Guerra na Ossétia do Sul – uma Federação Socialista do Cáucaso é a única saída

Portuguese translation of War in South Ossetia – a Socialist Federation of the Caucasus is the only way out (August 15, 2008)

Depois de meses e anos de uma batalha de atiradores de elite e de acumulação de tropas em ambos os lados da fronteira, a guerra estalou na Ossétia do Sul na noite de sexta-feira, dia oito de agosto, quando o Presidente Georgiano Mikheil Saakashvili ordenou a invasão desta República autônoma e o bombardeio criminoso de sua capital, Tskhinvali. Segundo fontes oficiais russas, mais de 1.600 civis e vários soldados russos, designados para tarefas de manutenção da paz, morreram em combate antes que as forças russas retomassem a República autônoma. Milhares de refugiados abandonaram tudo que tinham e fugiram para a Ossétia do Norte, na Rússia, pedindo aos russos que viessem em seu resgate.

Esta foi a justificativa que o Kremlin estava esperando para acertar as contas na região e reafirmar seu papel de potência regional. O momento não podia ser mais favorável, com o imperialismo EUA paralisado no Iraque e Afeganistão e sem meios disponíveis para abrir uma nova frente no Cáucaso.

Dada a velocidade com que o exército russo respondeu (poucas horas após o ataque georgiano) ficou claro que os estrategistas russos estavam esperando o ataque e que as forças armadas já estavam preparadas na fronteira da Ossétia do Sul; já estavam em uma guerra de posição prontas para contra-atacar.

War in South Ossetia

Apesar das forças georgianas terem atacado com vigor, ficou provado que não são capazes de controlar a capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, e tiveram que recuar. A contra ofensiva russa esmagou o exército georgiano e retomou o controle da Ossétia do Sul em menos de 48 horas. Na segunda-feira, os tanques e as tropas russas avançaram ainda mais em território georgiano, até a cidade de Gori (perigosamente próximo à capital, Tbilisi), para mostrar que poderiam facilmente tomar o controle de regiões estratégicas do país, ao mesmo tempo em que bombardeavam infra-estruturas militares chaves e que cortavam o acesso georgiano aos portos no Mar Negro e à Abkhazia, uma segunda República autônoma reclamada pela Geórgia.

A contra ofensiva realizou bombardeios à grande altura que destruíram o centro de Gori, matando dezenas de civis e um cinegrafista holandês. Cenas que foram testemunhadas na Ossétia do Sul se repetiram na Geórgia com milhares de civis georgianos fugindo de suas casas em desespero por causa do contra-ataque russo, segundo informações dos meios de comunicação internacionais.

A interferência imperialista causou a guerra

Independentemente das reivindicações dos governos russo e georgiano, a guerra não possui nada de progressista, para nenhum dos dois lados. Este pesadelo de guerra e nacionalismo no Cáucaso é resultado da interferência imperialista. E também é resultado do nacional chauvinismo da ex-burocracia soviética, que estava impregnada de chauvinismo grão-russo e que estimulou o crescimento do chauvinismo regional e nacional contra Moscou. Esta tendência repulsiva foi um dos fatores do desmoronamento da URSS, e, assim como no caso da ex-Iugoslávia, levou a uma sangrenta guerra civil em várias ex-repúblicas. Esses conflitos estão vivos até hoje em uma série de feridas não cicatrizadas, que não foram resolvidas e podem explodir em violência a qualquer momento.

De modo criminoso, os imperialismos EUA e russo estão por trás desses conflitos, em sua característica luta por esferas de influência e interesses estratégicos. O imperialismo EUA está preparando a Geórgia para ser seu baluarte contra a Rússia no sul do Cáucaso. A Rússia, por sua vez, está usando a Ossétia do Sul e a Abkhazia como peões em sua batalha para redesenhar as esferas de influência, e que está intimamente ligada à importância estratégica da Geórgia, que se encontra na rota do oleoduto que leva o petróleo do Cáspio para o ocidente e, provavelmente no futuro, também o gás.

Alan Woods explicou o processo de maneira clara no artigo A "revolução pacífica" na Geórgia anuncia novos conflitos publicado no site In defence of marxism em novembro de 2003, no momento em que Saakashvili chegava ao poder:

"Com a renúncia do Presidente georgiano Shevardnadze, a oposição radical pró-EUA chegou ao poder em Tbilisi. Isto é parte dos planos de Washington para aumentar sua influência no Cáucaso, entretanto, isto fez soar o alarme no Kremlin. Os russos não ficarão de armas recolhidas, enquanto um país chave ao sul de sua fronteira passa diretamente ao campo do imperialismo EUA.

