México: um período de luta e instabilidade Share TweetOs primeiros meses desse ano apresentaram desafios bastante importantes tanto para o atual governo mexicano quanto para a luta de classes. A chegada de Trump está balançando o governo e acelerando as contradições inerentes ao reformismo. Somando-se a isso a onda de mobilizações lideradas pelos professores do sindicato CNTE, em Zacatecas e Chapingo, contra os ataques às suas aposentadorias. Da mesma forma, as tensões nas escolas também estão aumentando sob a demanda de cantinas subsidiadas para os estudantes.[Source]A luta de classes se intensificaMais de 6 mil mobilizações sociais de diferentes tipos aconteceram durante o governo de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), entre 2018 e2024. Muitas delas tinham características de direita; outras, não eram exatamente mobilizações contra o governo, mas contra os patrões, autoridades locais ou lideranças universitárias; poucas mobilizações foram realizadas pela esquerda, rejeitando as políticas reformistas de AMLO. Podemos até mesmo dizer que uma das maiores vitórias do governo de AMLO foi desmobilizar os movimentos sociais à esquerda.A figura política de AMLO, por si só, foi um dos dois fatores fundamentais que lhe permitiram alcançar isso. AMLO apostou todo o capital político que ele acumulou ao longo de sua carreira, assim como a confiança que conquistou entre os apoiadores da base de vários movimentos sociais. Ele também foi capaz de capitalizar, de maneira consistente, os ataques contra ele vindos da direita.Esses fatores lhe permitiram parar as mobilizações e pedir às pessoas que fossem pacientes, insistindo que ele resolveria os problemas delas. Isso também possibilitou reforçar ou reorganizar o maltratado Estado capitalista. Sob seu mandato, os vários órgãos armados do Estado foram fortalecidos, e sua credibilidade aumentou entre a sociedade (isso é especialmente verdadeiro para o Exército).O segundo fator foi o número de programas sociais introduzidos por AMLO, que beneficiaram milhões de pessoas, principalmente as mais necessitadas Mais de 25 milhões de famílias se beneficiaram de pelo menos um programa social. Para além disso, sua política salarial, que aumentou o salário mínimo, fez com que os salários da classe trabalhadora recuperassem parte do seu poder de compra.Em alguns setores, como entre professores e empregados da saúde contratados pelo Estado, ele prometeu um salário mínimo de 16 mil pesos, bem acima do salário mínimo anterior. Essas foram as bases sobreas quais uma certa paz social foi estabelecida.As atuais mobilizações são extremamente interessantes, não apenas por conta de como se difundiram, mas também porque estão direcionadas contra a política do governo de Claudia Sheinbaum. Primeiramente, o governo impulsionou uma reforma do ISSSTE (leis de aposentadoria), através da qual uma série de regulamentações seriam modificadas para que a FOVISSSTE – a agência do Estado que oferece financiamentos imobiliários para os funcionários do governo – pudesse construir moradia para trabalhadores. O que significa aumentar as contribuições para a pensão dos trabalhadores que ganham mais de 10 UMAs [Unidade de Medida e Atualização, uma base de medida usada para calcular o número de pesos pagos em impostos e outras contribuições].Essa proposta foi posteriormente modificada para que, entre outras coisas, a mudança nas contribuições previdenciárias fosse arcada apenas por cargos comissionados, e não pelos trabalhadores de base.No entanto, isso trouxe revolta entre os professores do CNTE [Sindicato Democrático dos Professores], que se opuseram às mudanças e levantaram o slogan de revogar as reformas de 2007, em relação à Lei ISSSTE, que eliminou o sistema de pensões anterior e o substituiu por contas individuais, aposentadoria após 30 anos de trabalho e o teto de 28 anos de trabalho para mulheres. Além disso, as economias dos trabalhadores foram repassadas para as mãos de empresas privadas — os chamados Administradores de Fundos de Aposentadoria (AFOREs).O governo argumentou que