Eleições, protestos e crise política: uma posição de classe ante o que está acontecendo na Venezuela

Momentos de elevada tensão política e social estão sendo vividos atualmente na Venezuela. Em 28 de julho foram realizadas as eleições presidenciais com alta presença de eleitores nos 15.797 centros de votação localizados em todo o país. Mas o que se pretendia vender ao mundo como uma jornada cívica e participativa terminou manchado de irregularidades, arbitrariedades e abuso governamental.

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Anteriormente, havíamos sustentado que a situação em torno das eleições de 28 de julho contemplava apenas duas saídas possíveis: uma transição negociada ou uma reeleição fraudulenta. À luz dos fatos, o madurismo decidiu dar um salto no escuro violentando o fechamento do processo eleitoral e fabricando uma colossal fraude, sem precedentes na história da Venezuela.

Desde a noite do sábado, 27 de julho, eleitores de todo o país começaram a se concentrar nos centros de votação. Com isto, confirmava-se o alto interesse da população em participar nestas eleições, algo que não ocorria desde as eleições parlamentares de 2015.

Durante a manhã de 28 de julho, os centros de votação de todo o país estiveram cheios de eleitores. Na maioria das cidades a afluência começou a baixar a partir do meio-dia, com exceção dos centros que iniciaram o processo mais tarde ou que não haviam iniciado ainda.

Em algumas cidades do interior suspeita-se que funcionários do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) atrasaram o início do processo com a clara intenção de desgastar os eleitores nas filas de votação.

Vale recordar que toda tendência à participação massiva supunha votos para o principal adversário de Maduro, no caso, Edmundo González, candidato de consenso da direita, do imperialismo norte-americano e um autêntico fantoche de María Corina Machado. Por esta razão, a tática eleitoral do partido do governo procurou sem êxito fomentar a abstenção entre o eleitorado opositor a todo momento.

Vale destacar também que, apesar da alta concentração de eleitores nos centros eleitorais, a participação teria um teto que dificilmente superaria os 75%. A restrição ao voto no exterior de 4 dos 8 milhões de emigrantes venezuelanos (20% das listas de eleitores), explica em grande parte o acima exposto.

Até as 18 horas, na maior parte do território nacional a jornada transcorreu com relativa tranquilidade. No entanto, produziram-se incidentes isolados e graves:

Grupos parapoliciais abriram fogo em um centro eleitoral de Maturín contra os eleitores nas filas, resultando ferida uma mulher de terceira idade. Da mesma forma, em Caracas, 25 estudantes da Universidade Nacional Experimental da Segurança (UNES) foram presos por enfrentar o diretor de tal instituição, que, de forma agressiva, pretendia forçá-los a votar por Nicolás Maduro. A três dias do ocorrido apenas se informou o aparecimento de 4 estudantes no centro de reclusão DIP-PNB. Condenamos energicamente tais ações arbitrárias e as violações dos direitos fundamentais destas pessoas.

Ao cair da tarde, grandes grupos de eleitores encheram os centros eleitorais para exigir o fechamento das mesas de votação – nos casos onde já não haviam filas – e para testemunhar o processo público de contagem, contemplado pela lei. Foi a partir desse momento que começaram a ser difundidas pelas redes sociais as atas de votação impressas nas mãos de fiscais de mesa opositores em centros eleitorais de todos os estados da Venezuela. Em cada uma dessas atas, o candidato do imperialismo obteve vitórias esmagadoras.

Mas, a partir de outros milhares de centros de votação, começaram a chegar informações de irregularidades. Aos fiscais de mesa da direita foi negada a entrega das atas de votação e outros foram retirados dos centros eleitorais com violência policial e parapolicial. Tentaram dispersar os eleitores desses centros com agressões para negar-lhes o direito legal de presenciar as contagens públicas de votos.

Como se não bastasse, a transmissão dos resultados a partir dos centros de votação foi interrompida de forma abrupta. A operação fraudulenta estava em andamento.  

Os enfrentamentos não se fizeram esperar. Em um deles, perdeu a vida um homem no estado de Táchira. Em torno das 17 horas, nas principais cidades do país ficou evidente uma mobilização inusitada de agentes policiais e parapoliciais. A tensão começou a escalar.

