nacional palestina não for resolvida. Isso não pode ser feito sob o capitalismo. Os interesses da classe dominante sionista em Israel (apoiada pela potência imperialista mais poderosa do mundo) não permitem a formação de uma pátria genuína para os palestinos, e muito menos o direito de retorno de milhões de refugiados.De um ponto de vista puramente militar, os palestinos não podem derrotar Israel, uma potência imperialista capitalista moderna com uma sofisticada tecnologia militar e um serviço de inteligência inigualável. A luta palestina precisa de aliados, e estes podem ser encontrados na poderosa classe trabalhadora da região, no Egito e na Turquia acima de tudo, mas também na Arábia Saudita, nos estados do Golfo e na Jordânia. Uma revolta bem-sucedida em qualquer um desses países, levando a classe trabalhadora ao poder, criaria as condições para uma guerra revolucionária para libertar os palestinos.O estado de Israel e sua classe dominante sionista só podem ser derrotados dividindo a população do país em linhas de classe. No momento, a perspectiva de uma divisão de classe em Israel parece distante. No entanto, o ataque de 7 de outubro, combinado com guerra e conflito constantes, pode eventualmente levar uma parte das massas israelenses a tirar a conclusão de que o único caminho para a paz é por meio de uma solução democrática para a questão nacional palestina.Guerras no Oriente Médio não resolverão nada. Sob o domínio do imperialismo, cessar-fogo temporário e acordos de paz apenas prepararão a base para novas guerras. Mas a instabilidade geral que é tanto a causa das guerras quanto sua consequência criará as condições para um movimento revolucionário das massas no próximo período. Se esse movimento fosse liderado por um partido marxista consciente — isto é, internacionalista proletário —, ele poderia cortar o nó emaranhado de contradições aparentemente insolúveis e apontar para a única solução duradoura possível: a Federação Socialista do Oriente Médio.Os palestinos só podem alcançar a libertação nacional como parte da revolução socialista na região. O mesmo pode ser dito para os curdos, agora sob ataque em Rojava. Apenas uma federação socialista pode resolver a questão nacional de uma vez por todas. Todos os povos, palestinos e judeus israelenses, mas também curdos e todos os demais, teriam o direito de viver em paz dentro de tal federação socialista. O potencial econômico da região seria realizado ao máximo sob um plano socialista comum de produção. Desemprego e pobreza seriam coisas do passado. Somente com base nisso, os velhos ódios nacionais e religiosos poderiam ser superados. Eles seriam como a lembrança de um pesadelo.Revolta contra os EUAComo explicamos, há uma luta pela redivisão do mundo entre diferentes potências imperialistas concorrentes, principalmente entre os EUA, o antigo hegemon, agora em relativo declínio, e a China, a nova potência dinâmica em ascensão desafiando-a na arena internacional.A ascensão dos BRICS, que foram formalmente lançados em 2009, representa uma tentativa da China e da Rússia de fortalecer sua posição na arena mundial, proteger seus interesses econômicos e vincular firmemente uma série de países à sua esfera de influência.A implementação de sanções econômicas de amplo alcance pelo imperialismo dos EUA contra a Rússia fracassou em seu objetivo principal de enfraquecer seu rival a ponto de tornar impossível prosseguir com a guerra na Ucrânia. Ao elaborar mecanismos para evitar e superar as sanções, a Rússia fez uma série de alianças com outros países, incluindo Arábia Saudita e Índia, e foi levada a uma cooperação econômica muito mais próxima com a China.Em vez de demonstrar o poder dos EUA, o fracasso das sanções revelou a incapacidade do imperialismo dos EUA de impor sua vontade e levou vários países a considerarem alternativas à dominação dos EUA nas transações financeiras. A filiação ao BRICS se expandiu com novos países sendo convidados ou se candidatando a aderir, incluindo vários supostamente aliados ou subordinados ao imperialismo dos EUA.Ao lidar com essa questão, precisamos ter senso de proporção. Por mais importantes que essas mudanças sejam, os BRICS estão cheios de todo tipo de contradições. O Brasil, embora faça parte dos BRICS, também faz parte do Mercosul, que está em processo de assinatura de um acordo de livre comércio com a UE. Várias empresas brasileiras de destaque são negociadas na NYSE. A Índia é um membro central dos BRICS, mas ao mesmo tempo tem uma “parceria estratégica” com os EUA. Também faz parte da aliança militar e de segurança Quad com os EUA, Japão e Austrália, e sua marinha realiza exercícios militares regulares com os EUA.O grau de integração política e econômica dos países BRICS ainda é muito fraco. Além