"Estes eventos, sem sombra de dúvida, pavimentarão o caminho para um grande conflito e para a desintegração da Geórgia. Os russos vão apertar o cerco sobre a Geórgia. Tais regiões independentes e os líderes políticos pró-Moscou estão demasiado propensos a levar adiante uma luta contra a nova liderança na capital, sabotando os planos dos EUA de extrair o óleo do Cáspio para o ocidente. Até então, nenhum dos dois lados desfruta de uma aprovação majoritária, caos e violência virão a prevalecer, causando futuras convulsões sociais, guerras, derramamento de sangue e miséria, tudo isso será disseminado por toda essa maravilhosa, porém desafortunada região.

"Nina Burdzhanadze foi a primeira a fazer uma declaração televisionada, logo após a renúncia do Presidente, disse: ‘Conseguimos superar a mais grave crise da história recente da Geórgia sem derramar uma única gota de sangue'. Mas ela falou cedo demais. As intrigas dos imperialistas causarão muito derramamento de sangue antes que a crise se resolva de uma maneira ou de outra. Os novos líderes já lançam nervosos olhares em direção à Rússia. Declarando o final da campanha de desobediência, disse que o país deve trabalhar para fortalecer seus laços com seus vizinhos e com o ‘grande Estado da Rússia'. Mas belas palavras não impressionarão ao Kremlin. A Rússia está acompanhando de perto a política e a conduta do novo governo em Tbilisi, e se preparando para apertar o cerco. O resultado será novas guerras, caos e horror sem fim".

E acrescenta mais à frente:

"Washington e Moscou consideram os pequenos, fracos e divididos estados caucasianos como meros peões em um jogo onde toda a região serve como um gigantesco tabuleiro. A América faz um movimento, a Rússia responde, e o resultado é uma guerra, um massacre, uma explosão, um golpe militar ou uma ‘revolução incruenta'. Aguardamos o próximo movimento no tabuleiro. Não sabemos nem quando nem onde Moscou responderá, mas de uma coisa temos certeza: os perdedores serão as pessoas comuns, os pobres, aqueles que não podem se defender".

Na época do imperialismo, pequenas nações como a Geórgia ou a Ossétia do Sul são demasiado débeis para desempenhar um papel independente. A independência nacional sob o capitalismo para tais nações não significa liberdade, e sim mais militarismo e opressão; subjugados pelos interesses de uma potência contra a outra.

Por que a Geórgia atacou?

Pelo lado da elite dominante georgiana, o ataque à Ossétia do Sul foi uma aposta calculada que se voltou contra ela. Saakashvili ficou muito debilitado depois do movimento massivo em protesto contra a corrupção, em dezembro último. Ele tentou denunciar o movimento como uma conspiração russa e decretou Estado de Emergência, enquanto que ao mesmo tempo convocava novas eleições antecipadas em Janeiro, que venceu. Em Abril, o Presidente Russo, Putin, conseguiu um acordo com Abkhazia e Ossétia do Sul, o qual estabelecia relações especiais com a Federação Russa. Este movimento pressionou Saakashvili. O Presidente Georgiano não poderia esperar sem fazer nada enquanto a interferência russa no Cáucaso cresce embaixo de seu nariz.

Saakashvili apostou na idéia de que a Geórgia poderia forçar a posição no Sul da Ossétia, embora sem a ocupar permanentemente, o que seria impossível; tentando dessa maneira, reagrupar a população georgiana em torno de demandas nacionalistas. Com a expectativa de que isso fizesse cessar os protestos; os russos aceitariam a humilhação, exatamente como aconteceu em relação ao Kosovo, ou como no caso da expansão da OTAN nos estados bálticos; eles não ousariam ocupar, realizando uma ação direta militar contra um aliado tão próximo ao imperialismo EUA como a Geórgia. Depois de tudo, eles devem ter pensado, foi isso que a Rússia fez ao longo dos últimos anos toda vez que seus interesses colidiam com os interesses dos Estados Unidos!