A responsável da Plataforma Unitária Democrática (PUD) escolhida para comparecer à sala de contagem da junta eleitoral, Delsa Solórzano, denunciou que foi impedida de acesso à mesma a uma hora do fechamento oficial das mesas de votação.

Depois da meia-noite, o presidente do CNE, Elvis Amoroso, em companhia de três dos quatro dirigentes restantes do órgão, anunciou resultados questionáveis de um suposto boletim adaptado aos interesses do madurismo:

Com uma transmissão de 80% das atas e com uma participação de 59% dos eleitores, Nicolás Maduro se impôs com 5.150.092 votos (51,2%) frente aos supostos 4.445.978 (44,2%) obtidos por Edmundo González. Os demais candidatos obtiveram um total de 462.704 votos (4,6%).

Segundo Amoroso, esses resultados mostravam uma “tendência irreversível” mesmo sem somar os 20% de atas restantes e com uma diferença eleitoral de 704.114 votos (7,33%). Aqui estamos tratando de uma grande inconsistência.

Além disso, em tal declaração, Amoroso destacou, sem apresentar provas, que a entidade eleitoral havia sofrido um ataque cibernético proveniente da Macedônia do Norte, responsável pela interrupção da transmissão dos dados por um período de tempo significativo.

Logo em seguida, a direita, pela voz de María Corina Machado, ignorou os resultados apresentados pelo CNE, destacando diversas irregularidades como a interrupção da transmissão dos resultados e a recusa de ter um representante na sala de contagem da entidade eleitoral. Afirmando possuir um resultado diferente, anunciou que Edmundo González havia sido eleito como o novo presidente da República Bolivariana da Venezuela.

Em resposta à acusação de ataque cibernético, o ex-candidato presidencial Enrique Márquez – que foi diretor do CNE – denunciou no dia seguinte que a auditoria pós-eleitoral do sistema, que poderia gerar provas confiáveis do suposto ataque cibernético, foi suspensa.

Com toda a responsabilidade que tal fato merece, devemos assinalar que os resultados oferecidos pelo CNE são contrários a todas as informações oferecidas pelos atores que tiveram acesso às atas nos centros de votação.

A três dias do anúncio dos resultados, o órgão eleitoral não publicou as atas comprobatórias de cada mesa de votação, assim como ainda não se conhecem as atas do referendo sobre o Essequibo após quase 8 meses de sua realização. Nicolás Maduro assinalou que o atraso na apresentação das atas se deve a que o sistema eleitoral não deixou de receber ataques cibernéticos provenientes do exterior.

Precisamente no dia 31 de julho, Nicolás Maduro introduziu um recurso contencioso à Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), prometendo que o PSUV e o Grande Polo Patriótico estão prontos para os 100% das atas de votação. Acreditamos que, com esta manobra, Maduro esteja tratando de ganhar tempo ante as pressões internas e externas, enquanto tenta desafiar a direita para que apresente suas atas diante do Poder Judiciário.

Há um fato evidente: o madurismo, vendo-se derrotado, decidiu ignorar a decisão majoritária da população, sabotando o fechamento do processo eleitoral com base em ações arbitrárias, em um mar de irregularidades e na violência contra a cidadania congregada em milhares de centros de votação.  Todos estes fatos contam com a nossa mais categórica rejeição.

O que foi dito acima não supõe, sob nenhuma hipótese, que damos apoio à direita pró-imperialista. Sabemos que a mesma é constituída por um bando de delinquentes que, no passado, organizaram golpes de Estado e pediram ao imperialismo intervenção militar e sanções financeiras. A mesma aspira voltar ao governo para dar continuidade à austeridade e ao ajuste, acelerando e expandindo o processo de privatizações para continuar fazendo com que o povo trabalhador pague pela crise.

Mas tal posição não nos obriga a avalizar as ações autoritárias dos liquidadores da revolução bolivariana, dos perpetradores do ajuste anti-operário e antipopular mais brutal de nossa história e dos autênticos saqueadores da riqueza nacional.

Na segunda-feira, 29 de julho, depois de um certo estado de choque e descontentamento que foi acompanhado por panelaços em quase todo o território nacional, produziu-se em toda a Venezuela um genuíno levantamento popular a partir do meio-dia.

Na Grande Caracas, moradores de numerosos bairros proletários inundaram as ruas e rodovias, montaram barricadas e decidiram marchar repudiando a evidente fraude eleitoral que burlou sua decisão nas urnas. Falamos de moradores de Petare, Antímano, El Guarataro, La Dorita, La Veja, entre outros barrios.

