Por uma moral socialista no Bloco de Esquerda Portuguese Share Tweet O Texto que se segue é uma moção que será apresentada no próximo Congresso do Bloco de Esquerda (2 e 3 de Junho). Nele se reflecte sobre as condições que proporcionam o surgimento da burocracia nas organizações da classe operária e como combate-la. Prólogo Em Portugal, desde o 25 de Abril, a classe trabalhadora agrupa-se tradicionalmente em torno de duas grandes correntes: a socialista (amplamente maioritária), a comunista (que reúne, ainda hoje, a grande maioria dos mais dedicados activistas do movimento operário e popular). Em 1999 surgiu uma terceira força política: o Bloco de Esquerda, que agrupava quase todos os grupos, "seitas" e grupúsculos da chamada "esquerda radical". A soma das partes permitiu uma primeira eleição de dois deputados ao parlamento. Numa situação marcada pela crise económica profunda, com a deriva liberal da direcção socialista e o descrédito do estalinismo com o consequente enfraquecimento do PCP, o Bloco de Esquerda - mediante uma postura "aguerrida" e o apoio da imprensa burguesa, interessada em enfraquecer o Partido Comunista Português - soube agregar simpatias e cresceu, em poucos anos, de 2 para 6% nos votos expressos em eleições parlamentares. Todavia, não apenas o Bloco nunca teve (à semelhança dos pequenos grupos de extrema-esquerda que o constituíram) grande enraizamento operário e popular sendo, sobretudo, um partido eleitoral; como a ausência de perspectivas e programa classistas, ancoradas no melhor da tradição da prática operária e da teoria marxista, têm-no conduzido para posições cada vez mais próximas da social-democracia. Isso era apenas natural. Lenine costumava dizer que o esquerdismo e o oportunismo eram duas faces da mesma moeda. Obcecados com o "pragmatismo", a "respeitabilidade" e a "inovação", a Direcção do Bloco de Esquerda, na prática, promove e projecta o trabalho institucional (no parlamento, autarquias, etc.) em detrimento da luta nas empresas, nas escolas e nas ruas, cerceando o debate interno, ignorando a necessidade de implantação social e tendo progressivamente colocado o Partido e a sua actividade nas mãos duma teia de funcionários e assessores que rapidamente se formou com os avanços eleitorais. A curta história do Bloco de Esquerda, não deixa de ser ilustrativa do fenómeno da dita "esquerda anti-capitalista" na qual muitos julgaram estar a resposta para uma nova organização popular e operária. Com efeito, as "novas esquerdas", forjadas do agrupamento de vários movimentos, revelam todos os vícios antigos. Sem grandes raízes junto da classe trabalhadora, abandonado progressivamente a imagem "radical" que projectava, para conseguir progredir eleitoralmente e ganhar o "centro", isto é, o apoio das classes médias, o Bloco de Esquerda - malgrado a profunda crise económica que o país já vive há vários anos - não está a ser capaz de agregar em seu torno o descontentamento popular. Por enquanto, os seus principais dirigentes continuam embriagados com os recentes sucessos eleitorais obtidos, mas entre os militantes de base vai crescendo algum descontentamento pelo "aburguesamento" do partido. O Texto que se segue é uma moção que será apresentada no próximo Congresso do Bloco de Esquerda (2 e 3 de Junho). Nele se reflecte sobre as condições que proporcionam o surgimento da burocracia nas organizações da classe operária e como combate-la. Sob esse ponto de vista, é uma matéria que interessa a todos os activistas do movimento popular e operário em Portugal e no mundo. Por uma moral socialista no Bloco de Esquerda Ao longo da história, uma e outra vez, a classe trabalhadora tentou emancipar-se da ditadura do Capital, construindo organizações que fossem o instrumento da sua libertação. Essas organizações, porém, não existem no vazio e estão sujeitas às pressões e influências da classe dominante, da sua cultura, valores e ideologias. Isso é tanto mais verdadeiro quando tais sindicatos e partidos, durante um período prolongado, são forçados, pelas relações de força existentes entre as classes, a desenvolver uma actividade nos limites e instituições da sociedade e Estado burgueses. A rotina instala-se e a inércia com ela. À estabilidade social e política soma-se o alheamento dos trabalhadores da actividade militante quotidiana (apenas possível em momentos de ruptura revolucionária), favorecendo o estabelecimento duma camada de activistas que se dedica