Espanha: dois milhões de pessoas nas ruas contra o genocídio em Gaza dizendo – Basta!

Durante o fim de semana, as ruas da Espanha foram tomadas por uma maré humana protestando contra o genocídio sionista em Gaza e contra o ataque de Israel a Flotilha, que tinha como objetivo romper o bloqueio com ajuda humanitária à população palestina massacrada.

No sábado do dia 04 de outubro, 400.000 pessoas participaram da manifestação em Madrid, 300.000 em Barcelona, 100.000 em Valencia, 50.000 em Pamplona e dezenas de milhares mais em quase outras cem cidades. A isso, deve-se adicionar os 100.000 estudantes do ensino médio que protestaram em 2 de outubro e quase meio milhão de pessoas que se manifestaram na mesma tarde contra o ataque à Flotilha. Ademais, outras dezenas de milhares de estudantes e professores universitários que tomaram as ruas na sexta-feira do dia 3 de outubro.

Ontem, no domingo dia 05 de outubro, outras 200.000 pessoas tomaram as ruas em Santiago (Galicia), Cádiz, Jaén, Palma (Ilhas Baleares), Gijón, Tenerife, Salamanca, e em outros lugares. No geral, quase 2 milhões de pessoas saíram para protestar nestes quatro dias de incessantes manifestações. Esse foi o maior movimento popular a favor de Gaza desde o início do massacre há dois anos atrás.

Essa resposta entusiasmada da classe trabalhadora e juventude tem sido semeada por semanas, a partir de um evento aparentemente banal e secundário, como o protesto contra a participação de uma equipe israelense de ciclismo na tradicional Vuelta Ciclista a España, uma competição de ciclismo que acontece entre o final de agosto e a primeira quinzena de setembro.

O que começou como um protesto improvisado por cinco pessoas na beira de uma estrada no início da competição que passava pela cidade catalã de Figueres culminou em uma concentração de 100.000 pessoas em Madrid no dia final da Vuelta. A corrida eventualmente teve de ser cancelada quando pessoas correram pela pista, impedindo-a de continuar.

A direita espanhola, à sua maneira, contribuiu para a tensão nos dias que se seguiram a este acontecimento, entrando em pânico e reagindo da forma mais histérica possível à entrada da classe trabalhadora e das massas jovens nos acontecimentos. Sentiam o sopro da revolução, vendo como as massas de trabalhadores e jovens deixavam de ser observadores passivos e se lançavam à luta para tomar o seu destino nas próprias mãos e mudar as coisas através da ação direta.

Os líderes dos partidos PP e Vox em Madrid, que têm fortes laços econômicos e mediáticos com o capital sionista, chamaram as dezenas de milhares de jovens e trabalhadores que boicotaram a Vuelta de "horda" e "ralé", culpando o governo Sánchez por os encorajar e dar-lhe um destaque imerecido ao boicote. Com o passar dos dias e semanas, a direita tornou-se totalmente comprometida em apoiar o genocida Netanyahu, deixando-se amplamente desacreditada entre a população, incluindo um segmento vacilante dos seus eleitores. As ações dos líderes do PP em Madri foram particularmente insensatas. A presidente do governo regional de Madri, Isabel Díaz Ayuso, chegou ao ponto de proibir atos de solidariedade à Palestina por parte de professores e alunos, e até mesmo a exibição da bandeira palestina, nas escolas de Madri. Em resposta, 1.200 associações de pais e professores da região de Madri desafiaram a proibição de Díaz Ayuso, agravando ainda mais a situação e permitindo que o governo Sánchez se apresentasse como um herói, enfrentando a direita e Israel, e (apenas da boca para fora) bloqueando o envio de armas para aquele país.

Tudo isso reforçou ainda mais a determinação das massas da população de irem às ruas. Além do exposto, é claro, devemos destacar o impacto do movimento gerado semanas atrás com a saída da Flotilha dos portos de Barcelona e Gênova, o impacto das declarações dos estivadores de Gênova de bloquear o comércio com Israel caso atacassem a Flotilha, e as extraordinárias mobilizações da classe trabalhadora e da juventude italiana na semana anterior, que mobilizaram centenas de milhares de pessoas, reforçando sua determinação em demonstrar seu repúdio ao genocídio em Gaza.