as mudanças atuais não afetariam os trabalhadores, antes de retirar a reforma, mas os professores acertadamente permaneceram nas ruas. Eles estão planejando escalar sua luta até que a reforma de 2007 seja derrubada. O governo diz que está aberto para discussão e pediu que eles não entrem em greve, mas os trabalhadores permaneceram firmes em sua luta.Somado a isso, trabalhadores da Universidade de Chapingo estão atualmente em greve, demandando aumento salarial e planos de aposentadoria para os professores. Ainda que as autoridades tenham feito todo o possível para tirar a mobilização dos trilhos e tenham se recusado a sentar para negociar, os professores permaneceram firmes em sua luta.Em Zacatecas, trabalhadores da Autonomous University of Zacatecas (UAZ) também entraram em greve. Trinta e três campi universitários pararam totalmente de lecionar, do ensino médio até o nível da pós-graduação. A demanda central é um aumento salarial de 15%, enquanto o Escritório do Reitor está oferecendo apenas 4%, com um adicional de 1% em outros benefícios — claramente um insulto para os trabalhadores sindicalizados. A greve convocou enormes mobilizações das quais outras organizações sociais e políticas tomaram parte. No momento da escrita deste artigo, a luta estava em andamento por 20 dias e os trabalhadores continuavam a resistir.O clima entre os estudantes também é significativo. Os campi foram ocupados e os estudantes se mobilizaram entre diferentes escolas por diferentes demandas. Por exemplo, há greves e mobilizações na Universidade de Puebla. Em Yucatán, o campus da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) em Mérida também foi ocupado. No Instituto Politécnico Nacional (IPN), a Unidade Profissional Interdisciplinar em Engenharia e Tecnologias Avançadas (UPIITA) entrou em greve, e nas escolas secundárias da UNAM ocorreram paralisações e mobilizações com reivindicações a respeito de cantinas universitárias, entre outras demandas.Não podemos ainda dizer que houve uma mudança radical no clima entre trabalhadores e a juventude, mas o que podemos afirmar é que estamos entrando em um período diferente, em que mudanças significativas estão sendo preparadas em diferentes setores da sociedade. Entre a classe trabalhadora, há demandas econômicas e políticas sendo exigidas que só podem ser ganhas sendo arrancadas dos patrões ou diretamente do governo.A agitação também está se acumulando constantemente entre a juventude — o que não é de se estranhar, tendo em vista que a elanão consegue enxergar um futuro para si mesma sob o capitalismo. No dia 8 de março, 200 mil jovens mulheres tomaram as ruas da Cidade do México e houve demonstrações em mais de 20 cidades. As demandas da juventude, como cantinas subsidiadas, chegam a orelhas surdas nas escolas, e nas ruas se esbarram em violência incessante. É a juventude que está recebendo o pior do que esse sistema tem para oferecer e não será uma coincidência quando ela liderar fortíssimas mobilizações no período que está por vir.Trump acelera as contradiçõesComo explicamos em outros artigos, a chegada de Trump àchefia do governo dos Estados Unidos está criando um grande número de desafios complicados para o governo mexicano. Não precisamos repetir tudo o que já explicamos em outros anteriormente. Em vez disso, devemos analisar como a administração Trump deve acelerar as contradições já presentes no governo mexicano.Desde que Trump tomou posse, a situação tornou-se mais instável ao redor do globo. Ele tentou colocar um fim nos conflitos militares como na Ucrânia e no Oriente Médio, usando sua mistura única de ameaças, declarações ultrajantes e negociações, o que de forma alguma se mostrou tão simples como ele prometera antes de ser eleito. Nesse meio-tempo, ele está movimentando uma série de conflitos econômicos e políticos. A política dos Estados Unidos agora gira em torno de uma questão central que Trump procura resolver: o imperialismo dos Estados Unidos enfraqueceu em meio à ascensão de outros poderes mundiais e precisa fortalecer a si mesmo.Trump tem como objetivo