Itália: Debate na Refundação Comunista - Marxismo, violência e não-violência

Portuguese translation of Marxism, violence and non-violence by Dario Salvetti (March 2004)

À medida que a sociedade mergulha em crise, a classe dominante recorre cada vez mais a métodos repressivos a fim de manter o controle da situação. Uma conjuntura de crise econômica inevitavelmente será acompanhada de um aumento da violência organizada pela classe dirigente. A guerra no Iraque é o exemplo típico deste processo. Mais de 220.000 soldados americanos estão agora estacionados no exterior.

Os Estados Unidos encontram-se na dianteira, com aumento sem precedentes de seus gastos militares e mantêm seu peso específico no mundo.

Tomaria mais tempo para arrolar os conflitos em andamento ou os pontos de tensão mundo afora do que nomear os paises formalmente em paz – uma paz de fome, desemprego e pobreza. Cada movimento revolucionário na América do Sul tem enfrentado a violência policial. Em dezembro de 2001, convulsões sociais na Argentina, 21 participantes das manifestações públicas foram mortos pela polícia. 150 manifestantes perderam suas vidas no decorrer do processo revolucionário da Bolívia em 2003. Enquanto escrevemos estas linhas, a revolução venezuelana jaz sob a ameaça de bandos de assassinos sistematicamente organizados pela burguesia.

São exatamente os casos mais patentes, mas há paises onde o assassínio de líderes sindicais é norma. Na Colômbia, por exemplo, 28.000 ativistas foram assassinados desde a fundação da CUT – a maior federação sindical colombiana.

É neste contexto que Fausto Bertinotti, secretário do Partido da Refundação Comunista decidiu lançar um debate com o objetivo de erradicar a violência ...da prática, da história e da teoria do movimento operário.

Os termos do debate

“A combinação de guerra e terrorismo, que monopolisticamente assume toda a prática da violência, esta situação confronta-nos com um problema inteiramente novo. Não podemos combater a violência monopolizada com guerra. A violência, com todas as suas variantes, qualquer que seja seu julgamento moral, é ineficaz porque é reabsorvida pelo terrorismo, colocando a política em posição secundária”.

Fausto Bertinotti

Na visão de Bertinotti, guerra e terrorismo têm uma origem indefinida e já não corresponde a interesses de classe, políticos e econômicos. Qualquer resposta a algum destes aspectos tornar-se-ia guerra ou terrorismo, daí temos de ser não-violentos. Completando o quadro, Bertinotti ressalta o horror do terrorismo individual dos camicases palestinos em resposta à barbárie do exército israelense. Desta maneira, ele mostra de uma só tacada que quem quer que coloque a questão da resistência armada a um invasor no final se ombreará com o terrorismo.

Se alguém ousa trazer à baila exemplos históricos como as guerras nacionais de libertação ou de resistência ao nazi-fascismo, Bertinotti apressa-se em assinalar que seu raciocínio não se aplica ao passado, mas é válido somente “aqui e agora”. Imediatamente após, contudo, ele se estende retrospectivamente à toda a história do movimento operário no decorrer do século 20.

Desta forma, os campos de concentração e os gulags formam a “extrema manifestação da contradição que o comunismo gerou em seu útero, e que se originou de uma idéia de poder e de violência. Berrtinotti propõe uma indagação:

“Deveríamos perguntar-nos se haveria uma relação entre Kronstadt, os gulags e certos episódios ligados a nossa própria historia, talvez as Foibe* (Ver nota).

O guisado agora está pronto para ser servido nas páginas do Corriere de la Sera ou la Republica. Kronstadt, os gulags, as foibe* bin Laden, Bush, os bolchevistas, a tomada do poder, todos estão amontoados homogeneamente sob a denominação de “violência”.

Em tudo isto nada de original. A idéia básica é que exatamente a tomada do poder conduz à degenerescência militar da revolução, ao stalinismo e, em seguida, à derrota.

Mas será que Bertinotti já leu alguma vez os escritos da Oposição de Esquerda, dos revolucionários e dos comunistas que foram eliminados nos campos de concentração de Stalin? Em lugar de apressar-se para escrevinhar sobre Trotsky (ainda um perdedor, em seu ponto de vista) deveria com mais razão consultar A Revolução Traída e outros documentos onde revolucionários analisam a contra-revolução stalinista que eliminou os ganhos políticos da Revolução de Outubro. Há um rio de sangue separando o stalinismo do bolchevismo. Pôr tudo isto num mesmo saco significará inevitavelmente abandonar qualquer idéia de revolução social.