disso, apesar de toda a conversa, eles estão muito longe de terem estabelecido um meio alternativo de transações financeiras internacionais, ou uma alternativa à dominação do dólar americano no sistema financeiro mundial.O que é significativo aqui é que um país como a Índia, que é considerado um aliado dos EUA e rival da China, desempenhou um papel importante em ajudar a Rússia a contornar as sanções dos EUA. A Índia compra petróleo russo com desconto e depois o revende para a Europa na forma de produtos refinados a um preço mais alto. Por enquanto, os EUA decidiram não tomar medidas contra a Índia. Em 2023, a China se tornou o principal parceiro comercial da Índia, desalojando os EUA do primeiro lugar.Até agora, os BRICS não são mais do que uma aliança frouxa de países, cada um com seus próprios interesses. A Índia, por exemplo, está relutante em permitir novos membros no BRICS, pois isso diminuiria seu peso dentro do bloco. A intimidação imperialista dos Estados Unidos contra seus rivais é o que os está aproximando e encorajando outros a se juntarem.Crise na EuropaEnquanto os EUA sofreram um declínio relativo em sua força e influência globalmente, as antigas potências imperialistas europeias, Grã-Bretanha, França, Alemanha e outras, decaíram muito mais desde seus antigos dias de glória, para potências de segunda categoria. Vale a pena notar que a Europa, como um bloco imperialista, foi particularmente enfraquecida na última década. Uma série de golpes militares deslocou a França da África Central e do Sahel, em benefício da Rússia.As potências europeias seguiram entusiasticamente o imperialismo dos EUA em sua guerra por procuração na Ucrânia contra a Rússia, algo que ia diretamente contra seus próprios interesses. Desde o colapso do stalinismo em 1989-91, a Alemanha seguiu uma política de expansão de sua influência para o Leste, seguindo uma orientação de longa data de sua política externa, e estabeleceu laços econômicos estreitos com a Rússia.A indústria alemã se beneficiou da energia russa barata. Antes da guerra na Ucrânia, mais da metade do gás natural da Alemanha, um terço de todo o petróleo e metade das importações de carvão da Alemanha vinham da Rússia.Esta foi uma das razões para o êxito da indústria alemã no período anterior, as outras duas sendo a desregulamentação do mercado de trabalho (realizada sob governos social-democratas) e um alto grau de investimento produtivo. A dominação da União Europeia pela classe dominante alemã e o livre comércio com a China e os EUA formaram um círculo virtuoso.A situação era semelhante para a UE como um todo em relação ao fornecimento de energia, com a Rússia sendo o maior fornecedor de petróleo (24,8%), gás através de gasoduto (48%) e carvão (47,9%). Foi uma bobagem os capitalistas europeus declararem sanções à Rússia. Isso levou a preços de energia muito mais altos, com um efeito cascata na inflação e na perda de competitividade das exportações europeias.No final, a Europa teve que importar gás natural liquefeito (GNL) muito mais caro dos EUA e produtos petrolíferos russos muito mais caros via Índia. Na verdade, uma grande parte do gás da Alemanha ainda vem da Rússia, só que agora via terceiros países, a um preço muito mais alto.As classes dominantes alemã, francesa e italiana deram um tiro no próprio pé e agora estão pagando um preço alto. Os Estados Unidos reembolsaram seus aliados europeus travando uma guerra comercial contra eles por meio de uma série de medidas protecionistas e subsídios industriais.A União Europeia representou uma tentativa das potências imperialistas enfraquecidas do continente de se unirem na esperança de ter mais voz na política mundial e na economia. Na prática, o capital alemão dominou as outras economias mais fracas. Embora tenha havido crescimento econômico, um certo grau de integração econômica foi alcançado e até mesmo uma moeda única.No entanto, as diferentes classes dominantes nacionais que a compunham continuaram existindo, cada uma com seus próprios interesses particulares. Apesar de toda a conversa, não há uma política econômica comum, nenhuma política externa única e nenhum exército único para implementá-la. Enquanto o capital alemão estava baseado nas exportações industriais competitivas e seus interesses estavam no Leste, a França obtém da UE grandes quantias em subsídios agrícolas, e seus interesses imperialistas podem ser encontrados nas antigas colônias francesas, principalmente na África.A crise da dívida soberana que se seguiu à recessão mundial de 2008-9 levou a UE aos seus limites. Agora, a situação piorou ainda mais. O relatório recente do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que já analisamos, pinta a crise do capitalismo europeu em termos alarmistas, mas não se equivoca. No