No interior do país foram registrados saques, incêndios de prefeituras e de instalações dos órgãos de repressão, com manifestantes cercando as instalações militares e até derrubando estátuas de Hugo Chávez em várias cidades. A ira popular transbordou e nela se misturaram elementos de indignação, raiva, cansaço e revanchismo.

Deve-se destacar a grande tragédia política que hoje aflige a classe trabalhadora e demais setores oprimidos. Atualmente, as massas populares identificam suas penúrias e privações com os ideais do socialismo e da revolução bolivariana, o que não tem nada a ver. E isto é assim graças à desastrosa e corrupta gestão do madurismo em favor do capital, que emprega uma fraseologia revolucionária diante de cada arremetida contra os direitos e conquistas dos trabalhadores urbanos e rurais.

Convém destacar que as ofensivas insurrecionais da direita de 2014 a 2017 nunca puderam se espalhar além das zonas de classe média alta. Enquanto os conjuntos e localidades da pequena burguesia ardiam em barricadas e sob a violência reacionária, os barrios permaneciam tranquilos. Mas na atualidade a situação se converteu em seu contrário.

Hoje reina nos barrios a raiva dos despossuídos, desses mesmos que, com o peso da crise sobre os seus ombros, foram defraudados mais de uma vez por Maduro. Não se trata de uma reedição das guarimbas como o PSUV tenta vender. Não é uma expressão do “fascismo” e do “terrorismo” da reação. O que vimos no dia 29 de julho foi uma sublevação dos barrios diante da fraude e da enganação realizadas pelo mesmo governo responsável pela imposição de salários de fome, pela destruição dos níveis de vida alcançados durante o auge da revolução bolivariana, pelo colapso dos serviços públicos graças aos cortes e ao ajuste, bem como pelo assalto geral aos direitos democráticos.

À falta de uma alternativa revolucionária, as aspirações dos pobres da Venezuela se veem hoje projetadas falsamente na demagogia da direita mais rançosa, que aspira chegar ao poder para governar contra eles e a favor da velha burguesia parasitária e do imperialismo. Uma direita que, ocupando Miraflores, não hesitaria um segundo em cobrar do povo humilde a ousadia de ter começado uma revolução no passado, valendo-se das mesmas armas repressivas que foram criadas e fortalecidas por Maduro.

Em resposta, o governo desatou uma forte repressão empregando as forças de segurança e grupos parapoliciais para dispersar a população. Como era de se esperar, em várias cidades se registraram mortes e dezenas de feridos por disparos arma de fogo.

As prisões, segundo fontes oficiais, ultrapassam mil pessoas. Meios de informação relatam desaparecimentos de jovens manifestantes em várias cidades do país, não se sabendo para onde foram trasladados.

Desde as primeira horas da manhã de terça-feira, 30 de julho, policiais e grupos armados encapuzados ingressaram em numerosos barrios de Caracas para amedrontar seus moradores e impedir novos protestos. Ocorre o mesmo em muitos barrios do interior do país, enquanto a militarização do país avança sem parar.

Submetidas à repressão direta nos barrios a partir do dia 30 de julho, em Caracas as mobilizações populares foram reduzidas consideravelmente. Em grande número de cidades do interior do país os protestos e enfrentamentos continuam, embora com menor força. Grupos policiais e parapoliciais realizam o trabalho de patrulha nos barrios durante as noites, o que supõe um toque de recolher de fato nesses locais.

De maneira categórica e inequívoca devemos rejeitar a tomada dos barrios por grupos policiais e parapoliciais. A presença desses destacamentos nas zonas populares busca apenas gerar terror, medo e perseguição a nossos irmãos de classe.

Para impedir um novo 29 de julho, esta prática pode se converter na nova normalidade nos setores populares, onde, de fato, ficariam suspensos os direitos políticos e de protesto pacífico do povo mais humilde. E não nos referimos apenas a protestos com caráter político, também nos referimos a protestos pelo colapso dos serviços, sempre presentes nestas localidades.

