Eleição presidencial venezuelana: entre a agressão imperialista e a crise econômica

À medida que se aproxima a eleição presidencial venezuelana de 20 de maio, a campanha de agressão imperialista pelos EUA e seus aliados se intensifica. O objetivo é claro: implementar uma mudança de regime. Ao mesmo tempo, a crise econômica que atravessa o país alcançou níveis intoleráveis para os trabalhadores e os pobres, e as políticas do governo são impotentes para resolver a situação. É necessária uma alternativa revolucionária, uma alternativa que seja capaz de combater a direita e mostrar uma saída real da hiperinflação, da escassez e da depressão econômica.

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Há um ano, estávamos em meio a uma campanha contínua da oposição venezuelana, com o apoio do imperialismo, para derrubar o governo democraticamente eleito do presidente Maduro. Através de violentas mobilizações de massa nas ruas, de ataques terroristas e pressão internacional, eles esperavam criar uma situação de caos que forçasse um setor do exército a remover o governo. Fracassaram. A oposição oligárquica foi incapaz de avançar além de sua base tradicional de apoio nas áreas de classe média e alta.

A classe trabalhadora venezuelana mostrou um muito saudável instinto de classe. Embora muitos tenham desenvolvido um ceticismo justificado sobre o governo de Maduro, sabem muito bem que a oposição representa os interesses da classe dominante e que sua chegada ao poder significaria um desastre para os trabalhadores e camponeses. Enquanto algumas conspirações golpistas eram reveladas, a maior parte do exército permaneceu leal ao governo. A derrota da insurreição da oposição levou a divisões e desmoralização dentro de suas fileiras.

As eleições à Assembleia Constituinte (AC) em julho de 2017 viram uma significativa mobilização da base chavista, que considerou as eleições como uma oportunidade para assestar um golpe contra a direita e o imperialismo. Mas logo se dissiparam as esperanças de que a AC servisse para devolver o poder ao movimento Bolivariano ou para tomar medidas decisivas para enfrentar a crise econômica.

Novas eleições e agressão imperialista

As eleições presidenciais de 20 de maio ocorrerão no contexto de uma crescente agressão imperialista e de um acentuado agravamento da situação econômica dos trabalhadores e pobres. A oposição reacionária está dividida. Um setor, liderado por Henry Falcón, participa da eleição contra Maduro, enquanto a maior parte da velha Mesa da Unidade Democrática (MUD) está pedindo o boicote.

O programa de Henry Falcón tem um princípio básico: a dolarização como uma forma de saída da crise. Na prática, tirar a política monetária das mãos do governo significaria um brutal ajuste fiscal, que teria de ser pago pelos trabalhadores e pobres. Ele tenta tornar isso mais atraente prometendo elevar os salários a 75 dólares ao mês (o salário mínimo é agora igual a 36 dólares à taxa oficial de câmbio). No contexto de uma severa crise econômica, Falcón espera atrair uma camada de eleitores intermediários e até mesmo de antigos partidários chavistas desencantados.

Desde o dia em que foram anunciadas as eleições, tanto os EUA quanto a UE declararam que não reconheceriam os resultados. Sua decisão não tem nada a ver com preocupações pela “democracia” ou “justiça”. Essas são as mesmas potências imperialistas que não só fizeram vista grossa, como também organizaram e apoiaram massivamente a fraude eleitoral em Honduras há poucos meses, depois de haver desempenhado um papel chave no golpe militar de 2009. Não os preocupa a fraude eleitoral, desde que ofereça o governo que desejam.

As eleições presidenciais na Venezuela estão ocorrendo usando os mesmos métodos e o mesmo Conselho Eleitoral Nacional que deram a vitória à opositora MUD nas eleições regionais de outubro de 2015 para a Assembleia Nacional. A MUD também participou nas eleições regionais de outubro de 2017. A decisão de setores da oposição de participar nas eleições (ou não) e de Washington e Bruxelas de reconhecê-las (ou não) tem pouco a ver com a qualidade do processo e tudo a ver com a realização de seu principal objetivo: a remoção do governo de Maduro. Temos, assim, o espetáculo surreal das mesmas forças, que gastaram todo o ano de 2017 exigindo eleições imediatas, através da utilização de meios violentos e terroristas, que começaram antes das eleições serem convocadas, exigindo agora que as eleições sejam canceladas.

Washington vem trabalhando ao lado de governos de direita na região (Argentina, Chile, Brasil, Colômbia) para apertar o cerco econômico das sanções em torno do pescoço da Venezuela. O vice-presidente Mike Pence descreveu a Venezuela como um “estado falido” que precisa de “intervenção humanitária”, na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). O “Grupo de Lima” de governos de direita da América Latina, em uma declaração conjunta com a Espanha e os EUA, exigiu a suspensão das eleições. Não há nenhuma dúvida de que a administração Trump quer a mudança de regime e pensa que isto pode ser alcançado mais cedo que tarde.

