Crise revolucionária na Sérvia

Desde o desabamento da cobertura da estação de Novi Sad, em 1º de novembro de 2024, que matou 16 pessoas, ocupações, bloqueios e protestos liderados por estudantes têm sido organizados por toda a Sérvia. Essa calamidade, causada pela corrupção, desencadeou uma onda de indignação em todo o país. No momento da redação deste artigo, em abril, mais de um milhão de pessoas em toda a Sérvia participaram e expressaram seu apoio às reivindicações dos estudantes. Manifestações estão sendo realizadas em todo o país.

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A mobilização em massa desencadeada pelos estudantes intensificou-se recentemente com um gigantesco protesto organizado em Belgrado, em 15 de março, que atraiu cerca de meio milhão de pessoas. Estimar o tamanho da manifestação é difícil, mas provavelmente entre 10% e 15% da população da Sérvia estava nas ruas para apoiar as reivindicações dos estudantes. A Sérvia é um país pequeno, com uma população de 6,6 milhões de pessoas. Se estivéssemos nos Estados Unidos, isso equivaleria a mais de 50 milhões de pessoas mobilizadas. Mobilizações em massa dessa magnitude não têm precedentes na história moderna da ex-Iugoslávia. A imprensa controlada pelo regime, é claro, tentou ocultar o número real de participantes, alegando que havia “apenas” 107 mil pessoas – mas esse truque mesquinho não engana ninguém.

No dia do gigantesco protesto, 15 de março, os estudantes transferiram cautelosamente o protesto de um local para outro, encerrando-o uma hora antes devido ao uso de violência por capangas do regime e até mesmo ao uso de armas sônicas contra a população, numa tentativa de provocar um incidente grave.

Nem as manifestações em massa nem a onda gigantesca de apoio aos estudantes (80% da população, segundo pesquisas recentes) conseguiram deter o regime atual. No entanto, a coragem e o espírito de luta dos estudantes, a interconexão cultural, as condições semelhantes e os regimes capitalistas corruptos e falidos nos antigos países iugoslavos – todos os quais sofreram as consequências da restauração do capitalismo na década de 1990 – fizeram com que os protestos ecoassem e inspirassem jovens e trabalhadores em toda a região.

Veio a solidariedade da Croácia, onde o transbordamento para além das fronteiras da Sérvia assumiu uma forma diferente. A atual grande greve dos trabalhadores da educação, a maior dos últimos anos, também é parcialmente inspirada pelos eventos na Sérvia.

A Croácia vivenciou uma série de greves gigantescas em 1999 – cerca de 246 somente naquele ano – durante o bombardeio da Sérvia pela OTAN. Muitas delas culminaram na ocupação de fábricas pelos trabalhadores durante meses. Devido a circunstâncias históricas específicas e às tradições da classe trabalhadora na Croácia, o descontentamento se expressa menos por meio de manifestações em massa e mais por meio de greves. Durante a dissolução da Iugoslávia, na década de 1990, a Croácia também vivenciou uma série de greves gerais com o objetivo de interromper o processo de privatizações.

Também eclodiu um protesto em massa na Macedônia no mês passado, em resposta a um incêndio que ceifou cruelmente 62 vidas em uma boate em Kočani, ferindo 193 pessoas. Essa tragédia expôs a corrupção e a incompetência das autoridades e provocou uma onda de indignação em massa semelhante aos eventos na Sérvia. Do outro lado da fronteira, a tentativa do presidente sérvio Vučić de usar essa tragédia a seu favor saiu pela culatra. Em uma manobra desprezível, Vučić entrou na unidade de terapia intensiva de uma das vítimas em tratamento na Sérvia, comprometendo assim sua segurança enquanto a equipe médica lutava por sua vida. Como resultado, os manifestantes estudantis na Sérvia agora exigem que quem permitiu a entrada de Vučić na unidade de terapia intensiva seja processado.

As massas aprendem com a experiência, e nisso se incluem os estudantes. Através da luta que iniciaram, agora estão tirando novas conclusões. Este movimento não foi planejado – foi improvisado e espontâneo desde o início. Ele foi mais fundo do que sua causa imediata, catalisando a raiva acumulada contra o sistema.