fundo, a razão pela qual a UE não é capaz de competir com seus rivais imperialistas no mundo é o fato de que ela não é uma entidade econômica-política única, mas sim uma coleção de várias economias pequenas e médias, cada uma com sua própria classe dominante, suas próprias indústrias nacionais, conjuntos de regulamentações etc.A crise do capitalismo europeu tem importantes implicações políticas e sociais. A ascensão de forças populistas de direita, eurocéticas e anti-establishment em todo o continente é um resultado direto disso. O colapso dos governos francês e alemão são as últimas manifestações dessa crise. A classe trabalhadora europeia, com suas forças amplamente intactas e não derrotadas, não aceitará uma nova rodada de cortes de austeridade e demissões em massa sem lutar. O cenário está pronto para uma explosão da luta de classes.Corrida armamentista e militarismoHistoricamente, qualquer mudança significativa na força relativa de diferentes potências imperialistas tendia a ser resolvida por meio da guerra, principalmente as duas guerras mundiais do século XX. Hoje, a existência de armas nucleares torna uma guerra mundial aberta muito improvável no próximo período.Os capitalistas vão à guerra para garantir mercados, campos de investimento, esferas de influência. Uma guerra mundial hoje levaria à destruição total de infraestrutura e vida, da qual nenhuma potência se beneficiaria. Seria necessário um líder bonapartista enlouquecido, governando uma grande potência nuclear, para que uma guerra mundial acontecesse. Isso exigiria uma ou várias derrotas decisivas da classe trabalhadora, o que não é a perspectiva imediata à nossa frente.No entanto, o conflito entre potências imperialistas, que reflete a luta para afirmar uma nova redivisão do planeta, domina a situação mundial. Isso se expressa em várias guerras regionais, causando destruição massiva e dezenas de milhares de pessoas mortas, bem como em tensões comerciais e diplomáticas, que estão crescendo o tempo todo. O ano passado foi marcado pelo maior número de guerras desde o fim da Segunda Guerra Mundial.Isso levou a uma nova corrida armamentista, ao crescimento do militarismo nos países ocidentais e ao aumento da pressão para reconstruir, reequipar e modernizar as forças armadas em todos os lugares. Os Estados Unidos devem gastar cerca de US$ 1,7 trilhão ao longo de 30 anos para renovar seu arsenal nuclear. Agora, eles decidiram implantar mísseis de cruzeiro em solo alemão pela primeira vez desde a Guerra Fria.Há uma forte pressão dos EUA sobre todos os países da OTAN para aumentar seus gastos com defesa. A China anunciou um aumento de 7,2% nos gastos com defesa. Em 2023, os gastos militares da Rússia cresceram 27%, atingindo 16% do gasto total do governo e 5,9% do PIB. Os gastos militares globais em 2023 atingiram mais de US$ 2,44 trilhões, um aumento de 6,8% em relação a 2022. Este foi o maior aumento desde 2009 e o nível mais alto já registrado.Essas são quantias de dinheiro de dar vertigens, sem falar da força de trabalho e do desenvolvimento tecnológico, que poderiam ser usadas para propósitos socialmente necessários. Este é um ponto que precisamos enfatizar em nossa propaganda e agitação.Seria simplista dizer que os capitalistas embarcam em uma nova corrida armamentista para impulsionar o crescimento econômico. Na verdade, os gastos com armas são inerentemente inflacionários e qualquer efeito na economia será de curto prazo e compensado por cortes em outros setores. O conflito entre potências imperialistas pela redivisão do mundo é o que está alimentando o aumento dos gastos militares. O capitalismo em seu estágio imperialista inevitavelmente leva a conflitos entre as potências e, finalmente, à guerra.A luta contra o militarismo e o imperialismo se tornou uma questão central em nossa época. Somos ferrenhos oponentes das guerras imperialistas e do imperialismo, mas não somos pacifistas. Devemos enfatizar que a única maneira de garantir a paz é a abolição do sistema capitalista que gera a guerra.Reversão da globalizaçãoNa esfera da economia, a competição crescente por mercados e campos de investimento em um momento de crise econômica levou ao surgimento de tendências protecionistas.A “globalização” (a expansão do comércio mundial) foi um dos principais motores do crescimento econômico por todo um período após o colapso do stalinismo na Rússia e a restauração do capitalismo na China, combinado com sua integração na economia mundial. Em vez disso, o que temos agora são barreiras tarifárias e guerras comerciais, entre todos os principais blocos econômicos (China, UE e EUA), cada um tentando salvar sua própria economia às custas dos outros. “Tarifa é a palavra mais bonita do dicionário!”, exclamou Donald Trump.Em 1991, o