Se conseguirem alcançar seus objetivos e a reacionária oligarquia venezuelana retornar ao poder, será um desastre absoluto para os trabalhadores e os pobres. Eles implementariam um pacote brutal de austeridade para fazer com que os trabalhadores paguem o preço total do enfrentamento da crise. Isso envolveria cortes massivos nos gastos públicos, destruindo as conquistas da revolução bolivariana nos campos da educação, dos cuidados de saúde e da moradia. Privatizariam novamente todas as empresas nacionalizadas, abririam a PDVSA ao investimento privado, eliminariam as restrições aos despedimentos em massa, destruiriam os direitos sindicais e trabalhistas, devolveriam as terras expropriadas aos latifundiários e aboliriam os subsídios à alimentação e outros. Isso seria acompanhado de uma repressão geral aos direitos democráticos e de ataques às organizações e militantes revolucionários.

Nessas condições, é compreensível que muitos votem por Maduro para mostrar sua oposição ao imperialismo e à oligarquia. Podemos simpatizar com suas razões, mas devemos advertir que a reeleição de Maduro não resolverá nenhum dos problemas econômicos enfrentados pelas massas. Em sua campanha eleitoral, Maduro vem pedindo 10 milhões de votos “para dar um fim às máfias econômicas”. O problema é que isso é exatamente a mesma coisa que ele prometeu há um ano quando convocou a eleição para a Assembleia Constituinte. Muitos agora estão se perguntando: “se ele tem a capacidade de lidar com as máfias econômicas, por que deveria esperar até depois de 20 de maio?”

Crise econômica

No ano passado, a inflação dos produtos básicos alcançou níveis sem precedentes. Para dar um exemplo: um quilo de frango inteiro custava 4.500 bolívares em 2017. Está agora em mais de um milhão de bolívares: um aumento de 22.000%. Enquanto isso, os salários aumentaram, mas a um nível bem abaixo dos preços. O salário mínimo há um ano estava em 146.638,15 bolívares. Está agora em 2.555.500,00: um aumento de 1.620%. Isso significa que o poder de compra dos salários caiu 90% em um ano.

Nessas condições, a vida cotidiana resulta extremamente difícil para as famílias dos trabalhadores. Muitos dependem do CLAP (cestas básicas subsidiadas), mas mesmo estas estão se tornando erráticas em sua entrega. Muitos somente podem sobreviver ganhando alguma renda em dólares (através do teletrabalho, das remessas, da migração e da busca de moedas digitais). As indústrias básicas em Guayana estão ou completamente paralisadas ou operando entre 5-15% de sua capacidade. Há frequentes blackouts de energia elétrica, bem como cortes no suprimento de água.

Naturalmente, a crise econômica se agrava com as sanções econômicas que estão estrangulando lentamente a capacidade do governo venezuelano para aumentar a dívida e importar produtos.

A causa fundamental dessa crise terrível é o colapso no preço do petróleo: a principal exportação do país. Seu valor foi de 100 dólares/barril, em 2013, para 85 dólares em 2014, 41 dólares em 2015 e 35 dólares em 2016. Durante 2017, houve uma ligeira recuperação, mas, ao mesmo tempo, a produção na Venezuela caiu de 2,8 milhões de barris ao dia a 2,2 milhões em janeiro de 2017, alcançando uma baixa recorde a 1,6 milhões em dezembro de 2017. Agora está abaixo da marca dos 1,5 milhões de barris/dia. As razões para esse colapso são a falta de investimentos e manutenção, a corrupção e a má administração. A produção menor evitou que a Venezuela se beneficiasse dos preços mais altos do petróleo.

Por sua vez, a queda nos preços do petróleo revelou as limitações do chamado “socialismo petrolífero”: a ideia de que se pode usar a renda do petróleo para a realização de programas sociais massivos, sem lidar com a questão da propriedade dos meios de produção, que permaneceram largamente em mãos privadas. Nessas condições, o contínuo pagamento da dívida externa esgotou massivamente as reservas de moeda estrangeira, o que, por sua vez, levou a uma redução brutal das importações (de 32,5 bilhões de dólares, em 2014, a 9,3 bilhões de dólares em 2017). Um fator importante para a escassez de alimentos e remédios.

No contexto de uma economia em recessão, a política do governo de imprimir dinheiro para financiar um déficit fiscal anual em torno de 15% do PIB levou a uma desvalorização em massa da moeda (uma queda de 99%, de acordo com a taxa oficial de câmbio), e resultou em hiperinflação. Os subsídios do governo na forma de bônus, pagos pela impressão de dinheiro, não cobrem sequer a perda do poder aquisitivo. O governo continua a apelar às empresas para investir e faz concessões ainda maiores – levantamento do controle de preços, criação de zonas econômicas especiais, abertura de grandes extensões de terra para a exploração mineral, oferecimento de empréstimos baratos –, mas sem êxito.