Em sua primeira fase, o movimento consistia em protestos de massa organizados, liderados pelos estudantes, utilizando plenárias (assembleias) como forma de auto-organização para a luta. Já escrevemos anteriormente sobre as vantagens das plenárias. Em dois meses, a luta e a consciência dos estudantes evoluíram, manifestando-se em um apelo por uma greve geral.

Em 24 de janeiro de 2025, após dois meses de ocupações estudantis, manifestações e bloqueios de estradas, os apelos por uma greve geral uniram estudantes e trabalhadores das áreas de TI, jornalismo, educação e cultura. Embora a greve tenha sido apenas parcial e afetado apenas alguns setores, ela demonstrou o crescente ímpeto do movimento de protesto. A ideia de uma greve geral teve apoio maciço, com mais de 80% dos que apoiavam os estudantes favoráveis à paralisação. Com a renúncia do primeiro-ministro, Vučić decidiu sacrificar seu próprio governo para tentar neutralizar o movimento e ganhar alguma margem de manobra. No entanto, essa manobra fracassou miseravelmente, levando à próxima fase do movimento, que culminou no maior protesto da história da Sérvia, em 15 de março. Imagens de Belgrado lotada foram vistas em todo o mundo.

Os estudantes, aprendendo com suas experiências no movimento, chegaram à sua conclusão mais progressista até agora. O movimento estudantil cresceu de forma contínua, organizando-se em plenárias (reuniões de massa) nas faculdades e escolas. Eles agora reivindicam a criação e a disseminação de assembleias de massa nos bairros (zborovi, plural de zbor, que significa “assembleia”), um apelo que repercutiu amplamente, com a formação de centenas de zborovi. O movimento está entrando em uma segunda fase, mais decisiva. Os estudantes dizem: “Todos nos zborovi” — o que a “plenária” é para os estudantes, o zbor é para o povo.

Mas, para entender por que o movimento precisa dos zborovi, é preciso compreender alguns detalhes da história da Sérvia e da região mais ampla da ex-Iugoslávia.

O termo zborovi (“assembleias”) surgiu na região durante a luta contra o Império Otomano e foi usado durante a Revolução Sérvia (Primeira Revolta Sérvia), no início do século XIX. As comunidades locais se organizaram em suas próprias assembleias de massa, onde tomavam decisões sobre como continuar sua luta pela emancipação nacional.

Acontecimentos semelhantes ocorreram em Lika e em partes da Dalmácia, na Croácia. Mais tarde, durante o Reino da Iugoslávia, o termo persistiu e, durante a República Socialista Federativa da Iugoslávia (RFSI), a constituição permitia que os trabalhadores, em assembleias, tomassem decisões sobre alguns aspectos da gestão das fábricas e dos locais de trabalho.

Após a dissolução da Iugoslávia, Sérvia, Croácia, Eslovênia e outras ex-repúblicas mantiveram o conceito de zborovi como forma de autogoverno local e regional – na Macedônia, o termo sobranie ainda é usado, com o mesmo significado. Por essa razão, o apelo dos estudantes por assembleias populares está vinculado a uma estrutura legal que, tecnicamente, já existe, visto que tais assembleias populares fazem parte da nossa história durante os levantes e revoluções. Também é interessante notar que, em 1920, numerosos zborovi foram organizados no Reino da Iugoslávia, pouco antes da proclamação da Obznana, que proibiu o Partido Comunista da Iugoslávia e qualquer organização a ele ligada. A oposição à Obznana culminou em uma greve geral em Zagreb.

A situação na Sérvia é frequentemente retratada na mídia regional e internacional como contaminada pelo nacionalismo sérvio – alguns chegam a evocar o espectro do movimento ultrarreacionário Chetnik. No entanto, a ampla solidariedade com o movimento, especialmente vinda da Croácia, e as imagens inspiradoras da unidade entre sérvios e muçulmanos em Novi Pazar mostram que, por trás do próprio movimento, existe um desejo geral de unidade na luta de todo o povo iugoslavo, em oposição ao nacionalismo e às divisões étnicas e religiosas.