Guerra e pacifismo

Para os marxistas, a guerra imperialista não surge graças à intrínseca brutalidade da natureza humana, ou da loucura de governantes. A guerra imperialista tem sua origem diretamente nas contradições geradas pelo capitalismo. Em seu desenvolvimento, o capitalismo criou um sistema de economia internacional. Mas no desenvolvimento do mercado internacional foram mantidas a posse privada dos meios de produção e as fronteiras nacionais. Como resultado, a internacionalização dos mercados foi realizada não em condições harmônicas gerais, mas de contínua tensão entre os diferentes grandes aglomerados comerciais e blocos imperialistas para a defesa e extensão de seus quinhões do mercado. Em vez de uma paz internacionalmente assegurada, o mundo sofreu duas guerras mundiais.

Após 1945, o capitalismo pôde criar a ilusão entre vastas camadas de trabalhadores de que o caminho pacífico para o desenvolvimento tinha sido encontrado. Crescimento econômico sem precedentes tornou possível acomodar as diferentes tensões imperialistas em termos “pacíficos”. A lei nua do equilíbrio de forças estava escondida por traz de uma cortina de fumaça do direito internacional. As potências capitalistas podiam externamente seguir uma diretriz comum, amiúde sob o manto azul das Nações Unidas.

Podia-se dizer, a propósito, que isto não mudava, de forma alguma, a natureza imperialista de suas decisões. Em seu conteúdo de classe, a guerra contra o Iraque em 1991, conduzida sob a bandeira das Nações Unidas, de comum acordo com as várias potências imperialistas, não era diferente da guerra de 2003. Todavia, dada a presente crise econômica, não há, agora, a mesma margem de concordância entre as várias potências imperialistas tal qual em 1991.

Hoje, quem quer que se oponha a guerra imperialista é habitualmente definido como um “pacifista”. Na realidade, é perfeitamente compreensível que milhares de trabalhadores e estudantes se declarem “pacifistas”.

Contudo, pacifismo é uma ideologia bem definida com suas próprias premissas e conclusões. Ele alega defender a paz a qualquer tempo e em todas as circunstâncias, mas suas limitações surgem precisamente ao enfrentar os atuais conflitos.

O pacifismo limita-se a proclamar a paz e a fraternidade entre os homens, quase religiosamente. Na arena internacional esta ideologia busca um mundo pacífico e justo, mas dentro de qualquer país prega a paz social e a colaboração de classes. Ao recusar seja qual for a forma de violência, rejeita não apenas as guerras provocadas pela classe capitalista e igualmente a luta de classes contra os capitalistas.

Uma palavra sobre a doutrina de Gandhi

Empregarei toda a minha influência contra a luta de classes. Se um alguém quiser privar-te de tua propriedade, tu me encontrarás lutando ao teu lado”.

Gandhi

Em sua teorização, Bertinotti tem destacado Gandhi como um exemplo de pacifismo radical. Ao considerá-lo assim, demonstra exatamente o oposto do que se propõe comprovar. Poucas personalidades são rodeadas por tal halo, injustificado, quanto Gandhi.

A ideologia de Ganhdi não procedeu do pensamento de uma mente particularmente iluminada, tolerante, mas refletiu claramente interesses de classe. Representava uma reflexão, a um só e mesmo tempo dos sonhos e das fraquezas da burguesia hindu – de quem Gandhi era um típico líder. A burguesia indiana surgiu sob as asas protetoras do imperialismo britânico. Desejava a independência porém temia muito mais a possibilidade de uma revolução proletária. A contradição refletia-se no ascetismo e na passividade de Gandhi, na esperança de que se podia alcançar a independência através de reformas sem passar por uma insurreição popular.

Em 1920 declarou-se uma greve na indústria têxtil indiana. O Partido do Congresso imediatamente aprovou moção de lealdade à Coroa Britânica e Gandhi insurgiu-se contra a parede, classificando-a de “anarquia vermelha e ruptura”. Em 1928, os britânicos prenderam o jovem militante Bagar Singh, levando-o a julgamento e acusando-o de subversão. Foi precisamente nesta oportunidade que Gandhi decidiu iniciar sua marcha de desobediência civil – astutamente tolerada pelos britânicos – com o objetivo de desviar o movimento de um potencial levante.