O lançamento do Petro é uma tentativa desesperada para contornar as últimas sanções financeiras dos EUA, que impedem a Venezuela negociar sua dívida. O Petro, que é faturado como criptomoeda, é um instrumento financeiro baseado na venda de petróleo ainda não extraído. O fato de que se baseie na tecnologia blockchain significa que os investidores podem pagar à Venezuela sem estarem sujeitos às sanções dos EUA e, ao mesmo tempo, permite ao governo venezuelano contratar novas dívidas, contornando a Assembleia Nacional dominada pela oposição. O dinheiro levantado será usado para pagar a dívida, que vence em 2018.

Fracasso das políticas do governo

O que fracassou na Venezuela não foi o socialismo, mas a tentativa de regular o capitalismo (através dos controles dos preços e do câmbio externo), para suavizar suas bordas mais ásperas e fazê-lo funcionar no interesse da maioria. A Corrente Marxista apontou há muito que não é possível combinar elementos de nacionalização e de planificação estatal à economia de mercado. Essa experiência terminaria inevitavelmente em um caos – precisamente o que vemos agora. Mais cedo ou mais tarde, o governo de Maduro será chamado à ordem pelo mercado mundial capitalista. A cada dia que passa, a ameaça de uma moratória aumenta. E Washington não esconde suas intenções de transformar essa ameaça em realidade.

Chávez repetidamente advertiu sobre uma burocracia contrarrevolucionária. A burocracia é um câncer que corrói as entranhas da revolução e a destrói a partir de dentro. Gradualmente, a Revolução Bolivariana está sendo esvaziada por dentro. Está sendo esvaziada de todo o seu conteúdo revolucionário e reduzida a uma casca vazia, uma casca seca que pode ser levada por uma forte rajada de vento. O estrangulamento pela burocracia se estreitou, sufocando a iniciativa revolucionária das massas.

No passado, os programas sociais do governo envolviam elementos de auto-organização nas áreas da classe trabalhadora. Mas tudo isso mudou. Os subsídios do governo tornam os beneficiários mais dependentes do estado (isto é, da burocracia). Esses subsídios são usados como uma poderosa alavanca de patrocínio político. São um meio de corrupção e intimidação; de fato, para comprar votos.

Essa política foi levada um passo à frente com a criação do partido “Somos Venezuela”, fundado por pessoas que organizaram o registro para o “Cartão da Pátria”, por meio do qual os subsídios são distribuídos. A organização de “Somos Venezuela” também faz parte de uma luta no topo entre diferentes “famílias” políticas pelo controle do aparato do estado e dos privilégios e benefícios que vêm com ele. Existem tensões entre Maduro e Cabello. Esse cabo-de-guerra ficou evidente no expurgo generalizado na PDVSA (a empresa estatal de petróleo e gás) e no ministério do petróleo, na segunda metade de 2017, em que dezenas de funcionários de alto escalão da PDVSA e o ministro do petróleo foram presos sob acusações de corrupção, com o ex-presidente da PDVSA e representante na ONU, Rafael Ramirez, ainda em fuga. Não há dúvidas de que essas pessoas estavam de uma forma ou de outra envolvidas em corrupção. Mas a razão pela qual foram atacados tinha pouco a ver com isso: fazia parte de um movimento para destruir a base de poder de Ramirez e eliminá-lo como possível concorrente.

Talvez o mais avançado desafio ao poder da burocracia venha do movimento camponês. A tentativa de apresentar candidatos revolucionários alternativos contra os candidatos oficiais do PSUV nas eleições municipais teve mais êxito nos distritos camponeses. Aqui foram construídas comunas baseadas na ocupação de propriedades fundiárias e na produção de alimentos. Isso alivia o impacto da crise econômica, criando condições mais propícias à atividade revolucionária. A Comuna El Maizal tornou-se um exemplo dessa abordagem.

No entanto, o movimento camponês enfrenta interesses muito poderosos. Há uma ofensiva por parte dos proprietários de terras para recuperar a terra que foi expropriada no auge das reformas agrárias. Eles estão ligados ao aparato de estado através de funcionários do Instituto de Reforma Agrária (INTI), ao judiciário, aos funcionários da polícia e à Guarda Nacional. Os ativistas camponeses estão sendo presos, enquadrados e assassinados.