recuperar a capacidade industrial dos Estados Unidos utilizando tarifas para trazer as empresas de volta aos Estados Unidos. O foco da sua política tarifária é, claro, a China. Ele divide com o restante da classe dominante o desejo de prender as asas do capitalismo Chinês, eliminando-o como competidor. Mas ele também tem suas miras apontadas para o “quintal” do imperialismo estadunidense, no hemisfério ocidental. Ele deseja salvaguardar as zonas de influência dos EUA aplicando uma pressão maior no México e Canadá, de maneira a torná-los completamente servis sob a ameaça de maiores tarifas.Ele deseja se retirar de regiões onde os EUA previamente tinham um comprometido apoio econômico e militar, abandonando a União Europeia, assim como a Ucrânia, para o seu destino. E, finalmente, Trump quer lutar para manter regiões ou setores estratégicos que sirvamaos objetivos do capitalismo dos EUA – como recuperar o Canal do Panamá, tomar a Groenlândia e desenvolver indústrias domésticas estratégicas como microchips e inteligência artificial.De tudo isso decorre sua política de ataques contra o México. Ainda que o governo atual esteja dizendo que vai lutar “com dignidade” para defender sua soberania, na realidade ele cedeu a tudo o que Trump pediu: movimento de 10 mil tropas da Guarda Nacional para a fronteira norte, modificou suas políticas contra o tráfico de drogas – não mais usando uma “mão leve” como antes fazia —, enviou 29 senhores das drogas como troféus para a administração dos Estados Unidos, e endureceu suas políticas tarifárias em relação aos bens de consumo chineses. O que o imperialismo dos Estados Unidos queria, ele conseguiu.O governo de AMLO e Claudia Sheinbaum nunca tiveram como objetivo quebrar a dependência do país nos Estados Unidos. Pelo contrário, sua política tem sido de manter essa ligação. Primeiro AMLO e, agora, Claudia estão fazendo todo o possível para “tirar vantagem” dos “negócios” com o imperialismo dos Estados Unidos. O trabalho de infraestrutura desenvolvido nos últimos seis anos, incluindo uma maior conexão de transporte com zonas manufatureiras próximas das fronteiras dos Estados Unidos e mais pontes sobre o Rio Grande, tem precisamente esse objetivo.Por um momento, pareceu que esse projeto estava conectado com o ambiente internacional de realocação econômica (ou nearshoring); o capital veio investir, tomando vantagem da posição geográfica do México e seus acordos comerciais com os EUA, para que os bens de consumo das novas empresas pudessem entrar no mercado dos Estados Unidos sem pagar taxas. Agora, isso está indo para o ralo. O tão chamado “milagre mexicano” pode se transformar no seu oposto caso tarifas sejam eventualmente impostas. [Nota: esse artigo foi publicado no dia 27 de março, depois que Trump suspendeu a tarifa de 25% inicialmente imposta sob o Canadá e o México em muitos produtos-chave, ainda que para outras nações essas tarifas permaneçam. Ainda que não estejam sujeitas à tarifa padrão de 10% introduzida em abril, muitas mercadorias do México, incluindo aço e alumínio, continuam sendo sujeitas a tarifas.]A pressão exercida pelo imperialismo dos EUA, que resultou em constantes negociações de tarifas com a administração Trump, trouxe consigo uma maior incerteza. As empresas estão inseguras sobre se vão investir, esperar e observar, ou mesmo retirar seus investimentos e repatriar seu capital para os Estados Unidos, ou apenas esperar. Existe um sentimento de instabilidade entre os capitalistas com interesses no México, e isso não é bom para a economia, que tem estado estagnada por um período.Além disso, Claudia Sheinbaum está tentando substituir produtos atualmente importados da China por componentes automotivos fabricados no próprio México. Ela também impôs tarifas sobre roupas provenientes da China. Declarou que manterá uma postura firme em relação à China, apesar do fato de os EUA a terem “chutado na própria boca”! Parece uma piada: são os americanos que fazem de tudo para enfraquecê-la, mas ainda assim ela declarou que irá defender os negócios com eles, custe