É preciso dizer que o pânico da classe dominante com a "italianização" dos protestos espanhóis contaminou o próprio governo Pedro Sánchez ao final das manifestações em massa de quinta-feira, 2 de outubro. Quando a polícia de Madri, Barcelona e Sevilha, recebeu ordens de reprimir as mais importantes manifestações, com cassetetes em alguns setores, sem qualquer provocação prévia dos manifestantes.

A intenção era enviar um sinal: que o povo não se deixasse levar, que não acreditasse em sua força; em suma, refletia o medo de uma explosão social. Mas isso não teve efeito em intimidar o povo, que triplicou e quadruplicou seu número nas manifestações de sábado, 4 de outubro, nessas cidades.

Para dizer a verdade, essa resposta extraordinária que vimos nas ruas espanholas ocorreu em meio a uma completa ausência de direção, seja sindical, política ou de qualquer outra natureza, independentemente do fato de que, no caso das manifestações, grupos que ninguém acompanha ou conhece marcaram data, local e horário para ir às ruas. Cada passo do movimento ocorreu de forma espontânea ou semi-espontânea, seguindo seu próprio instinto.

“Chega de palavras!” “Queremos ações!”

Um elemento diferente caracterizou esses protestos se comparados aos dos dois anos anteriores: a culpa e a cumplicidade que atribuíram aos governos ocidentais e europeus pelo genocídio sionista, que nada fizeram para impedir o massacre.

Eles apontaram, com razão, sua responsabilidade no fornecimento de armas a Israel, daí que uma das principais palavras de ordem tenha sido exigir que Sánchez imponha um embargo total de armas a Israel e o rompimento de todas as relações diplomáticas, comerciais e culturais com a entidade sionista, algo que o governo reluta em fazer.

Portanto, a conclusão mais importante dessas mobilizações foi: Chega de palavras! Queremos ação! Assim, outras das palavras de ordem mais importantes foi, seguindo o exemplo italiano, exigir a convocação de uma greve geral, que as covardes direções sindicais, sem distinção entre grandes e pequenos sindicatos, estatais ou nacionalistas, adiaram para 15 de outubro, um dia distante no tempo e com a "esperança" de que até lá algum tipo de acordo tenha sido assinado e não seja necessário mobilizar seu aparato para esse esforço.

Mas essa enorme atmosfera de indignação e raiva contra o genocídio israelense e de apoio ao povo palestino não emergiu há algumas semanas. Sem voltar mais no tempo, uma pesquisa realizada em maio pelo Instituto Real Elcano, uma instituição analítica de direita sem suspeitas de simpatias pela Palestina, revelou que 82% da população espanhola descreveu as ações de Israel em Gaza como "genocídio", com 78% a favor de um Estado palestino e apenas 23% apoiando o Estado de Israel.

Independentemente da confiabilidade dessa pesquisa, é claro que o apoio aos palestinos e a rejeição a Israel só aumentaram desde sua realização. Na realidade, a simpatia e o apoio ao povo palestino entre a classe trabalhadora espanhola já existem há décadas, e agora o genocídio em Gaza os trouxe à tona com toda a sua força.

A atuação do governo Sánchez

As ações de todo o governo Sánchez, tanto nacional quanto internacionalmente, apresentando-se como defensor da causa palestina, nada mais são do que uma tentativa de se acomodar a esse clima político predominante, a fim de consolidar seu apoio popular diante de sua fragilidade política interna, onde mantém uma maioria parlamentar muito fraca e vacilante. De qualquer forma, independentemente de seus desejos subjetivos, objetivamente, essa postura formalmente beligerante contra o governo israelense ajudou a ampliar o movimento pró-palestino.

Agora, o governo aprovou um decreto-lei para consolidar, segundo ele, o embargo ao comércio de armas com Israel, aprovado em 20 de outubro de 2023. Mas o fato é que, até meados do ano passado, o governo espanhol havia comprado um bilhão de euros em armas de Israel desde outubro de 2023. Somente entre junho e agosto deste ano, vendeu armas para Israel no valor de pelo menos 1 milhão de euros, de acordo com a própria autoridade alfandegária israelense.