A eleição de 20 de maio

Que atitude devemos tomar para essas eleições? Para os sectários ultra esquerdistas, a resposta é muito simples (pode-se dizer infantilmente simples): este governo é a mesma coisa que a oposição. Eles se juntaram à oposição reacionária ao pedir um boicote e alguns deles chegaram a participar do lançamento da nova frente de oposição, a FAVL. Para os trabalhadores e camponeses da Venezuela, as questões se colocam de forma muito diferente. Por um lado, estão amargamente desapontados com as políticas do governo, que traíram suas aspirações e levaram a revolução a um fosso. Por outro, entendem que, por trás da oposição com sua sorridente máscara “democrática”, estão as forças da contrarrevolução burguesa: os banqueiros, os proprietários de terras, os capitalistas e o imperialismo EUA.

A chegada ao poder da oposição reacionária, apoiada pelo imperialismo EUA, seria um absoluto desastre para a classe trabalhadora e os pobres. Medidas econômicas reacionárias seriam combinadas ao assalto brutal sobre os direitos democráticos para implementá-las. Pedimos a esses tolos cavalheiros da ultraesquerda em Buenos Aires, que gritam a plenos pulmões que Maduro e a oposição são todos iguais, para pesar suas palavras com muito cuidado e tirar as conclusões necessárias. A vitória da oposição na Venezuela seria um desenvolvimento positivo para a esquerda na América Latina? Ao contrário, teria os efeitos mais negativos, não somente na Venezuela, como também por toda a América Latina e em escala mundial. Os reacionários celebrariam em todos os lugares e os trabalhadores e camponeses sofreriam um golpe em seu moral.

O primeiro dever dos marxistas venezuelanos é combater seus principais inimigos: a oposição contrarrevolucionária, os latifundiários, os banqueiros, os capitalistas e seus apoiadores imperialistas. Vamos alertar sobre o risco de que uma vitória da oposição (seja ela Falcón ou o FAVL) significaria para a classe trabalhadora. Mas lutar contra a oposição não significa em absoluto que estamos obrigados a apoiar o governo de Maduro. Pelo contrário, ressaltaremos que o governo de Maduro é responsável pela criação das condições em que a revolução foi colocada em grave risco. As políticas do governo não podem resolver nenhum dos sérios problemas econômicos, mas podem agravar muitos deles. Eles, de fato, estão preparando o terreno para um ajuste brutal que destruirá as conquistas da revolução que ainda sobrevivem.

Sob essas condições, a vitória da contrarrevolução estaria garantida por um meio ou outro. Em outras palavras, lutaremos contra a oposição contrarrevolucionária em todas as suas formas, mas não temos absolutamente nenhuma confiança na capacidade do governo atual de liderar essa luta. Para derrotar a contrarrevolução e levar a revolução adiante é necessário mudar de rumo e de liderança.

Para resolver a crise em benefício do povo trabalhador, necessita-se de um forte programa revolucionário: a expropriação dos banqueiros, capitalistas e latifundiários para que a economia do país possa ser planificada sob o controle democráticos dos trabalhadores e para satisfazer as necessidades da maioria. Esse programa somente pode ser realizado por uma nova e revolucionária liderança, que deve vir de dentro das fileiras da esquerda chavista. Essa é a única forma de impedir que a oligarquia e o imperialismo tomem o poder.

No início do ano, houve uma discussão generalizada entre a esquerda revolucionária do movimento Chavista em torno da questão das eleições. Tanto o Partido Comunista (PCV) quanto o partido Pátria para Todos (PPT) realizaram conferências de emergência para decidir sobre o seu apoio a Maduro. Houve claramente muita pressão de uma camada de trabalhadores avançados e de ativistas camponeses para que esses partidos lançassem um candidato próprio. No final, ambos assinaram um acordo com o PSUV e estão apoiando Maduro.

Na ausência de qualquer alternativa à esquerda do candidato do PSUV, e enfrentados a crescente pressão do imperialismo, muitos votarão em Maduro para deter a direita. Este é um instinto saudável e é claro que apoiamos plenamente a luta para impedir que os agentes diretos do imperialismo retornem ao poder. Devemos salientar que o imperialismo e a direita somente podem ser derrotados por meios revolucionários e, acima de tudo, com a expropriação da oligarquia, que usa seu poder econômico para travar uma guerra aberta contra o governo democraticamente eleito. Em troca, Maduro prometeu uma nova rodada de negociações com a oposição depois da eleição.

Porém, devemos alertar que a reeleição de Maduro não resolverá nenhum dos problemas políticos e econômicos que o governo bolivariano enfrenta. A principal tarefa a ser enfrentada pelas camadas avançadas na Venezuela é fazer um balanço sério dos últimos quatro anos de crise econômica e da Revolução Bolivariana como um todo. Sobre essa base, um programa socialista, claro e revolucionário, deve ser adotado como o único caminho a seguir. Com base nesse programa, uma liderança nova e revolucionária, capaz de colocá-lo em prática, deve ser construída.