As assembleias populares (zborovi) começaram a brotar como cogumelos por toda a Sérvia após o apelo feito no início de março. Até o momento da redação deste texto, centenas de zborovi já haviam sido realizadas em todo o país. Somente no dia do apelo inicial, mais de 50 cidades e municípios responderam. Junto com o apelo, os estudantes publicaram um manual para a organização de assembleias. O manual explica que as assembleias cidadãs são semelhantes às plenárias estudantis, mas organizadas regionalmente.

Em um artigo anterior, escrevemos que a organização de plenárias conjuntas entre trabalhadores e estudantes é um passo decisivo para o movimento. Os estudantes chegaram à conclusão correta: a luta deve estar conectada com as massas mais amplas. O apelo lançado pelos estudantes em março já repercutia na classe trabalhadora e nas massas em geral, que estão respondendo com maior determinação.

Os professores na Sérvia, que têm participado de diversas formas de greve desde o início dos protestos, há muito tempo organizam suas ações por meio de sua própria plenária.

Inspirados pelos professores, os chamados strukovni zborovi estão sendo formados. Já existem assembleias de trabalhadores do setor de TI, de educadores e, recentemente, uma nova assembleia de trabalhadores da saúde. Na semana passada, uma assembleia foi formada por trabalhadores de uma emissora de TV atualmente sob ocupação, por meio da qual esses trabalhadores apresentaram suas próprias reivindicações.

Como comunistas, apelamos pela generalização dessas assembleias como um passo necessário para organizar a participação independente da classe trabalhadora, de modo que ela possa levantar suas próprias reivindicações e se posicionar à frente deste movimento contra o regime.

Os comentários dos profissionais de saúde são particularmente interessantes, pois levantam questões sobre o papel das assembleias e o que elas devem fazer. Um veículo de comunicação relata:

“… profissionais de saúde recorreram às redes sociais convocando a reunião, instando à unidade entre os profissionais da área, com o objetivo de se reunirem, se organizarem e agirem juntos para proteger sua profissão. Eles declararam que os sindicatos não estão fazendo seu trabalho, que estão ‘adormecidos’ e que é necessário agir em conjunto, organizar-se e criar um plano coletivo e viável.

Estudantes da Faculdade de Medicina apoiaram a reunião e disponibilizaram moderadores, unidades de proteção e tomadores de notas.”

As assembleias estão sendo organizadas espontaneamente pelas redes sociais ou pelo aplicativo Viber. Os estudantes frequentemente participam como moderadores e tomadores de notas.

Além disso, as assembleias frequentemente tomam decisões que, tecnicamente, não têm o direito de tomar — pelo menos de acordo com os estatutos do governo local. Por exemplo, o zbor em Čačak votou pela substituição do atual prefeito, e manifestações em massa estão sendo realizadas até que ele renuncie.

A ampla ocorrência de assembleias é consequência da radicalização generalizada das massas. Por exemplo, em Niš, pessoas atiraram ovos no atual prefeito. Em Kragujevac, o zbor decidiu que a cidade deveria pagar os salários dos trabalhadores da educação. Caso suas reivindicações não fossem atendidas, ameaçaram ir à prefeitura na quarta-feira, às 18h, para realizar uma manifestação.

Recentemente, tem havido uma tendência à centralização das assembleias populares. Por exemplo, a cidade de Novi Sad tem uma Zbor svih Zborova (“assembleia de todas as assembleias”), que foi utilizada para organizar a ocupação da emissora de TV. Diversos zborovi também foram parcialmente centralizados e utilizados para enviar “unidades de defesa” por toda a Sérvia, com o objetivo de proteger os estudantes durante o bloqueio à emissora.

Devemos ser claros: a centralização dos zborovi e a introdução de métodos de democracia operária — como a eleição e destituição de representantes pelos zborovi locais para um conselho central — representam o passo inicial para a construção de um poder alternativo na sociedade. Isso levanta a questão: “quem decide?” — se a vasta maioria dos trabalhadores e estudantes ou o regime corrupto dos oligarcas capitalistas, encarnado no governo de Vučić. Como comunistas, apoiamos plenamente qualquer medida tomada nessa direção.