Conhecemos muito bem a forma de agir dos órgãos policiais que em todos os lugares violentam o devido processo e os direitos humanos da população mais carente. São os mesmos que na operação “Gran Cacique Guaicaipuro” detiveram jovens inocentes na Cota 905, fazendo-os passar por membros da quadrilha do Coqui. São os mesmos que extorquiram tudo o que puderam, os que prendem sem informar o local da apreensão dos capturados e os que praticam torturas inomináveis nos centros de reclusão.

Como comunistas não acreditamos na possibilidade de se reformar os distintos destacamentos repressivos do Estado burguês, cuja função é exercer a violência organizada das classes dominantes para manter submetidos os explorados e oprimidos. Nossa luta busca organizar o povo trabalhador para fazer a revolução, destruir o aparato estatal capitalista e dissolver os órgãos repressivos essencialmente corruptos a fim de substituí-los pelo poder social organizado e armado da classe trabalhadora e dos setores populares.

Se restava alguma dúvida sobre o caráter antipopular do governo, aqui está a prova definitiva. Para todos os que têm olhos para ver, o porrete de maduro e dos grupos de poder do PSUV está dirigido contra suas anteriores bases sociais. Isto se opõe diametralmente aos ideais da revolução bolivariana, assassinada e enterrada na sepultura sob o palácio da pretensa “burguesia revolucionária”.

Sem dúvida alguma, está evidente que Maduro lidera um regime bonapartista, cujo único sustentáculo está enraizado nos aparatos militares, policiais e parapoliciais. O povo trabalhador venezuelano resiste hoje ao jugo do que Karl Marx assinalou como “o domínio da espada sobre a sociedade”.

Enquanto isso, a oposição de direita centralizou a maioria de suas ações na coleta dos dados da votação em um site para evidenciar a vitória de Edmundo González perante o mundo. Segundo a contagem parcial de 85% das atas de votação recolhidas pela direita, o candidato do imperialismo alcançou 7.086.955 votos (67%) frente a 3.206.164 votos (30%) obtidos por Maduro.

Em todos os momentos e lugares, Maria Corina Machado se mostrou distante dos protestos nos barrios. A líder da reação se limitou a propor assembleias por todo o país, convidando seus seguidores a se concentrarem em paz e harmonia, precisamente nos bastiões históricos da direita de cada cidade. Atos onde, além disso, a composição social pequeno-burguesa predomina sobre outras. Não duvidamos que tal moderação desalentou em parte a mobilização popular nos barrios tanto quanto a repressão estatal.

Edmundo González – nos poucos segundos que Machado lhe permitiu falar – deixou ver em suas declarações que o seu maior interesse é garantir uma transição pacífica. Com esta mensagem, ele expressa o medo da burguesia tradicional de que a iniciativa das massas dê o tom. Afinal, uma massa insurreta e disposta a depor um governo hoje pode se tornar incontrolável no futuro. Está claro que, para a direita e para a burguesia pró-imperialista, os barrios insubmissos são mais perigosos que as ameaças do governo.

Mas, do ponto de vista econômico, há uma razão por trás dessas declarações. Em um comunicado, o setor patronal mais importante da Venezuela, Fedecámaras, assinalou o seguinte: “(…) Fazemos um apelo para que as manifestações que estão ocorrendo em diferentes cidades do país ocorram de maneira pacífica, com o devido respeito à propriedade privada, visto que podem estar em risco tanto a vida de nossos trabalhadores quanto a estrutura física das empresas que são importantes fontes de emprego”. Desta forma, a burguesia tradicional, a chefe nacional da direita logo depois do imperialismo norte-americano, pede calma para continuar fazendo seus negócios, explorando a classe trabalhadora mais barata, mais precarizada e com menos direitos de toda a região.

Fica evidente que a tática atual coordenada a partir de Washington consiste em continuar pressionando para conseguir uma transição ordenada de poder na Venezuela. Com as provas na forma das atas coletadas pela direita, María Corina Machado lançará a tática de expor o governo, sua ilegitimidade e seu autoritarismo – inclusive o risco de terminar na cadeia –, debilitando-o, tentando gerar brechas nas suas entranhas, enquanto os EUA negociam com alguns grupos de poder maduristas para que produzam uma ruptura.

A poucas horas de se conhecer o primeiro boletim do CNE, choveram questionamentos dos resultados eleitorais na maioria dos países da América e da Europa, com exceção da Bolívia, Nicarágua e Cuba. Sem esperar muito, o governo venezuelano anunciou a expulsão do pessoal diplomático da Argentina, do Uruguai, do Chile, Peru, Panamá, Guatemala, Costa Rica e República Dominicana.