Mas existe algo mais. É muito difícil acreditar que Saakashvili tenha lançado um ataque em desacordo com os interesses americanos. O governo georgiano depende da ajuda e apoio americanos, e é bem provável que os estrategistas americanos tenham endossado a aposta de Saakashvili. Um sério erro. Eles o cometeram de acordo com os objetivos imperialistas: para testar uma vez mais qual seria a reação russa. Dessa vez, perderam a aposta de forma desastrosa. Há duas opções: admitir o erro de não terem considerado que as relações de forças entre EUA e Rússia na região mudaram, ou fingir que o governo georgiano os enganou, escondendo suas intenções. Mas se acreditamos que o Governo georgiano atuou seguindo sua própria iniciativa, como Saakashvili poderia esconder seus preparativos militares para atacar? Podemos acreditar que os serviços de segurança russo estariam mais bem informados que as centenas de observadores americanos e diplomatas que lotam Tbilisi? Em ambos os casos o imperialismo americano saiu desse conflito com sua credibilidade comprometida.

Imperialismo russo fortalecido

Por outro lado, A Rússia não é mais o mesmo país de 10 anos atrás. Recuperou-se de sua anterior fraqueza, tanto econômica como militarmente, e nos últimos anos tem procurado um caminho para romper a estratégia de isolamento orquestrada pelo imperialismo EUA desde o colapso da União Soviética.

Ao longo dos últimos 15 anos o imperialismo EUA manobrou para tirar vantagem da crise russa, e assim estabelecer fortes laços e alianças com os ex-aliados da URSS ou emancipando repúblicas da ex-União Soviética da Ásia Central, do Cáucaso, da Europa do Leste e do Báltico. A expansão da OTAN para a Polônia, Hungria, e para a República Tcheca em 1998, e novamente em 2004 na segunda expansão que absorveu os demais países ex-satélites da União Soviética na Europa Central e os três Estados bálticos (Letônia, Lituânia e Estônia), foram corretamente considerados como ameaças estratégicas pela elite militar russa, que convenceu o Kremlin de que teriam que agarrar toda oportunidade de reverter essa situação.

A atitude diferenciada e o crescimento do poder econômico do Governo russo ganharam relevo nos últimos anos. Um exemplo disto foi a decisão unilateral de cortar o suprimento de gás para a Ucrânia e República Tcheca. Mas até então a Rússia não havia apelado ao recurso militar, não antes do oito de agosto. O que aconteceu? Um relatório de inteligência geopolítica de Stratfor observa:

"Os russos mudaram drasticamente, acompanhando o balanço de poder na região. Deram boas-vindas à oportunidade de mostrar em casa a nova realidade, eles poderiam invadir a Geórgia, e os Estados Unidos e a Europa não poderiam fazer nada. Não viram risco na invasão. Militarmente, não há resistência. Economicamente, a Rússia é exportadora de energia, e o tem feito muito bem - de fato, os europeus precisam mais da energia russa do que os russos necessitam vendê-la. Politicamente, como veremos, os americanos precisam dos russos mais do que os russos precisam dos americanos. Os cálculos de Moscou disseram que esse era o momento de atacar. Os russos estavam se preparando para isso há meses... E atacaram".

Aconteceu de a Geórgia ser o elo fraco da corrente do imperialismo EUA em sua rede de alianças na região e o melhor caminho para a Rússia mostrar ao mundo (e acima de tudo, a seus países vizinhos) que o imperialismo EUA não é capaz de cumprir o prometido a mais ninguém, e que seria proteger os débeis ex-satélites soviéticos de seu poderoso vizinho. Como o diretor de Stratfor, George Friedman, novamente colocou:

"Os russos sabiam que os Estados Unidos repudiariam seu ataque. Mas, hoje, a Rússia tem mais autonomia. Os protestos ruidosos destes dirigentes contrastam com sua inatividade; e os russos querem disseminar, em casa, a idéia de que as garantias americanas não passam de palavras vazias".

Amarga surpresa para o imperialismo EUA

A guerra na Geórgia impôs o repentino reconhecimento da nova realidade: a Rússia emergiu como uma forte potência imperialista regional, o suficiente para reclamar de volta a antiga esfera de influência russa aos Estados Unidos. O comentário arrogante "Eles não são a principal potência, não passam de uma Arábia Saudita com árvores", este comentário é mais significativo por que partiu de um importante diplomata americano (o Ex-embaixador americano das Nações Unidas), que foi entrevistado pela BBC no dia 13 de agosto, revelando que os imperialistas americanos foram pegos de surpresa por este desenrolar dos acontecimentos.