A marcha terminou em 19 de março de 1931, com a assinatura de um pacto entre Gandhi e Irwin, vice-rei britânico, sem menção à possibilidade de perdão a Bagar Singh. Quatro dias depois, Singh foi enforcado.

Entre 1942 e 1946, a Índia foi sacudida por uma onda revolucionária que forçou os britânicos a lhe concederam uma independência formal. Todavia, a fim de desviar o ódio popular para o plano religioso, a Grã-Bretanha, com a colaboração da classe dominante da Índia, decidiu dividir o subcontinente em dois paises: a Índia, com maioria hindu, e o Paquistão, com maioria muçulmana. Ao cabo, o pacifista Gandhi aceitou a imposição desta estranha fronteira, num subcontinente onde sempre tinham convivido harmonicamente muçulmanos e hindus. A partição entre a Índia e o Paquistão levou a um milhão de mortos e a cerca de 10 milhões de refugiados. Hoje em dia, Índia e Paquistão são duas nações equipadas com bombas atômicas, e com tensões ao longo da fronteira comum. Um tento a mais para a paz e a serenidade conquistado pelos profetas da não-violência.

Democracia burguesa e violência

“Qual é a efetiva função da legalidade burguesa? Se um cidadão livre for violentamente detido por outro e colocado numa cela inabitável (...) um indivíduo qualquer pode ver no incidente um ato de violência. Mas se esta operação estiver inscrita num livro chamado código criminal, e a cela for da prisão real da Prússia, a medida é imediatamente transformada num ato legal pacífico(...). Em resumo, o que é apresentado como legalidade burguesa (e o parlamentarismo legalmente faz parte de seu instrumental de coerção.) é de fato considerado uma manifestação social de violência política da burguesia que emana de seus fundamentos econômicos”.

Rosa de Luxemburgo

O que é considerado como “paz” no capitalismo nada mais é que um sistema “pacífico” de exploração, de pobreza e de desemprego forçados, mantido pela violência organizada do estado e da guerra imperialista. A violência diária que impregna este sistema prossegue sob a máscara de uma legalidade e moralidade comumente aceita. Mas legalidade e moralidade também não constituem construções eternas, mas históricas. Exatamente como se julgou que a escravidão era moralmente justificada nos tempos antigos, sob o regime capitalista um grupelho desses indivíduos considera moralmente correto escravizar homens e mulheres e administrar a economia com base em sua sede de lucros.

Se um grupo de operários ocupa uma fábrica para administrá-la democraticamente se necessário for, eles estão cometendo um ato ilegal e imoral. Se um grupo de homens fardados, conhecidos como policiais, são mandados para expulsar os ocupantes e restabelecer o controle dos proprietários sobre o estabelecimento, eles estão executando um ato legal e moral e sua violência é reconhecida como legítima. E esta violência afigura-se tanto mais justificada se os policia\is atuam ao amparo de ordem calcada segundo leis de um parlamento democraticamente eleito, a origem natural da soberania pátria.

Todos os homens são iguais diante do rarefeito ar da democracia burguesa. Umberto Agnelli tem um único voto, tal qual um operário despedido pela Fiat. Mas por cá, ns terra, no mundo das reais relações sociais e econômicas, o operário demitido deve pensar em como se manter e a sua família, ao mesmo tempo Agnelli retém em suas mãos as alavancas básicas da economia do país. Enquanto o parlamento cria a impressão de um debate democrático entre as classes, e seria o lugar onde representantes democraticamente eleitos discutiriam e determinariam o destino do país. É na realidade a burguesia que controla a economia - e com esta todas as decisões fundamentais : a imprensa, a televisão, as publicações.

A tomada do Palácio de Inverno

“Esta revolução”, disse-me um colega, “foi levada a efeito com boas maneiras proletárias: com organização. É por isso que venceu – em Petersburgo - tão fácil e completamente”.