Até mesmo os principais veículos de comunicação estão escrevendo sobre as assembleias como uma forma de as massas se engajarem politicamente. O Radar Nova relatou as palavras de um estudante, que resumiu da seguinte forma:

“As assembleias são uma oportunidade para os cidadãos se expressarem publicamente sobre a crise política em sua comunidade e, por meio da participação, serem lembrados de que a política não se resume apenas a partidos. Em vez da política tradicional de cima para baixo, agora temos uma mudança copernicana, em que os cidadãos definem suas próprias necessidades e convidam outros a participar diretamente dos grupos de trabalho. Ter o próprio futuro em suas mãos é uma ideia poderosa – e, naturalmente, mobiliza as pessoas.”

A mídia relata que as assembleias “dão o poder político ao povo”, e até mesmo esses meios, inconscientemente, distinguem as assembleias das estruturas tradicionais da democracia liberal ao questionarem sua importância. Um veículo chegou a perguntar se elas representariam uma “realidade paralela”. Eles estão certos: trata-se de um potencial órgão paralelo de poder se desenvolvendo diante de nossos olhos.

A Sérvia, como todos os países da ex-Iugoslávia, possui estruturas sindicais relativamente fracas. Apenas cerca de 20% dos trabalhadores sérvios são sindicalizados, principalmente no setor público, que inclui saúde, educação e serviços públicos. No entanto, com base nos comentários de trabalhadores da saúde e da educação, fica claro que as assembleias representam uma nova forma de organização que abrange todos os trabalhadores — uma oportunidade de contornar o freio representado pelas burocracias sindicais, nas quais muitos já perderam a fé.

O site da revista cultural sérvia Oblakoder, por exemplo, publicou um artigo que levanta a questão da insuficiente organização sindical e afirma que uma greve geral só pode ser realizada se as massas se organizarem como os estudantes, por meio de plenárias.

Isso, naturalmente, levantou a seguinte questão na mídia: “As assembleias podem substituir os sindicatos?” Em uma entrevista, um professor responde afirmativamente, dizendo que esta é “uma nova forma de organização”. As assembleias de trabalhadores devem organizar todos os trabalhadores — especialmente durante uma greve ou luta. O aumento da participação operária em todos os níveis também deve levar as camadas mais avançadas a assumir o controle dos sindicatos, que são organizações permanentes da classe trabalhadora, a fim de transformá-los em sindicatos militantes. Enquanto escrevemos, os trabalhadores estão usando as assembleias para tornar os sindicatos existentes mais combativos. As assembleias dos trabalhadores da educação, em particular, tendem à centralização à medida que organizam sua luta.

Desde o início, o movimento tem sido marcado por uma profunda desconfiança em relação às “instituições” — vistas como sequestradas pelo Partido Progressista Sérvio (SNS), atualmente no poder. As massas e a classe trabalhadora estão cada vez mais chegando à conclusão de que precisam de suas próprias “instituições”. Em entrevistas à mídia, os estudantes explicam que a proposta de formar assembleias surgiu como uma tentativa de superar a limitação do movimento em termos de articulação política — e de transformá-lo em um movimento de massas. Além disso, inadvertidamente, eles próprios se tornaram líderes políticos, como se comprova pelo fato de que as massas agora recorrem aos estudantes em busca de orientação política.

As pautas das assembleias de trabalhadores frequentemente incluem questões como greves e salários atrasados para professores. Normalmente, os trabalhadores não sindicalizados não têm outra alternativa senão escrever às autoridades locais e apelar às “instituições competentes”. É essencial que também formem suas próprias assembleias de trabalhadores — como já fizeram profissionais de TI, professores, profissionais da saúde e trabalhadores da televisão. Nessas assembleias, podem decidir os próximos passos, discutir a possibilidade de greve e até mesmo organizá-la — como fez a plenária de trabalhadores em Niš, que votou pela greve. Além disso, podem lutar para tornar os sindicatos existentes mais combativos.