Em sua conta no X, o presidente argentino, Javier Milei, afirmou o seguinte: “A Argentina não vai reconhecer outra fraude e espera que as Forças Armadas defendam desta vez a democracia e a vontade popular”. A torpeza e a brutalidade de Milei se evidenciam. Assim, nesta declaração contraditória, ele incita o setor militar venezuelano a executar um golpe de Estado para a defesa da democracia. Mas de personagens reacionários como este, tal pedido não nos surpreende. Pode-se dizer que o mesmo resume muito bem a hipocrisia histórica da direita internacional, que, enquanto derrama lágrimas de crocodilo sobre a Venezuela, no passado legitimou o golpe de Estado de abril de 2002 nesse mesmo país, avalizou a ascensão golpista ao poder por parte de Dina Boluarte no Peru, apoia Israel no brutal genocídio contra o povo palestino e, quando forma o governo, não duvida em aplicar cortes brutais e a austeridade mais profunda, acompanhados de repressão e perseguição aos trabalhadores. Recusamos de forma contundente esse tipo de declarações.

Por sua vez, a chancelaria brasileira solicitou uma verificação imparcial dos resultados, pedindo ao CNE a publicação dos dados desagregados por mesa de votação. Esse pedido foi ratificado por Lula de forma conjunta com Joe Biden depois de uma chamada telefônica que mantiveram em 30 de julho, cujo conteúdo foi difundido por ambos os governos. Soube-se também que o Brasil terá a custódia da embaixada argentina em Caracas – cujo pessoal diplomático deve abandonar o país –, encarregando-se dos 6 políticos próximos a María Corina Machado refugiados ali e talvez também protegendo a líder direitista que presumidamente está escondida na sede diplomática. Claramente Lula está em comunicação com as partes em conflito, criando canais de negociação pelas costas do povo trabalhador.

Com tom moderado, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, convidou o governo venezuelano a possibilitar a conclusão das eleições em paz, permitindo uma votação transparente com supervisão de todos os grupos políticos e com supervisão internacional especializada. A burguesia colombiana, assim como a brasileira, temem o aguçamento do conflito devido às suas repercussões humanitárias e migratórias.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, assinalou que reconhecerá os resultados das eleições venezuelanas se o CNE os confirmar. Defendendo a soberania da Venezuela, criticou a Organização dos Estados Americanos (OEA) por sua falta de prudência todas as vezes em que pediu transparência na contagem e que se evitem acusações de fraude até que se apresentem provas concretas.

Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia, pediu às instituições da Venezuela que garantam uma total transparência do processo eleitoral, com acesso às atas de escrutínio e com uma contagem detalhada dos votos. Dessa forma, as vozes políticas do imperialismo europeu, que também vem reconquistando sua presença no mercado energético venezuelano, fixam posição ao longo da linha da solução negociada e ordenada, que permita continuar extraindo os recursos sem problemas.

Maduro recebeu o apoio diplomático de potências aliadas como a China e a Rússia, as quais, não podemos descartar, desempenharam certo papel nas ações governamentais de 28 de julho. Para os governos destes países é importante evitar perder um posto avançado latino-americano para os seus interesses geopolíticos.

Em 31 de julho, Maduro pôde celebrar a não aprovação por falta de votos da proposta resolutiva da OEA, que exigia a publicação das atas de votação com a presença de observadores.

Além do pedido de uma contagem “justa e transparente” dos votos, o imperialismo norte-americano começou a subir levemente o tom. Fontes jornalísticas vazaram a informação de que Washington avalia impor sanções pessoais mais fortes a funcionários venezuelanos. Da mesma forma, na quarta-feira, 31 de julho, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, expressou que a paciência dos EUA e da comunidade internacional “está se esgotando”. Como militantes venezuelanos da ICR, rejeitamos de forma contundente a prepotência e o tom ameaçador com que o imperialismo ianque se intromete nos assuntos internos da Venezuela e do restante do mundo. Esses assassinos, responsáveis por gerar banhos de sangue, golpes de Estado, pilhagens de recursos e desestabilização em tantos países não podem ter a pretensão de dar aulas de democracia e muito menos tentar impô-la, para encobrir a ditadura de seus bancos e multinacionais.