Do Ano Um da Revolução Russa, por Victor Serge

Em seus discursos, Bertinotti refere-se repetidamente à “tomada do Palácio de Inverno”. Não por acaso. O episódio da tomada do Palácio de Inverno pelos trabalhadores russos no curso da Revolução de Outubro de 1917 perdurou como um símbolo das idéias errôneas dos bolchevistas de que a revolução podia ser ganha “em termos predominantemente militares”, de que o poder residia num local físico, particular, e que um golpe insurrecional era tudo quanto seria necessário para a tomada do poder. Tais idéias são na verdade incorretas, mas de forma alguma correspondem ao ideário bolchevista. Como usual, os exemplos de Berrtinotti mostram o oposto exato do que ele pretende afirmar.

A Revolução de Outubro de 19l7 foi efetivamente o segundo estágio da revolução irrompida em fevereiro daquele ano. A Revolução de fevereiro criou os sovietes – conselhos de operários e camponeses – e a Revolução de Outubro transferiu todo poder para eles.

O aparato do velho estado, instrumento de opressão a serviço dos grandes capitalistas e latifundiários, foi destruído e substituído por um novo aparato estatal composto de milhares de conselhos de trabalhadores e camponeses. Naturalmente, a eliminação do instrumental estatal burguês não era um fim em si, porém a condição essencial para transformar a economia de um sistema administrado com base nos lucros capitalistas num sistema planejado pelos sovietes com fundamento nas necessidades da população.

A participação do proletariado nas jornadas de outubro foi de tal porte que o estado simplesmente se dissolveu. A imponente fortaleza Pedro e Paulo foi dominada no curso de uma reunião de soldados em seu interior, na qual Trotsky ganhou a guarnição para o lado da revolução. O Palácio de Inverno foi cercado pacificamente, um cruzador disparou umas poucas salvas de festim e o palácio rendeu-se. Os generais czaristas eram libertados caso empenhassem a palavra e não organizassem a resistência contra a revolução. Dentro de poucas semanas, estes mesmos generais colocaram-se à frente das tropas de russos brancos e tentaram esmagar a Revolução através de massacres e devastações. E, ainda mais importante, enquanto o Palácio de Inverno estava sendo tomado o conselho nacional de sovietes, com delegados eleitos por milhões de operários, camponeses e soldados, aprovou a distribuição da terra para os camponeses, o início da construção da economia socialista e a imediata cessação das hostilidades na frente de batalha, com a exigência de paz sem anexações.

Quanto à questão da violência e da não-violência, o suposto banho de sangue da Revolução de Outubro realmente pôs um fim ao real banho de sangue causado pelo capitalismo na matança da I Guerra Mundial.

A questão da autodefesa

Pietro Ingrao, {dirigente ou líder do velho Partido Comunista Italiano, considerado como pertencente a sua ala esquerda e agora reputado uma espécie de “velho pai” do movimento. Nt. do editor}, foi um dos primeiros a responder ao apelo de Bertinotti, externando seu entusiasmo por suas inovações. Contudo, após louvar cada palavra dele, nota de passagem: “Há uma questão que Fausto {Bertinotti} não esclarece... (...). O que se deve fazer contra a violência do agressor? (...) Que caminho pode tomar milhões, os povos do mundo, para a Há uH

repelir a violência dos Estados Unidos? Há ou não há a obrigação de resistir também com armas? Não há o direito de autodefesa que não deve ou não pode renunciar ao uso de armas?

Temos tentado responder a esta indagação, até mesmo em termos gerais. Como marxistas, rejeitamos esse sistema, que contém o núcleo de toda violência na exploração do homem pelo homem.

Também rejeitamos o terrorismo, tática que tão contra-produtiva quanto barbaresca e infantil. O poder do capitalismo não reside neste ou naquele ministro, neste ou naquele banco, e não pode ser eliminado se um capitalista ou outro for assassinado, explodindo-se um banco. O poder do capitalismo encontra-se na posse privada dos meios de produção e é este que pretendemos eliminar. Mas nenhuma classe jamais renunciou a seus privilégios sem luta. Isto se aplica tanto à classe capitalista quanto a outra qualquer; que estará disposta a desencadear toda espécie de violência contra a revolução. Para os marxistas, qualquer consideração de violência começa pela simples e direta necessidade de autodefesa.