Na realidade, o governo nunca atacou os interesses fundamentais do capital sionista no Estado espanhol, do qual manteve uma dependência em questões militares e sistemas de espionagem e segurança, como muitos outros países ocidentais. Sánchez afirma que esse desengajamento militar já ocorreu ou está prestes a ocorrer

De qualquer forma, a proibição do trânsito de armas e combustível para uso militar para Israel através de portos espanhóis, que o governo também aprovou, está sujeita à verificação da carga declarada desses navios. No entanto, se esses navios não declararem essa carga, eles não serão inspecionados, o que é uma forma de contornar essa proibição. O mesmo se aplica aos aviões e navios dos EUA que atracam em suas bases militares espanholas em Rota e Morón, onde, de acordo com o acordo estabelecido em 1988, a Espanha não pode inspecionar o conteúdo de sua carga. Dessa forma, os EUA poderiam continuar usando essas bases militares para transportar armas para Israel.

Recentemente, representantes de estivadores de toda a Europa, incluindo representantes de portos espanhóis, reuniram-se em Gênova, onde se comprometeram a impedir o embarque e desembarque de todo o equipamento militar. Trata-se de passar das palavras aos atos, em estreita colaboração com as organizações que promovem protestos em nome do povo palestino. Somente a classe trabalhadora organizada pode implementar um embargo real ao comércio de armas com Israel, não leis escritas no papel.

O lamentável papel das lideranças sindicais

Desde 23 de setembro, após o impacto da primeira greve geral na Itália, convocada por um pequeno sindicato, o USB, uma atmosfera efervescente e muito nítida começou a se desenvolver em favor de iniciativas semelhantes na Espanha. A liderança dos maiores sindicatos, UGT e CCOO, pressionada por esse ambiente, insinuou que convocaria "mobilizações" em 15 de outubro, três semanas depois.

Claramente, esses líderes estavam ainda mais apavorados do que a classe dominante com a possibilidade de desencadear um movimento que sairia do controle. Sem confessá-lo abertamente, esperavam que até então algum tipo de acordo fosse alcançado em Gaza para que não fossem obrigados a organizar nada. Mas igualmente lamentável tem sido a atitude de outros sindicatos menores e "combativos", como a CGT e os sindicatos nacionalistas bascos (ELA e LAB) e galegos (CIG), que ocupam posições de liderança nessas regiões e que sempre criticaram a passividade da UGT e da CCOO.

Um dos nossos camaradas, representante sindical, em 23 de setembro fez uma fala em uma reunião do sindicato LAB na província basca de Álava, com quase 200 representantes sindicais presentes. Ele propôs que o LAB tomasse a iniciativa de propor uma greve geral às demais organizações sindicais do País Basco e do restante da Espanha no momento do ataque à Flotilha.

Os dirigentes do LAB rejeitaram a proposta com argumentos incomuns, como a incerteza sobre a resposta dos trabalhadores, a dificuldade de chegar a acordos para sair e lutar juntos, etc. Poucos dias depois, o sindicato basco ELA propôs ao LAB que realizassem uma greve separada no País Basco em 13 de outubro. Eles usaram argumentos divisionistas e chauvinistas, alegando que a luta popular contra o genocídio está mais avançada no País Basco do que no restante da Espanha, o que, como os eventos demonstraram, não é o caso.

Uma greve geral separada no País Basco poderia ter desempenhado um papel positivo e progressista se tivesse sido convocada, como no caso da Itália, para 2 ou 3 de outubro. Isso teria exercido uma pressão insuportável sobre as lideranças burocráticas da UGT e da CCOO, forçando-as a aderir ou a apresentar seu chamado à luta, que consistiria em uma "greve" de duas horas em 15 de outubro.