Embora fosse previsível que os chefes máximos da direita venezuelana subissem o tom, acreditamos que manterão certa cautela para não colocar em risco os avanços de multinacionais como a Chevron no negócio petroleiro de nosso país. Isto a menos que a crise política escale e eles se vejam obrigados a tomar uma posição muito mais contundente.

Como dissemos, o imperialismo norte-americano está pressionando para que se concretize uma transição de poder ordenada. Seus interesses atuais não estão do lado de uma escalada do conflito político venezuelano, de forma que o obrigue a dedicar atenção especial diante de tantas frentes abertas em nível internacional (Ucrânia, Palestina, Iémen, entre outros). Ademais, temem cenários que precipitem novas vagas de migrantes venezuelanos que piorem a atual crise migratória dentro dos EUA.

Maduro, a partir da sublevação dos barrios, denunciou que está em marcha uma tentativa de “golpe de Estado fascista”, prometendo sufocar toda rebeldia com mão de ferro. Dando demonstrações do mais asqueroso classismo burguês, qualificou todos os manifestantes dos barrios como “delinquentes” e “viciados em drogas”. Dessa forma, a camada de novos ricos do PSUV evidencia o seu desprezo pelos barrios e pelos pobres, de onde, ironicamente, muitos deles são originários e a quem dizem representar.

O Ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, comemorou os resultados emitidos pelo CNE e depois apoiou a denúncia do suposto “golpe de Estado”. Em uma demonstração de subordinação total, sugeriu que os esforços para resistir ao golpe estão sendo liderados pelo próprio Nicolás Maduro.

Até o momento não apareceu nenhuma brecha nas estruturas do governo e das forças armadas. Os protestos populares, embora importantes, até o momento não tiveram força suficiente para romper as lealdades que os negócios nos terrenos da mineração, do gás e do petróleo unem o alto comando militar a Maduro.

Tudo indica que a alta liderança governamental nunca esteve disposta a confiar em uma entrega negociada do poder e em uma transição ordenada do mesmo, sem represálias por parte do imperialismo norte-americano. Essa consideração levou a cúpula do madurismo a se aferrar ao poder a todo custo, ameaçando o reconhecimento internacional que vinha reconquistando durante os últimos anos. No final da contas, se o poder é a única garantia de segurança que possuem, nunca serão capazes de largá-lo sem uma luta.

As ações fraudulentas do governo no encerramento do processo eleitoral nos fazem pensar que, nos primeiros momentos do processo, acreditaram poder se impor nas urnas. A prepotência burocrática dos que acreditavam ter tudo sob o seu controle claramente colidiu com a realidade.

Agora o madurismo resiste às consequências em sua fortaleza, preparado para temporadas de relativo isolamento internacional, sanções e recrudescimento da crise econômica. Acreditam poder se sustentar como no passado, mas claramente as coisas não são mais como antes.

A rebelião dos barrios ofereceu um sinal evidente de que o descontentamento popular reinante alcançou os seus limites. A situação continua instável. Nada foi resolvido ainda. Qualquer passo em falso pode aguçar o conflito e a disposição de luta dos setores populares, pondo em risco a estabilidade do governo.

Com o recuo momentâneo das massas, o governo começa a tomar a iniciativa:

Nas primeira horas da manhã de 30 de julho, foi preso o dirigente do partido de direita Voluntad Popular, Freddy Superlano, junto a dois de seus colaboradores. E, mais tarde, o presidente da Assembleia Nacional (AN), Jorge Rodríguez, pediu a prisão de María Corina Machado e de Edmundo González. Segundo o jornalista Gregory Jaimes, a ordem de prisão contra os acima citados já foi confirmada por funcionários do Circuito Judicial de Caracas.

É possível que o pedido de prisão de Machado e González seja apenas uma ameaça para forçar sua fuga para o exterior. Se tal fuga for concretizada, a direita ficaria sem liderança e novamente desmoralizada. Também é possível que o governo decida esperar até retomar completamente o controle dos barrios para então realizar a prisão de Machado e González. Fazer isso neste momento suporia despertar novamente a revolta popular que, em Caracas, foi parcialmente sufocada.  