O presidente americano George Bush não é um dos homens mais inteligentes do mundo, mas em relação à Geórgia foi forçado por conselheiros mais inteligentes a adotar uma linha mais cuidadosa. Embora usasse a retórica beligerante ao insinuar que a Rússia poderia ser expulsa do mundo moderno dos países avançados do século XXI se não mudasse sua atitude, não pôde anunciar nenhuma ação ou medida concreta, com exceção da promessa de enviar ajuda humanitária através do exército americano para a Geórgia.

Na terça-feira dia 12, o presidente francês Sarkozy, atual presidente da União Européia, visitou Moscou e Tbilisi para negociar um acordo. Mas o que havíamos dito sobre os Estados Unidos também é verdade para a União Européia: não há muito que a União Européia possa fazer em relação à Rússia para controlar a região. Um acordo só pode ser alcançado na medida em que a Rússia alcance seus objetivos na guerra.

Veneno chauvinista

Na Rússia, a classe dominante inundou os meios de comunicação de massa com uma enxurrada de histeria de guerra. O sofrimento da população da Ossétia do Sul foi usado para manipular o compreensível ímpeto de indignação popular e justificar o contra-ataque, mas a propaganda de guerra conectou com o profundo ressentimento da classe trabalhadora russa em relação ao imperialismo EUA. Os líderes sindicais e os líderes do Partido Comunista capitularam ante o Kremlin no momento da guerra, da mesma forma que não desafiam suas políticas no período de paz. Ao invés de adotar a perspectiva da classe trabalhadora em sua política, eles levam a ideologia burguesa para dentro do movimento trabalhista e comunista. Isto fica incrivelmente claro na questão da guerra; na falta de alternativa, temporariamente, aumentam o apoio a Putin.

Mas o militarismo é uma maldição para o povo russo. Este contra-ataque é um sinal de que as ambições imperialistas do Kremlin e a ganância da oligarquia podem levar a novas aventuras. Muitos russos vivem na Criméia, nos estados bálticos e no Cazaquistão. Até onde irá a defesa dos cidadãos russos que estão fora das fronteiras da Rússia? A perspectiva econômica para a Rússia é incerta. O governo, assim como os capitalistas, está preparando outra avalanche de cortes nos padrões de vida e ataques aos direitos, principalmente os direitos trabalhistas e sindicais. O veneno chauvinista é a arma que a classe dominante sempre usa para fazer com que os trabalhadores russos e as pessoas comuns aceitem priorizar os gastos militares, enquanto o próprio povo é tratado como cidadãos de segunda categoria.

Na Geórgia, onde já há milhares de refugiados da primeira guerra na Ossétia do Sul de 1992 a 1994, existe uma amarga fúria devido à derrota na Ossétia do Sul. Na terça-feira uma multidão de 150.000 se reuniu em Tbilisi para expressar seu apoio à Saakashvili em um tom de solidariedade nacional empurrado pelo ódio à agressão russa. Contudo, o futuro de Saakashvili, independentemente do grande apoio que desfruta neste momento, é incerto. Suas políticas de apoio ao Ocidente para golpear a Rússia terminou em fracasso. Muitas manifestações mostraram seu ódio ao imperialismo EUA por não virem em seu socorro.

A propaganda de guerra - a experiência do Kosovo e a questão da OTAN

O governo russo se defende dizendo que suas operações militares na Ossétia do Sul foram motivadas por considerações humanitárias. Neste ponto o Kremlin usa a lógica da OTAN que usou esta justificativa para atacar a ex-Iugoslávia. Mas, os estrategistas da OTAN replicam que a Rússia se opôs à guerra dos Bálcãs - se os argumentos da OTAN estão errados em relação ao Kosovo, por que os argumentos russos são melhores em relação à Ossétia do Sul? Neste caso a resposta russa é mais forte do que as mentiras da OTAN produzidas em quantidade em 1999. Mais de 90% da população da Ossétia do Sul é formada por cidadãos russos, e as forças russas para a manutenção da paz foram atacadas diretamente. A OTAN não pode argumentar em relação a sua intervenção no Kosovo. O Governo russo, por esse motivo concluiu que sua ação estava perfeitamente legitimada ao defender a Ossétia do Sul contra a agressão georgiana.