Mas, mesmo antes de os estudantes convocarem as assembleias, os trabalhadores de toda a ex-Iugoslávia já conheciam as tradições dos chamados “sindicatos de trabalhadores”. Um exemplo notável é o da TENT, uma usina de energia, cujos trabalhadores organizaram uma greve em janeiro com reivindicações que iam muito além do escopo de uma greve convencional. Na ocasião, eles anunciaram:

“A lei exige que as greves só possam começar após notificação prévia. Precisamos do consentimento da UGS Nezavisnost [federação sindical] e então começaremos. Mas haverá greve sem o consentimento deles, se assim decidir o zbor dos trabalhadores.”

Suas reivindicações incluíam: “a aceitação das demandas dos estudantes em bloqueio, a responsabilização pela situação catastrófica no setor energético — além da destituição do diretor-geral da EPS AD [operadora estatal da TENT], de todo o Conselho Executivo, do Conselho Fiscal, da Assembleia da EPS e do Ministro de Minas e Energia”.

À medida que o movimento se intensificava, passou a enfrentar provocações constantes do Estado, de Vučić, do SNS e de seus capangas. Em muitos casos, essas ameaças se concretizaram em ataques violentos. A necessidade de organizar a autodefesa e de garantir a condução eficaz de protestos, bloqueios, ocupações e greves tornou-se amplamente reconhecida.

Desde o início, os estudantes formaram unidades de autodefesa chamadas Dabre, para se proteger de ataques brutais perpetrados por provocadores e capangas do SNS. Paralelamente, unidades espontâneas de autodefesa foram formadas por veteranos do exército sérvio e por motociclistas, que começaram a proteger os estudantes durante as manifestações.

Além disso, as assembleias de TI na Sérvia estão arrecadando dinheiro para pagar os salários atrasados dos trabalhadores da educação, com o apoio de outros trabalhadores de todo o país.

Esse nível de solidariedade de classe é raro em períodos de “paz social”. Tudo indica que uma assembleia não é “apenas uma assembleia”, e que o colapso do regime foi muito mais do que um simples desmoronamento.

Uma das principais características da atual situação política na Sérvia é a profunda desconfiança que estudantes e outros mobilizados contra o regime têm em relação a todo o sistema, incluindo os partidos estabelecidos que fazem parte da “oposição”.

A derrubada de Milošević, por meio da mobilização revolucionária da classe trabalhadora em outubro de 2000, levou ao poder uma oposição que não se mostrou capaz de alcançar as mudanças fundamentais exigidas pelo movimento de massas. Essa traição preparou o terreno para o atual regime de Vučić. Por essa razão, as massas afirmam tanto que “Vučić não presta” quanto que “a oposição não presta”, desejando uma mudança sistêmica. As camadas mais avançadas já chegaram à conclusão de que o que é necessário é um movimento que, em última instância, se torne uma revolução capaz de varrer tudo isso.

A crise econômica global de 2008 desestabilizou o capitalismo em todo o mundo e desencadeou mudanças tectônicas na própria consciência. A crise contínua causou uma queda generalizada na qualidade de vida ao redor do globo. Nos últimos 30 anos, a Sérvia tem experimentado um declínio contínuo nos padrões de vida, como resultado da restauração do capitalismo. No geral, não há um único setor ou infraestrutura na Sérvia que possa ser considerado funcional – do transporte público à agricultura, tudo está subdesenvolvido e negligenciado.

Escrevendo da Grã-Bretanha, Ted Grant descreveu o papel desempenhado pelos estudantes na véspera de maio de 1968, na França:

“Nesse clima, a rebelião estudantil se desenvolveu. Foi um sintoma do descontentamento na sociedade. Filhos e filhas da classe média, da classe média alta e até mesmo da burguesia se rebelaram contra os valores podres da classe dominante. Esse movimento foi um reflexo da crise no mundo capitalista. As manifestações estudantis foram violentamente atacadas pela tropa de choque de elite, notória por sua brutalidade. O espancamento dos manifestantes apenas enfureceu ainda mais os estudantes, levando a confrontos nas ruas, nas barricadas do Quartier Latin, a ocupações de universidades em Paris e, posteriormente, em toda a França. Isso, por sua vez, desencadeou um movimento entre estudantes do ensino médio.”

