Macron impõe a reforma da Previdência na França – O que vem a seguir para o movimento? Share TweetOntem, pela 11ª vez em dez meses, a primeira-ministra Élisabeth Borne invocou o artigo 49.3 da Constituição francesa para forçar a aprovação da odiada reforma previdenciária de Emmanuel Macron sem votação parlamentar. Isso, porém, não passou despercebido. Nas horas seguintes ao anúncio da primeira-ministra, milhares de pessoas se reuniram na Place de la Concorde, em Paris, para denunciar a manobra. Comícios espontâneos aconteceram em outras cidades.[Source]A grande mídia e a oposição parlamentar estão enfatizando que este é um grande “fracasso” para Macron, que teria preferido uma votação formal na Assembleia Nacional sobre sua reforma previdenciária. É sim um fracasso, mas que acompanha logicamente outro fracasso, ou melhor, um desastre: o do partido de Macron (LREM) nas eleições legislativas de junho passado. Macron não tem maioria na Assembleia Nacional. Daí a utilização do artigo 49.3, considerada como uma “opção nuclear”.No início da próxima semana, as moções de censura serão submetidas a votação na Assembleia Nacional. Se uma só delas obtiver a maioria, Macron provavelmente não poderá simplesmente remodelar seu governo: terá que dissolver a Assembleia Nacional. Mas, justamente por isso, é improvável que uma moção de censura ganhe a maioria. Um número significativo de deputados da oposição não quer eleições parlamentares antecipadas.Em novembro do ano passado, escrevemos:“Os deputados republicanos [o partido tradicional de direita da burguesia] não têm nada de bom a esperar das eleições antecipadas no futuro imediato. Os deputados da Agrupação Nacional [formalmente, a Frente Nacional, liderada por Marine Le Pen] apresentam-se como os partidários mais fanáticos da moção de censura, mas, na realidade, têm todo o interesse em deixar que a situação continue apodrecendo para tirar o máximo de benefícios quando o momento chegar. Inclusive nas fileiras da Nupes [a oposição de esquerda liderada por Jean-Luc Mélenchon, de France Insoumise], vários deputados dos Verdes, do PS [Partido Socialista] e do PCF [Partido Comunista Francês] dizem a si mesmos desde seus assentos de veludo: ‘Estou dentro agora; assim, melhor ficar dentro!’. Como resultado, todas essas pequenas pessoas estão se organizando, antes das moções de censura, para garantir que não sejam aprovadas.”É verdade que, sob a pressão do movimento de massas contra a reforma da previdência, e dada a profunda crise interna dos republicanos, não se pode excluir totalmente um “acidente” que resulte na adoção de uma das moções de censura. Mas este não é o cenário mais provável. Por exemplo, vale notar que, entre os deputados republicanos que se “opuseram” veementemente à reforma da Previdência, vários são bem mais evasivos quanto às moções de censura. Da mesma forma, alguns dos elementos mais moderados da esquerda parlamentar podem se abster.A direção do movimentoEntre os trabalhadores envolvidos no contínuo movimento grevista de dois meses em oposição à contrarreforma, o clima é de indignação. Manifestações improvisadas ocorreram em Paris e outras cidades no dia em que o governo invocou o artigo 49.3. Na sexta-feira, 17 de março, os trabalhadores da refinaria Total Normandie, a maior do país, votaram pelo fechamento da fábrica. O sindicato CGT Energy estava falando de cortes de eletricidade. Claramente, os líderes sindicais estão sob muita pressão da base que vê a necessidade de uma ação imediata.O uso do artigo 49.3 poderá ter o efeito de reativar a luta extraparlamentar contra a reforma da Previdência – e, em particular, a participação dos trabalhadores no movimento de greves por tempo indeterminado? Os próximos dias dirão. No entanto, podemos desde já sublinhar duas coisas:Em primeiro lugar, a aplicação do artigo 49.3 em nada altera as graves deficiências da estratégia das direções sindicais desde o início desta luta. Antes e depois do uso do artigo 49.3, a estratégia de “dias de ação” não pôde fazer o governo recuar.Em vez de convocar uma escalada devidamente organizada do movimento grevista, em direção a uma greve geral total, os sindicatos Intersindicais se reuniram e concordaram … em convocar outro dia de ação para a quinta-feira, 23 de março, depois de se ter discutido a moção de censura no Parlamento na segunda-feira.O dia de ação da próxima quinta-feira, por mais forte que seja, não mudará nada a esse respeito. Além disso, tanto antes quanto depois da aplicação do artigo 49.3, o caráter estritamente defensivo da única palavra de ordem das direções sindicais – a “retirada da reforma da Previdência” – é um obstáculo ao desenvolvimento de greves por tempo indeterminado, mas também à mobilização massiva da juventude. Explicamos isso em detalhes em nossos artigos anteriores.Em segundo lugar, mesmo após o uso do artigo 49.3, alguns dirigentes da esquerda e do movimento sindical insistem cada vez mais na perspectiva de combater a reforma da Previdência através de um “referendo de iniciativa comum” – ou mesmo de um apelo ao Conselho Constitucional! Isso só pode enfraquecer as greves indefinidas. Muitos trabalhadores dirão a si mesmos: “de que adianta fazer greve se existem outras maneiras de se alcançar o mesmo resultado?”.Até agora, o movimento grevista contínuo não ganhou o ímpeto necessário para fazer o governo recuar. Os setores mais mobilizados – e em particular os garis, estivadores e petroleiros – não poderão resistir indefinidamente sem uma ampliação do movimento. Mas, após o uso do artigo 49.3, nada está sendo feito pela direção da esquerda e pelo movimento sindical para estender a luta. Este é um fato – que corre o risco de ter um impacto muito mais significativo do que a indignação provocada pelo artigo 49.3.A tragédia da situação é a completa ausência de uma direção. Todos os sindicatos assinaram a declaração conjunta pedindo “ação calma e determinada”, quando o que é necessário são dirigentes ousados. O que seria necessário agora são Assembleias Gerais de massa adequadas nos locais de trabalho, coordenadas por uma rede de delegados eleitos e revogáveis, para tomar as rédeas do movimento. A classe operária tem um poder imenso e a classe operária francesa tem mostrado, uma e outra vez, sua vontade de lutar. Infelizmente, seus dirigentes sindicais e políticos não estão à altura da tarefa. É necessária uma direção revolucionária.