Duas conclusões podem ser tiradas. Primeiro, a derrota da Geórgia é um retrocesso para a OTAN e o imperialismo EUA, e revelam a debilidade da OTAN no Cáucaso. Segundo, os trabalhadores e o povo da Geórgia, incluindo refugiados internos que deixaram a Ossétia do Sul e a Abkhazia na batalha anterior, não podem confiar no imperialismo em sua luta por direitos. Foram utilizados como moeda de troca na política de força das potências imperialistas em disputa. A única alternativa é a luta de classes, começando com a luta de classe contra as oligarquias russa e georgiana.

Sobre a defesa da Ossétia do Sul

O massacre de civis na Ossétia do Sul é algo criminoso e completamente reacionário. Contudo, isto não justifica um novo massacre de civis na Geórgia. Ao contrário, isto só serviria para provocar novos massacres étnicos no futuro.

A sistemática preparação da guerra por ambos os países demonstra que os dois lados estão seguindo seus próprios interesses reacionários. No dia 17 de julho mais de 8.000 soldados e 700 unidades blindadas executaram um exercício de treinamento chamado "Kavkaz 2008". Os exercícios envolveram simulações contra ataques terroristas na Ossétia do Sul e Abkhazia, e incluiu um treinamento de evacuação de refugiados. No dia anterior 600 soldados georgianos haviam conduzido um exercício militar em conjunto com 1.000 soldados americanos em uma operação chamada "Rapid reaction 2008" (resposta rápida 2008).

A verdade é que para o Kremlin a questão da Ossétia do Sul e os direitos de seus habitantes é apenas uma questão de importância secundária.

O fato é que o palco da guerra se estendeu para além das fronteiras da Ossétia do Sul e Abkhazia, também deixou claro que o objetivo da oligarquia russa não é defender o povo da Ossétia do Sul, como alegam, e sim desferir um golpe na Geórgia e minar sua estabilidade como uma entidade independente, para forçar a mudança do regime em Tbilisi. Os mapas mostram as áreas de luta e os bombardeios russos.

A questão das relações de paz no Cáucaso não será resolvida pela presença de nenhum exército na região. Putin declarou que a Ossétia do Sul não será reintegrada a Geórgia. Está claro também que a Ossétia do Sul é pequena demais para funcionar como um Estado independente viável, e que qualquer declaração de independência nacional seria provavelmente um passo em direção a sua integração à Federação Russa.

Imperialismo e capitalismo são partes do problema, não a solução. A questão nacional simplesmente não pode ser resolvida sob a égide do capitalismo. Isto é verdade não por razões ideológicas, mas por razões muito materiais. Lênin descreveu a questão nacional como uma questão de pão. A única saída para resolver a questão é através do desenvolvimento das forças produtivas. Isto só pode ser conseguido com a libertação das nacionalidades oprimidas da interferência imperialista; para levar até o fim o processo é necessária a expropriação da propriedade das empresas imperialistas e da oligarquia local, e através de um planejamento harmônico das forças produtivas sob controle democrático e administradas pelos trabalhadores.

Como pode ser resolvida a questão do retorno dos refugiados sob a égide do capitalismo? Se considerarmos a questão no âmbito capitalista o retorno dos refugiados significará o aumento da competição pelo acesso aos poucos recursos, empregos, casas, assistência médica, educação e outros serviços públicos. Provocaria tensões sob linhas nacionais e religiosas. A independência da Ossétia do Sul ou sua integração à Federação Russa inevitavelmente acabaria em limpeza étnica da minoria georgiana da Ossétia do Sul, o que por sua vez fortaleceria o ressentimento da população da Geórgia e prepararia nova instabilidade e guerras.

A complexidade da questão nacional no Cáucaso

O Cáucaso foi ao longo de milhares de anos uma rota de passagem para diferentes povos, línguas e religiões. A perspectiva de uma separação física dos diferentes povos como uma "solução" para a questão nacional é uma loucura reacionária.

Vejamos por exemplo o caso da Ossétia do Norte hoje, assim como o de outras Repúblicas do Cáucaso. Com o colapso da URSS, os ossétios do Norte, que são cidadãos russos, lutaram contra seus vizinhos Ingush, que também são cidadãos russos. Esta guerra foi o resultado trágico das políticas catastróficas de Stalin em relação à questão nacional. Centenas de milhares de Ingush (assim como de chechenos) foram exiladas na década de quarenta sob as ordens de Stalin (ver Stalin Liquida Duas Repúblicas, de Ted Grant).