A descrição de Ted Grant do movimento na França assemelha-se fortemente ao movimento atual na Sérvia. Não é coincidência que os estudantes digam abertamente que se inspiram em movimentos anteriores, como os de 1968, na França e na ex-Iugoslávia. Aqui, o movimento de 1968 assumiu uma forma diferente, com os estudantes reivindicando não contra o socialismo em si, mas contra a burocracia que eventualmente restaurou o capitalismo. Mesmo os meios de comunicação frequentemente observam que o movimento atual na Sérvia se assemelha às lutas estudantis de 1968.

A mobilização estudantil é um sintoma de uma crise muito mais profunda do sistema capitalista. Em tempos normais de relativa calma e estabilidade, durante os quais as ilusões da democracia liberal imperam, a maioria das pessoas não participa ativamente da política. Pelo contrário, muitas vezes estão completamente desinteressadas. Apenas uma minoria é politicamente ativa. É claro que, na Sérvia, a participação em assembleias de massa, particularmente nos locais de trabalho, ainda não atingiu o nível de uma mobilização geral. No entanto, está se tornando cada vez mais forte.

Os números falam por si. Só em março, segundo a CRTA, a agência de coleta de dados, houve 1.697 protestos em 378 locais, com centenas de milhares de pessoas envolvidas, e 200 zborovi na Sérvia. Apenas nas assembleias de Novi Sad, milhares de pessoas participam. Podemos esperar que atualmente dezenas, senão centenas de milhares de pessoas na Sérvia estejam envolvidas nas assembleias. E Vučić tenta descartá-las como “antidemocráticas”, chamando-as de invenções bolcheviques. Não é de se admirar que, na mídia, alguns jornalistas já estejam associando esses zborovi a uma revolução na Sérvia.

Trotsky, em “História da Revolução Russa”, define revolução como o momento decisivo em que as massas intervêm diretamente nos eventos históricos. A construção disso pode ser vista agora na Sérvia. Se considerarmos o que Lênin descreveu como as condições para a revolução, podemos observar o seguinte:

A primeira condição é que a crise provoque divisões e hesitações dentro da classe dominante. A burguesia sérvia demonstra isso claramente, e as classes dominantes locais dos Bálcãs temem as repercussões de um movimento que ressoa sob diversas formas nos antigos países iugoslavos. Vučić dificilmente poderia se mostrar mais nervoso e errático, e o “Parlamento Sérvio” exala desespero. Há meses, estudantes têm sido acusados publicamente na mídia de apoiar o bolchevismo, o comunismo e a revolução.

A segunda condição é a hesitação da pequena burguesia, que busca uma saída para a crise, seja por meio da classe trabalhadora ou dos capitalistas. Como Lênin explicou, por meio de uma política firme da classe trabalhadora, nessas condições, o apoio da classe média poderia ser conquistado.

A terceira condição é a prontidão da classe trabalhadora para a luta. Apesar dos inúmeros apelos dos estudantes por uma greve geral e mobilização, isso ainda não foi totalmente concretizado. Isso se deve, em parte, à atitude da burocracia sindical, que até agora apenas ofereceu apoio verbal às reivindicações dos estudantes e não divulgou o apelo por uma greve geral entre seus membros. Instintivamente, os setores da classe trabalhadora que começam a se mobilizar, como os trabalhadores da educação, criaram seus próprios órgãos de luta, por meio dos quais organizaram greves. Recentemente, muitas greves têm ocorrido na Sérvia, como parte da intensificação da luta de classes sob a superfície. Os trabalhadores precisam lutar por suas próprias reivindicações, criando seus próprios comitês de greve.

Mas, acima de tudo, falta a quarta condição de Lênin: a existência de um partido revolucionário de massas, com raízes entre os trabalhadores, pronto para dar os passos mais ousados para garantir a vitória da classe trabalhadora.