Por fim, todos esses sindicatos (CGT, ELA, LAB, CIG) acabaram aderindo à data de 15 de outubro, convocando greves gerais no País Basco, Galícia e Catalunha (embora apenas a CGT esteja presente aqui), e de duas horas no restante do país. Dessa forma, esperam ter salvado a cara, embora na prática tenham desertado da luta no momento decisivo. O clima para uma luta enérgica é agora, a exposição do papel dos governos ocidentais e seu descrédito popular está acontecendo agora, os pobres de Gaza não podem esperar nada do acordo-armadilha Trump-Netanyahu, e em duas semanas poderemos ver um ressurgimento do movimento.

Uma greve geral no estado espanhol aumentaria o impacto das greves na Itália e abriria a perspectiva de desenvolvimentos semelhantes na França, Bélgica, Escandinávia, Grã-Bretanha e até mesmo na Áustria e Alemanha, e por sua vez entre as massas exploradas do mundo árabe.

Somente o medo de uma explosão revolucionária em todo o Mediterrâneo, ou essa explosão em si, pode derrotar o genocídio sionista na Palestina. É por isso que chegou a hora da mobilização plena e militante dos trabalhadores e da juventude! Qualquer coisa menos que isso é uma cortina de fumaça, que reflete o abismo existente entre as massas da classe trabalhadora e suas direções oficiais.

Uma atmosfera explosiva

É evidente que a atmosfera extremamente radicalizada e militante que presenciamos no Estado espanhol não é apenas uma rejeição à barbárie que testemunhamos em Gaza. Indiretamente, é também um reflexo do cansaço com as condições de vida impostas pelo capitalismo: salários insuficientes, inflação, moradia inacessível, precariedade no emprego, listas de espera em serviços de saúde, a impossibilidade de os jovens terem uma vida estável.

Hoje, os salários médios dos trabalhadores espanhóis com menos de 35 anos estão abaixo da média das pensões recebidas pelos novos aposentados, a idade em que os jovens saem da casa dos pais é superior a 30 anos, 70% dos trabalhadores com menos de 30 anos vivem com os pais porque não têm condições de alugar uma casa ou dividir um apartamento, 70% dos contratos de trabalho apresentam algum grau de precariedade (temporário, meio período, etc.). 

A questão palestina deu a milhões de trabalhadores e jovens uma bandeira e um objetivo pelos quais lutar, algo que eles não encontram na esquerda oficial fossilizada, mesmo onde essa esquerda, até recentemente, parecia bastante "radical". No fim das contas, as condições materiais de vida deram uma expressão de classe a essa profunda frustração e raiva na sociedade.

O reservatório supremo de sensibilidade, de solidariedade, de comoção pelo sofrimento humano está na classe trabalhadora. Diante disso, milhões puderam ver claramente a barbárie e a mentalidade cruel das classes dominantes. São elas que têm algo a ganhar explorando ou oprimindo os outros, e são elas que apoiaram ativamente o genocídio sionista ou tentaram justificá-lo de alguma forma.

As implicações revolucionárias do impacto da barbárie em Gaza e da luta de massas contra ela na consciência são agora evidentes, na Espanha e em todo o mundo. Começando pelas camadas avançadas e avançando para setores mais amplos da classe trabalhadora e da juventude, começa-se a concluir que o genocídio em Gaza não é resultado da maldade de um homem ou de um governo em Tel Aviv. Pelo contrário, é uma expressão da dominação imperialista no Oriente Médio, enraizada nos interesses capitalistas ocidentais nesta parte do globo.

É por isso que o sangue derramado por dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças em Gaza não está caindo em um deserto, ele já está germinando e continuará a fazê-lo por muito tempo. Germina em milhares de novos lutadores contra o imperialismo, o capitalismo e a injustiça, germina em um movimento massivo e imparável de indignação contra o sistema atual e de esperança no novo mundo que é tarefa da nossa geração construir.

Parafraseando o grande revolucionário Buenaventura Durruti, não temos medo das ruínas deixadas pela burguesia e seus cúmplices imperialistas, seja em Gaza ou em outras partes do mundo; nós, trabalhadores, também sabemos construir – não é essa a nossa essência? Reconstruiremos o mundo, e ele será melhor do que antes. Como concluiu Durruti: "A burguesia pode destruir e arruinar seu mundo antes que ele saia do cenário da história. Nós, os trabalhadores, carregamos um novo mundo em nossos corações." Este mundo cresce a cada minuto.

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