Boa parte das terras dos Ingush não voltou para eles. Milhares de Ingush ainda vivem em condições primitivas sobrevivendo basicamente em campos de refugiados. O potencial para a violência a qualquer momento explica porque os terroristas escolheram Beslan, uma cidade na Ossétia do Norte, para um tenebroso ataque terrorista em uma escola em 1º de setembro de 2004. Eles queriam que os ossétios acreditassem que os terroristas eram Ingush, e provocar uma nova guerra civil, que poderia ter acontecido em 2004, assim como ainda pode acontecer no futuro. Contudo, os ossétios, que foram removidos para essas terras e que trabalharam duro por duas ou três gerações, já que não tinham outro lugar para ir, também têm direitos que precisam ser considerados. Esta é uma questão complicada e muito delicada.

Voltar a Lênin!

Em seu livro, Rússia da Revolução à contra-revolução, escrito em 1996, Ted Grant resumiu o modo como Lênin e os bolcheviques tratavam a questão nacional, como se segue nesta longa citação:

"A Rússia czarista era uma prisão para as nacionalidades. Uma das chaves do êxito da revolução bolchevique foi sua política sobre a questão nacional. Lênin entendeu que a única maneira de construir uma nova federação socialista era sobre a base da igualdade completa das minorias nacionais que formavam a Rússia. Não podia haver nenhum tipo de coação de uma nação sobre a outra. Só podia ser estabelecida uma república socialista como a união voluntária das nacionalidades. Em conseqüência, o direito das nacionalidades à autodeterminação estava gravado na bandeira do partido e da jovem República soviética, incluindo o direito à secessão em casos extremos.

"Lênin defendia a unidade dos povos do antigo império czarista, mas tinha que ser uma unidade voluntária. Por isso insistiu desde o início na questão sobre o direito à autodeterminação. Esta idéia freqüentemente é mal compreendida como uma exigência a separação, mas isto é completamente incorreto. Os bolcheviques não eram a favor da separação, mas defendiam a extensão mais ampla possível do direito à autodeterminação, até mesmo e inclusive a separação. Ninguém tem o direito de obrigar um povo a viver dentro dos confins de um Estado, quando a maioria não o deseja. Mas o direito à autodeterminação não implica a reivindicação da separação, da mesma forma que o direito ao divórcio não significa que todos os casais tenham que se separar, ou que o direito ao aborto signifique que se tem que por fim a todas as gravidezes".

Também é importante assinalar que:

"O direito à autodeterminação era uma parte importante do programa de Lênin, na medida em que demonstrava claramente aos trabalhadores e camponeses (especialmente a estes) oprimidos da Polônia, Geórgia, Letônia e Ucrânia que os trabalhadores russos não tinham nenhum interesse em oprimi-los e que defenderiam firmemente seu direito de decidir seu próprio destino. Mas isto era apenas a metade do programa de Lênin sobre a questão nacional. A outra metade é igualmente importante - a necessidade de manter a união do proletariado acima de todas as diferenças nacionais, lingüísticas ou religiosa. No que se refere ao partido bolchevique, Lênin sempre se opôs a qualquer tendência de dividir o partido (e o movimento operário em geral) sob linhas nacionais".

Lênin se opôs a qualquer manifestação de chauvinismo Grã-russo. "Declaro uma guerra de morte ao chauvinismo Grã-russo", escreveu a Kamenev; considerava esta questão de fundamental importância para determinar seu irrevogável rompimento com Stalin, quando Lênin já estava em seu leito de morte; depois da vergonhosa conduta de Stalin e Dzerzhinsky contra a oposição dos comunistas georgianos aos seus planos para formar a Federação. Como explicou Ted Grant:

 "Depois da revolução, Lênin pensava que poderia haver uma união fraterna e voluntária dos povos do antigo regime czarista na forma de uma Federação Soviética. Com esta finalidade, exigiu que todas as nacionalidades fossem tratadas com extrema sensibilidade. Tinha-se que eliminar toda e qualquer manifestação de chauvinismo grã-russo. De fato, durante algum tempo após Outubro, a palavra Rússia desapareceu completamente dos documentos oficiais. O nome oficial da terra de Outubro era simplesmente "o Estado Operário".

A concepção de Lênin é a chave para encontrar a saída deste pesadelo. Tanto no Cáucaso como no restante da antiga União Soviética.