exclusiva e profissionalmente à representação dos trabalhadores, mas sem o controlo destes: a burocracia ganha raízes na apatia. Surge, igualmente, a tentação de mudar o sistema por dentro, substituindo a transformação radical da sociedade pela lenta acumulação de forças, abdicando da revolução em função das reformas possíveis. No passado, muitas organizações revolucionárias capitularam, deixando de ser um instrumento da emancipação dos trabalhadores para se tornarem num seu obstáculo: essa foi a tragédia da social-democracia, primeiro e do dos PCs, depois. Não se trata de pregar etiquetas: do Bloco ser ou não ser reformista, de estar ou não estar "burocratizado". O formalismo contenta-se com o "sim" ou o "não", o "preto e o branco", mas vida é dinâmica, dialéctica, e não sendo nenhuma organização política estática e estanque, temos a tarefa de manter o Bloco nos carris do socialismo. Para consegui-lo não bastam os acertos do programa e da estratégia delineados num dado momento, nem sequer a honestidade política dos seus participantes. Para atestar esta afirmação, não há melhor exemplo do que o fornecido pelo Partido Bolchevique: de partido da revolução mundial, em poucos anos se transformou no partido da burocracia russa e dos seus privilégios. A melhor forma de manter o carácter socialista e de classe duma organização, é que esta reúna a participação e intervenção dos próprios trabalhadores que quer organizar, mobilizar e representar. Uma organização que não seja de militantes, será de notáveis, pois à natureza sempre aborrece o vazio. E é preciso dizê-lo: apesar dos extraordinários avanços eleitorais, o Bloco continua sem real implantação social, sem ser capaz de organizar uma rede de activistas que, através da participação e do esforço regular de construção do próprio Bloco, lhe garantam a imunidade contra a burocratização e a tentação institucional e parlamentarista. Pelo contrário, em poucos anos, o Bloco passou de zero para um quadro de largas dezenas de profissionais. É certo que os funcionários políticos são inevitáveis pois a actividade dum partido com a dimensão do Bloco necessita que um conjunto de camaradas que se dedique exclusivamente ao desenvolvimento da sua actividade. Todavia, é necessário garantir que os funcionários e representantes bloquistas nas instituições sirvam o Bloco em vez de dele se servirem. São necessárias regras claras para que da dedicação a tempo inteiro à causa da classe trabalhadora não se retiram benefícios materiais e assim se cristalize uma clique burocrática afastada das condições de vida e aspirações daqueles que supostamente representariam. As propostas que se seguem serão (provavelmente) apelidadas de demagógicas e populistas por certos sectores bloquistas. Todavia, as propostas que se apresentam, mais não são do que as teses defendidas por Marx e Lenine para prevenir o cancro da burocracia, partindo da experiência histórica da Comuna de Paris - à qual podíamos, hoje, acrescentar a da URSS e demais estados operários burocratizados. a) O fim das nomeações pelo topo! Todos e quaisquer funcionários ou candidatos a cargos políticos devem ser eleitos pela base. Desta forma, a lealdade e prestação de contas dos eleitos e funcionários do Bloco será não para os órgãos de direcção que - até aqui - os têm escolhido, mas para com os militantes que os vierem a eleger. b) Pelo direito à revogação! Do mesmo modo que os militantes têm o direito de escolher os seus representantes nos órgãos do partido ou do Estado, devem ter também o direito à revogação (a qualquer momento) dos mandatos daqueles dirigentes que perderem a sua confiança política. c) Remuneração pelo salário médio nacional! É necessário que os funcionários e eleitos do Bloco vivam como vive o povo: se os nossos representantes não viverem como nós, como nos podem representar? Representar o povo e a classe trabalhadora não pode ser uma fonte de privilégios. Não queremos representantes que se mantenham nos cargos por força dos privilégios adquiridos, mas por exclusiva dedicação à causa revolucionária. A diferença entre as remunerações oficiais dos cargos públicos e o salário médio nacional, deve ser entregue ao Partido para financiar a luta. Recusamos igualmente o argumento de ter de se pagar altos salários para que os "cérebros" se dediquem à política: esse é um argumento burguês. O que produz boas políticas não são habilitações académicas, mas consciência de classe.