Devido à ausência de tal partido, o movimento está sujeito à pressão de diferentes classes. A “opinião pública” burguesa, alimentada pela mídia capitalista internacional, tenta descrever o movimento como a “via europeia” para sair de um “sistema baseado na corrupção”. A ideia de que um governo dirigido por “especialistas” poderia guiar a transição para um “sistema democrático melhor” ameaça descarrilar o movimento, desviando-o para uma busca de reformas constitucionais estéreis, quando a verdadeira fonte da podridão é o próprio sistema capitalista. Vários meios de comunicação burgueses tentam descrever esse movimento como uma tentativa de estabelecer o “Estado de Direito” e um “Estado constitucional”, ou simplesmente como protestos anticorrupção comuns.

É evidente, no entanto, que esta campanha ideológica não está penetrando profundamente na consciência dos estudantes nas plenárias, e que os objetivos do movimento vão muito além do que a burguesia gostaria. A pressão das ideias burguesas sobre os estudantes está se intensificando, especialmente em torno da possibilidade de formar um “governo de transição” e forçando-os a tomar uma decisão formal sobre futuras eleições. Ao mesmo tempo, o regime está se tornando cada vez mais agressivo. Uma provocação séria por parte do regime poderia desequilibrar a balança e provocar um levante revolucionário ainda mais massivo, acelerando a generalização de zborovi de massas.

Será no decurso desses eventos que as camadas mais militantes deste movimento ajudarão a formar um novo partido comunista revolucionário de massas – um partido que lançará as bases para uma futura liderança revolucionária.

O movimento atualmente carece de passos decisivos e concretos para a ação, mas, com o tempo, está se tornando mais ousado. Desde as plenárias até as convocações para uma greve geral, passando pela formação de assembleias populares de massa e assembleias operárias de massa, esses órgãos de luta de massa estão emergindo e começando a assumir uma forma mais centralizada.

O movimento já dura quase seis meses, mas não pode durar para sempre. No entanto, à medida que continua, as camadas mais avançadas inevitavelmente tirarão conclusões cada vez mais revolucionárias, buscando se proteger da intrusão das ideias pequeno-burguesas e burguesas.

Os estudantes estão aprendendo com suas experiências e, gradualmente, serão levados à conclusão de que é necessário convocar uma ação unificada entre zborovi, plenárias e sindicatos, rumo a uma greve geral. Até agora, os estudantes têm sido o ponto focal do movimento e podem continuar sendo. O apelo deles pela generalização da formação de assembleias de massa (zborovi) foi uma decisão acertada, pois havia um risco real de o movimento ser isolado da classe trabalhadora. Ao assumir uma perspectiva social e convocar o povo à mobilização, os estudantes fizeram o julgamento correto.

Reconheceram a necessidade de a classe trabalhadora desempenhar um papel decisivo, mobilizando plenamente sua força contra o regime. Para citar Ted Grant:

“Nem uma roda gira, nem um telefone toca, nem uma lâmpada acende sem a gentil permissão da classe trabalhadora! Uma vez mobilizado esse enorme poder, nenhuma força na Terra pode detê-lo.”

Porém, a história nos ensina que não se pode apressar a formação de um partido revolucionário, especialmente antes de grandes eventos. O movimento atual demonstra exatamente isso – ele sofre cronicamente de falta de liderança. Mas, por outro lado, essa também é sua maior força, de certa forma: não há líderes reformistas, nem partidos stalinizados, nem opções políticas de esquerda que possam desviar o movimento para uma direção equivocada, como ocorreu durante a revolução na França em 1968.

Entretanto, os estudantes também devem estar cientes de que a classe trabalhadora só se mobiliza de forma decisiva quando certas condições objetivas surgem, e não simplesmente porque tal mobilização é desejada. É exatamente por isso que os apelos à greve geral ainda não produziram o efeito explosivo desejado.