Por um novo Outubro

A luta de classes em todos os países, começando pela Rússia, está envenenada pela questão nacional. Os trabalhadores russos não ganharam nada com a guerra na Geórgia, exceto a arrogância de Putin e a proliferação de organizações neonazistas, que participaram da violência contra os trabalhadores e a juventude da região do Cáucaso, e contra os trabalhadores russos e suas organizações no futuro. Somente os marxistas podem proporcionar um programa e perspectivas para resolver as cicatrizes da questão nacional, que dependem da luta da classe trabalhadora e do estabelecimento de uma federação socialista de Estados da ex-União Soviética e em nível internacional.

A alternativa socialista pode parecer distante e difícil. Contudo, as bases para tal projeto já foram plantadas no passado pela Revolução de Outubro, e de maneira prática. Esta é a inspiração para a luta contra o capitalismo, o imperialismo e o nacionalismo de hoje. Caso contrário, o atual momento do capitalismo é de horror sem fim.

Hoje, o inimigo da classe trabalhadora russa são os novos senhores capitalistas. Isto já é visível no poderoso ódio da classe contra os capitalistas. O estado de ânimo dos trabalhadores não é diferente do de outras ex-repúblicas soviéticas, inclusive a Geórgia, onde existe uma forte polarização de classe na sociedade e onde oligarcas, do tipo de Kaja Benkuidze, que ganhou bilhões com a indústria metalúrgica nos Urais durante as privatizações e que posteriormente passou a ser ministro no governo de Saakashvili, lançaram o famoso slogan: "privatizar tudo, menos sua consciência".

Recentemente, foi registrada reação contra os oligarcas georgianos, com protestos de massa em Tbilisi no final do ano passado, que foram violentamente reprimidos pelo Estado georgiano. Neste momento, está havendo confusão e comoção pela guerra, e amargura contra a Rússia. Mas a luta de classes vai atravessar a barreira da histeria. A demagogia nacionalista de Saakashvili é um sinal de sua debilidade. Sem ela não existe base estável de apoio. Todos os políticos burgueses da Geórgia e suas políticas estão vazios. Os trabalhadores não têm outra opção que não seja a resistência.

De fato, a erupção de guerras que ferem a face do planeta não é apenas um sinal de reação. Estas guerras também são um sinal da crise do sistema em escala mundial. A globalização não significa apenas a emergência de um imperialismo econômico e militar de fato, como também a crise globalizada do capitalismo e o potencial dos trabalhadores para lutar contra os males do capitalismo em todos os países. Se Lênin estivesse vivo, começaria por destacar em cada país a crise mundial do capitalismo, e a maneira correta em que se desenvolverá a perspectiva da revolução mundial, que já começou na América Latina, e está encontrando eco na América do Norte, Europa e Oriente Médio.

Mas assim como Lênin ressaltaria que existem duas Américas do Norte, a América do Norte capitalista e a América do Norte dos trabalhadores, ele também explicaria que existem duas Rússias. A desigualdade nunca foi tão profunda como no momento atual. O distrito de Rublyovka perto de Moscou possui mais milionários por quilômetro quadrado do que qualquer outro lugar no mundo, da mesma forma que na Duma russa há mais milionários do que em qualquer outro parlamento no mundo. Estas personalidades, fabulosamente ricas, efetivamente vivem em outros países, e dispõem de uma proteção policial especial. E como em um processo judiciário, quando viajam por estradas, o tráfego é interrompido. Eles não têm nenhum contato com os russos normais e correntes, cuja renda está sendo minada pela inflação, ou sendo cortada pela pura e simples ganância dos patrões. Este é o caso dos mineiros de Severouralsk.

Depois de duas décadas de ataques, os trabalhadores russos estão começando a lutar. Isto pode ser temporalmente interrompido pelo frenesi do êxito militar russo. Mas a política exterior do Kremlin não possui nada de progressista para os trabalhadores russos, a quem não resta outra opção se não lutar contra os senhores capitalistas tanto em casa como no exterior.

A única saída para os trabalhadores russos e georgianos é unir forças contra a ingerência imperialista e de seus próprios exploradores. A única tradição que pode unir a todos os trabalhadores independentemente de sua nacionalidade, idioma, cor ou religião é a do bolchevismo e da tradição de Outubro.

Viva a solidariedade proletária!

Por um novo Outubro!

Por uma federação socialista do Cáucaso e internacional!

 

15 de Agosto de 2008

Source: Esquerda Marxista