o que custar. Não acreditamos que a alternativa seja amarrar o México a outro país imperialista, mas a total submissão de Sheinbaum ao imperialismo dos Estados Unidos é impressionante.Em última análise, a questão econômica não é o único fator, ainda que seja o principal. Também os imigrantes nos EUA também estão sendo pressionados, para retornarem ao México, com mais de 19 mil já tendo retornado. Além disso, há praticamente 1 milhão de latinos que estão no México aguardando um visto humanitário para cruzar a fronteira norte. Isso significa que se as tarifas subirem e as empresas começarem a deixar o país, o desemprego vai se intensificar.Por fim, há o papel dos carteis de drogas mexicanos, seis dos quais foram declarados organizações terroristas pelo governo dos Estados Unidos. Como já mencionamos em outras ocasiões, é muito difícil conceber uma intervenção armada capaz de colocar um fim neles. Tal intervenção causaria uma explosão das massas contra esta política. O que está claro é que isso funciona como um porrete nas mãos dos americanos, pronto para ser usado sempre que quiserem pressionar o governo mexicano.Isso não pode ser chamado de “tratamento digno” entre “iguais”. Tais palavras revelam a verdadeira natureza da relação entre os Estados Unidos e o México – aquela entre um senhor e seu escravo.Tempos de luta e instabilidadeO governo de Claudia conquistou algumas vitórias parciais, como atrasar as tarifas por dois meses, e isso fez aumentar sua popularidade. Oitenta por cento dos mexicanos a apoiam e há um novo pacto – essencialmente a frente popular – entre os patrões e o governo, mas isso não garante estabilidade de nenhuma forma.Pelo contrário, a força e confiança que o governo um dia experimentou vão se desfazer rapidamente. Isso não acontecerá da noite para o dia, nem de uma maneira linear, mas estamos entrando em um período em que a luta de classes se tornará cada vez mais visível nas ruas, com a presença ativa da classe trabalhadora e da juventude. Essas lutas não serão apenas legítimas, mas terão a responsabilidade de intensificar seus esforços para alcançar o sucesso.À medida em que as pressões do imperialismo aumentam e as consequências de suas políticas agressivas são sentidas, o governo mexicano terá duas opções. Por um lado, poderá adotar uma posição mais radical frente aos EUA e se mobilizar nas ruas para prevenir o fechamento de fábricas e as demissões, chamando os trabalhadores para defender seus empregos e entrarem em greve, como Cárdenas fez. Esse é certamente o caminho menos provável.Por outro lado, poderá continuar cedendo a todas as exigências do imperialismo, ao mesmo tempo em que aprofunda sua aliança com a burguesia nacional. Essa ligação vai se manifestar no apoio governamental para os capitalistas em todos os níveis: dando-lhes incentivos fiscais, investindo em capital de risco, protegendo seus investimentos etc. A médio prazo, a burguesia também demandará contrarreformas para defender seus interesses contra os trabalhadores.Queremos lutar contra o imperialismo e seus ataques, e estaremos ao lado dos trabalhadores e da juventude em suas lutas e reivindicações. Entendemos que a única maneira de lutar seriamente contra o imperialismo é lutar também contra o capitalismo. Se a Claudia Sheinbaum seguir o caminho cardenista, vamos apoiá-la de maneira crítica. Mas, se ela escolher aprofundar sua aliança com a burguesia nacional e ceder ao imperialismo, não a apoiaremos — e diremos com clareza que esse caminho a levará inevitavelmente à derrota.Independente de qual caminho este governo seguir, a tarefa dos comunistas é muito clara: devemos continuar reunindo nossa força para a formação do partido revolucionário, para lutar com a nossa classe e preparar os quadros para os desdobramentos futuros da luta de classes. Nós, comunistas, somos internacionalistas e acreditamos que a classe trabalhadora da América do Norte é nossa aliada na luta contra o capitalismo e imperialismo na região — e, assim, pela construção de uma união de estados socialistas na América do Norte e no mundo.