O que ocorreu em 28 de julho estava entre os cenários mais prováveis de nossas análises prévias. Sempre estivemos antecipando que era pouco provável que o governo decidiria reconhecer sua derrota, na forma de uma transição negociada, aceitando as garantias que possivelmente lhe foram oferecidas pelo imperialismo norte-americano. Há muito a perder para eles, portanto optaram por se aferrar ao poder apesar de todos os custos.

A situação de tensão política continua incandescente. Tudo aponta que estamos longe de uma solução, com a probabilidade de que se desenvolvam cenários ainda piores. Mas, independentemente de quem vá se impor na contenda entre a direita e o governo, a classe trabalhadora não tem nada a ganhar. O dilema entre a morte por asfixia ou por decapitação continua na ordem do dia.

Devemos manter a clareza. Para superar o atual estado de prostração em que se encontram as forças revolucionárias, classistas e de esquerda que há tempos romperam com o governo, temos de reconhecer a verdade por mais dura que seja: desde antes das eleições presidenciais, e até mesmo há vários anos, o povo trabalhador já estava derrotado, na medida em que seus níveis de organização foram incapazes de defender e colocar seus interesses na sociedade.

Em vez de cair na negação, é necessário seguir o conselho do filósofo Baruch Spinoza: “Não rir nem chorar, mas compreender”.

Enquanto a ofensiva dos velhos e novos ricos continua sua marcha, os trabalhadores das cidades e dos campos, suportando todo o peso da crise, da perda de direitos democráticos e ante a ausência de uma liderança independente de classe foram incapazes de encarar e resistir. E enquanto a situação continuar sendo a mesma, os resultados serão inevitáveis.

A conclusão a que devemos chegar nessas horas difíceis é que as forças revolucionárias, comunistas e de esquerda devem o mais rápido possível desenvolver todos os esforços possíveis para elevar os níveis de organização e organização das diversas lutas da classe trabalhadora e do povo.

Não concordamos de forma alguma com as posições expressas por outras organizações de esquerda, cuja iniciativa não assinala uma separação clara com os interesses de poder da direita pró-imperialista:

O Partido Comunista da Venezuela (PCV), por exemplo, insiste na tese de “reagrupar as forças genuinamente democráticas”, seguindo os passos de indivíduos como Enrique Márquez, que no passado apoiou as ofensivas insurrecionais da direita e o falso governo interino de Juan Guaidó. Essa organização nos últimos dias exigiu fortemente que o CNE publique as atas de votação, mas em nenhum momento apelou à desconfiança necessária dos setores oprimidos para com os partidos da classe dominante. Em seu apelo, a liderança do PCV fala de “construir espaços de ampla unidade para fortalecer a luta pela recuperação da constituição e do estado de direito na Venezuela” – o que, ao não mencionarem a quem excluem de tal “ampla unidade”, pode ser interpretado como um apelo à unidade de ação com a direita pró-imperialista.

Por outro lado, algumas organizações da plataforma pelo voto nulo pediram à opinião pública para discutir a proposta de uma greve geral. No entanto, diante da debilidade atual das genuínas forças da esquerda, se esse apelo fosse de fato assumido somente a direita pró-imperialista estaria em condições de capitalizá-lo. Em nossa opinião, nem no discurso, nem em ações devemos promover iniciativas que apenas favoreçam qualquer um de nossos inimigos de classe.

Longe de pensar em atalhos, devemos focar em nosso objetivo: levantar as forças da classe trabalhadora e do povo pobre. Isso implica apoiar a luta pela recuperação dos sindicatos como instrumentos para a defesa dos interesses dos trabalhadores, promover a organização estudantil revolucionária, fomentar a criação de comitês de luta por serviços públicos de qualidade nos barrios, combater junto ao movimento de mulheres e da comunidade LGBT pela conquista de direitos e contra as ofensivas de ódio conservador e religioso e incentivar a luta camponesa contra o latifúndio e os assassinatos por encomenda.

Não obstante, o fator decisivo em toda a situação tem sido justamente a ausência de uma direção revolucionária da classe trabalhadora. Para impulsionar com mais eficiência as tarefas antes assinaladas, é necessário construir um novo partido comunista revolucionário com uma grande solidez teórica que defenda a todo momento a independência de classe e que esteja pronto para se enraizar dentro do movimento dos trabalhadores. Para consumar objetivo tão ambicioso, os militantes da Lucha de Clases – seção venezuelana da Internacional Comunista Revolucionária – trabalham sem descanso.

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