Claro, este posicionamento não justifica o uso da força em todos os casos, mas somente quando vem das massas, no contexto de uma perspectiva de transformação social. É por esta razão que os marxistas se opõem às ações criminosas e terroristas das Brigadas Vermelhas ou do ETA, no entanto defendendo intransigentemente todas as grandes revoluções do passado. E não é apenas um debate histórico. Os marxistas hoje defendem as milícias operárias e camponesas que se formam na Bolívia ou na Venezuela para defesa do processo revolucionário contra a agressão violenta da classe dominante e do imperialismo.

Março de 2004.

 

* Foiba; denominação de algumas cavidades nas rochas da área limítrofe nordestina da Itália. Contam-se cerca de 1.799 delas na Ístria.

No fim da I Guerra Mundial, a Itália, como potência vencedora, estendeu seu território na península da Ístria e na Dalmácia, sob o pretexto de que estas partes eram “historicamente” italianas. Tratados internacionais acerca da “autodeterminação de nações” simplesmente não consideraram meio milhão de eslovenos e croatas que lá viviam. Um processo de italianização foi levado a efeito, particularmente durante o regime fascista, com a supressão forçada de línguas eslavas e a adoção de nomes de pessoas e topônimos italianos, medidas estas acompanhadas da repressão do movimento dos trabalhadores no restante da Itália.

Após a queda do regime fascista em abril e a rendição do novo governo em setembro de 1943, o Exército de Libertação Nacional Iugoslavo assumiu o controle de parte da Ístria e manteve o poder ali de três a quatro semanas. Ocuparam estas posições até que os nazi-fascistas fossem capazes de restabelecer o controle, massacrando l3.000 ístrios e destruindo vilas inteiras.

Ao final da II Guerra Mundial verificou-se que no intervalo do domínio guerrilheiro um certo número de pessoas tinham sido mortos e seus corpos atirados no interior das foibe. Calculou-se em 200 o número dessas vítimas, predominantemente líderes e policiais fascistas e colaboradores que tinham prestado serviços à ocupação nazi-fascista.

Indubitavelmente, ocorreram alguns casos de justiça sumária, muitas vezes perpetrados pela população local em desobediência às determinações dos guerrilheiros. Mas o fato representou a reação de pessoas comuns enraivecidas pelas terríveis matanças e atrozes sofrimentos infligidos pelos fascistas à gente do povo. Todavia, todo o episodio tem sido exagerado fora de suas proporções pela direita italiana, que periodicamente o traz à baila como exemplo da “violência comunista”, em especial quando há discussão pertinente às atrocidades nazistas ou à brutalidade do regime de Mussolini. Proclamam que as vítimas foram mortas somente pelo motivo de serem italianas, numa operação de limpeza étnica. Para ter uma idéia dos exageros, apenas 20 corpos foram recuperados da foiba de Basovizza. Não obstante, falam de 500 metros cúbicos de corpos, isto é, de aproximadamente 2.500 pessoas.

O número real dos desaparecidos como resultado das prisões e deportações em 1943 e no final da guerra vai de 2.000 a 3.000, de novo principalmente agentes e colaboradores do regime fascista, indivíduos que tinham sido responsáveis por terríveis massacres de eslovenos e croatas. Só uma parte destes finou nas “foibe”, enquanto a direita continua falando de dez mil lá massacrados pelos comunistas. Ela faz tal afirmação com o objetivo de encobrir seus próprios crimes, nestes envolvidos o extermínio de milhares de operários italianos e também a deportação de judeus desta mesma nacionalidade para campos de morte nazistas.

Os dirigentes esquerdistas italianos deviam colocar esses episódios em seu contexto real, e defender o direito de uma população resistir à invasão e à ocupação, denunciando a hipocrisia e os exageros da direita. Também devia-se chamar a atenção para o fato de que as operações fascistas na Iugoslávia, de abril de 194l a setembro de 1943, custaram as vidas de mais de 250.000 pessoas em campos de concentração e prisões ou em represália às operações guerrilheiras. Em lugar disto, tem havido a tendência da parte dos líderes esquerdistas italianos de recuarem diante da propagada direitista na desesperada luta em busca de uma imagem respeitável e avessa a violência. Os últimos discursos de Bertinotti sobre o assunto são outro exemplo disto.

Tradução de Odon Porto de Almeida