No entanto, podemos ter certeza de uma coisa. A partir da revolta dos estudantes – a maioria dos quais na Sérvia são filhos e filhas da classe trabalhadora – podemos sentir o descontentamento da própria classe trabalhadora. Isso é um sinal de uma explosão iminente e indica a intensidade da fúria dos trabalhadores quando eles se levantarem, não apenas na Sérvia, mas em todos os Bálcãs. Parcelas da juventude e da classe trabalhadora tirarão desse movimento a conclusão de que uma liderança revolucionária é necessária para alcançar uma mudança social fundamental – isto é, a derrubada do capitalismo e sua substituição por uma economia socialista democraticamente planejada.

Por enquanto, no entanto, a tarefa – de atender às demandas dos estudantes, de estabelecer um sistema mais justo na Sérvia e de derrubar Vučić – pertence à classe trabalhadora da Sérvia, e a ninguém mais. Para alcançar essas demandas, serão necessárias a mobilização em massa e uma greve geral revolucionária – algo sem precedentes na história recente da região. A greve será liderada pelos trabalhadores mais jovens, livres do peso das derrotas e do cinismo do passado.

Como comunistas, apoiamos o apelo pela generalização da formação de zborovi em todos os bairros e locais de trabalho. Também defendemos a necessidade de coordená-los e centralizá-los democraticamente em nível regional e nacional, introduzindo métodos de democracia operária. Todos os delegados devem ser eleitos e sujeitos à revogação pelas assembleias que os elegeram. O movimento em direção a uma greve geral fortalecerá a tendência à auto-organização em massa por meio de assembleias, comitês de greve e conselhos de delegados eleitos pelas assembleias. Estes surgirão não apenas como órgãos de luta, mas também de autogestão, como um poder alternativo às instituições capitalistas corruptas.

O que estamos testemunhando na Sérvia são os primeiros sinais de uma crise revolucionária. Toda a sociedade está sendo afetada. A consciência das massas está sendo transformada pela experiência da atividade de massa e da luta de classes. A demanda aparentemente “conservadora” dos estudantes – “que as instituições façam seu trabalho” – resultou na iniciativa espontânea dos estudantes e de camadas mais amplas do povo e dos trabalhadores de tomar suas próprias decisões sobre a sociedade, de se organizarem em assembleias e começarem a coordená-las e centralizá-las como formações embrionárias do poder dos trabalhadores.

Em essência, o movimento representa uma erupção no processo molecular e latente de revolução que vem ocorrendo na Sérvia desde a dissolução da Iugoslávia. É uma expressão da insatisfação generalizada com o capitalismo e de sua incapacidade de oferecer as condições básicas para o desenvolvimento.

Portanto, as assembleias representam a vontade das massas de participar das decisões políticas e da política em geral. A vontade das massas só pode ser concretizada quando as assembleias se tornarem o governo de fato na Sérvia. Essas assembleias – na medida em que envolvem a massa da classe trabalhadora e se coordenam e centralizam em conselhos de delegados – são essencialmente sovietes em forma embrionária, semelhantes aos que surgiram durante as revoluções de 1905 e 1917 na Rússia. O movimento pode lutar por muito mais do que justiça para as vítimas do colapso do dossel de Novi Sad. A força da classe trabalhadora pode não apenas derrubar Vučić, mas também conquistar vitórias massivas e decisivas.

  • Fazer do zbor a principal ferramenta de luta. Unir estudantes e trabalhadores para organizar uma greve geral.
  • Estabelecer mais assembleias de trabalhadores! Os trabalhadores devem formar suas próprias assembleias de massa em seus locais de trabalho, coordenando-as por setor, seguindo o exemplo dos trabalhadores de TI, educação e saúde.

Porque a arma mais forte contra o Estado é a greve.

Os trabalhadores devem estabelecer seus próprios comitês de greve – e a assembleia é a ferramenta para isso! Assim como os trabalhadores da educação já demonstraram.

Criar uma assembleia central – uma Zbor svih Zborova – em nível nacional, para a qual serão enviados delegados de assembleias de toda a Sérvia (representantes de assembleias operárias e populares), bem como delegados de plenários estudantis.

Nosso objetivo deve ser uma melhor coordenação das ações e o estabelecimento de comitês de greve e bloqueio.

Estudantes estão bloqueando universidades. Trabalhadores devem ocupar locais de trabalho.

Avante, greve revolucionária na Sérvia!

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