comércio mundial representava 35% do PIB mundial, um número que permaneceu basicamente inalterado desde 1974. Então, começou um período de rápido crescimento para um pico de 61% em 2008, refletindo uma integração acentuadamente maior da economia mundial. Este não foi, é claro, um processo neutro do qual todos os países se beneficiaram. A redução das barreiras tarifárias entre os EUA e o México beneficiou o capital dos EUA e destruiu a agricultura mexicana, por exemplo.Desde a crise de 2008, o comércio mundial como porcentagem do PIB mundial permaneceu estagnado. O FMI projeta que o comércio mundial cresça apenas 3,2% ao ano no médio prazo, um ritmo bem abaixo de sua taxa média anual de crescimento em 2000-19 de 4,9%. A expansão do comércio mundial não é mais um motor de crescimento econômico no mesmo nível que era no passado.Em 2023, governos em todo o mundo introduziram 2.500 medidas protecionistas (incentivos fiscais, subsídios direcionados e restrições comerciais), o triplo do número de cinco anos antes. As tarifas dos EUA sobre produtos chineses aumentaram seis vezes para 19,3%; no caso de veículos elétricos, os EUA impuseram tarifas sobre importações chinesas de 100%.Durante a primeira presidência de Trump, os EUA adotaram uma postura protecionista agressiva, não apenas contra a China, mas também contra a UE. Essa política continuou sob Biden. Ela promulgou uma série de leis (CHIPS, o chamado Inflation ReductionAct, etc.) e medidas destinadas a beneficiar a produção dos EUA às custas das importações do resto do mundo.Vamos lembrar que depois de 1929 houve uma virada geral em direção ao protecionismo que levou o mundo da recessão econômica para uma depressão. O volume de comércio global havia caído 25% entre 1929 e 1933, e grande parte disso foi resultado direto do aumento das barreiras comerciais.Um mundo multipolar?É neste contexto de crescentes tensões inter-imperialistas que Donald Trump venceu a eleição presidencial dos EUA. Seu programa “America First” reflete essas contradições nas relações mundiais.É difícil prever quais serão as políticas de Trump, mas seu objetivo declarado de reduzir o envolvimento direto dos EUA nos conflitos ao redor do mundo parece ser um reconhecimento da força real e relativamente reduzida do imperialismo dos EUA. Sua ideia de oferecer uma mão amiga à Rússia de Putin, para poder se concentrar melhor no principal rival dos EUA, a China, também, na superfície, faz mais sentido do que as provocações imprudentes de Biden.No entanto, quaisquer que sejam as intenções de Trump, o imperialismo dos EUA é a superpotência mundial dominante. Ele não pode se desvencilhar disso, porque qualquer recuo real de Washington na arena mundial seria uma vitória para seus rivais. Como Lenin explicou, a redivisão do mundo pelas potências imperialistas com base em sua força relativa cambiante será efetuada não tanto por meio de acordos de cavalheiros, mas sim por meio da “luta pacífica e não pacífica”.Alguns sugeriram que a atual situação mundial está levando a um mundo “multipolar”, no qual a força reduzido do imperialismo dos EUA supostamente criará um equilíbrio entre diferentes poderes, que se respeitarão e resolverão seus problemas por meio do diálogo pacífico. Dizem-nos que este é, de alguma forma, um objetivo progressista que a classe trabalhadora e os povos dominados pelo imperialismo do mundo devem aspirar, talvez até lutar por ele.Nada poderia estar mais longe da verdade. O que vemos não é a luta para estabelecer um sistema mundial mais justo, mas sim a luta entre diferentes ladrões imperialistas pela divisão do saque. Pergunte-se ao povo da Síria se eles acham que a luta entre potências regionais e mundiais concorrentes em suas terras levou a um resultado progressista. Pergunte-se aos pobres do Congo se a luta da China pela riqueza mineral de seu país levou à paz e prosperidade. Pergunte-se à classe trabalhadora da Ucrânia se a provocação de Washington à Rússia fortaleceu a soberania nacional.Não. Não há nada de progressista em substituir a dominação brutal e predatória do imperialismo norte-americano pela dominação de várias potências imperialistas lutando entre si pelos cadáveres de centenas de milhares de trabalhadores e pobres, e milhões de deslocados.A dominação do imperialismo só pode ser superada de forma progressista por meio da derrubada revolucionária do capitalismo e da chegada ao poder da classe trabalhadora. Só então seria possível criar uma sociedade genuinamente justa, na qual os meios de produção que a humanidade criou ao longo de milhares de anos seriam mantidos em propriedade comum, aproveitados sob um plano democrático de produção para satisfazer as necessidades da maioria, não a sede privada insaciável por lucros de uma minoria parasitária.