Crise: Que os patrões paguem a conta! (1ª parte)

Portuguese translation of The Crisis: Make the bosses pay! - Manifesto of the International Marxist Tendency – Part One (November 4, 2008)

1. Crise global do capitalismo

A crise mundial do capitalismo é um fato que ninguém pode ignorar. Ainda ontem os economistas nos asseguravam que a eclosão de outra crise semelhante à de 1929 era impossível. Hoje, falam sobre a ameaça de outra Grande Depressão. O FMI alerta sobre o aumento do risco de uma severa retração econômica em escala mundial. O que começou como um colapso financeiro nos EUA está atingindo a economia real, ameaçando empregos, lares e as vidas de milhões de pessoas.

O pânico tomou conta dos mercados. Richard Fuld, o ex-presidente executivo do Lehman Brothers, disse no congresso americano que o seu banco fora atingido por uma “tempestade de medo”. Esta tempestade não deu o menor sinal de trégua. Não apenas bancos, mas países inteiros estão ameaçados de entrar em bancarrota, como ficou claro no caso da Islândia. Presumia-se que a Ásia salvaria o mundo da recessão, mas os mercados asiáticos foram arrastados pelo rodamoinho. Quedas acentuadas foram registradas diariamente, de Tóquio a Xangai, de Moscou a Hong Kong.

Este é o maior colapso financeiro desde 1929. E, assim como o grande “Crash”, foi antecedido por uma especulação generalizada no período anterior. A magnitude da especulação das duas últimas décadas não tem precedente na história. A capitalização da bolsa de valores americana passou de 5,4 trilhões de dólares em 1994, a 17,7 trilhões em 1999 e a 35 trilhões em 2007. Isto é muitíssimo mais do que o montante de capital especulativo envolvido antes de 1929. O mercado de derivativos mundial gira em torno de 500 trilhões de dólares, ou dez vezes mais que toda a produção mundial de bens e serviços.

Nos anos de boom [crescimento econômico], quando os banqueiros sucessivamente acumulavam quantidades incalculáveis de riqueza, ninguém pensava em dividir os lucros com o resto da sociedade. Mas agora que estão em dificuldades, correm para o governo pedindo dinheiro. Se você for um jogador compulsivo e perder milhares de dólares que havia pedido emprestado, e não puder pagá-los, você será preso. Mas se você for um rico banqueiro que apostou e perdeu o dinheiro de outras pessoas, você não será preso, será recompensado com outros bilhões de dólares de outras pessoas através do Estado.

Deparando-se com o risco de um completo colapso do sistema bancário, os governos estão tomando medidas desesperadas. A administração Bush injetou US$ 700 bilhões nos cofres dos banqueiros numa tentativa alucinada de reanimar o moribundo sistema financeiro. Isso equivale a US$ 2.400 de cada homem, mulher e criança dos EUA. O governo britânico anunciou um pacote de resgate de mais de £ 400 bilhões (proporcionalmente é maior que o americano), e a União Européia adicionou outros bilhões de euros a mais. O plano de resgate alemão equivale a 20% do PIB da maior economia da Europa. A administração Angela Merkel garantiu € 80 bilhões para recapitalizar bancos em dificuldades, o restante foi destinado para cobrir as garantias dos empréstimos e as perdas. No total cerca de US$ 2,5 trilhões já foram despendidos em todo o mundo e isso não deteve a espiral descendente.

1.1. Medidas desesperadas

Esta crise está longe de ter sido interrompida. Ela não será detida com as medidas tomadas pelos governos e bancos centrais. Ao lançar enormes quantidades de dinheiro aos bancos, eles apenas conseguirão um respiro ou alívio temporário para a crise ao custo de gerar um enorme ônus para as futuras gerações. Mas todo economista sério sabe que os mercados desabarão novamente no futuro.

Em alguns aspectos a situação presente é ainda pior que a dos anos 30. A grande febre especulativa que antecedeu e preparou a atual crise financeira foi muitíssimo maior que aquela que deflagrou o “crash” de 1929. A quantidade de capital fictício que tem sido injetada no sistema financeiro mundial, e que age como um veneno que ameaça destruir o sistema e tudo mais, é tão vasta que ninguém é capaz de quantificá-la. Por tudo isso, a “correção” (o mais novo eufemismo dos economistas) correspondente será ainda mais dolorosa e duradoura.

Nos anos 30 os EUA eram o maior credor do mundo. Agora eles são o maior devedor do mundo. Na época do New Deal, quando tentavam re-impulsionar a economia americana depois da Grande Depressão, Roosevelt tinha enormes somas de dinheiro a sua disposição. Hoje, Bush depara-se com um Congresso reticente em entregar um dinheiro que não possui. A aprovação do presente de US$ 700 bilhões aos Grandes Negócios significa um ainda maior aumento da dívida pública. Isto, por sua vez, significa todo um período de austeridade e cortes nos padrões de vida de milhões de cidadãos norte-americanos.

Essas medidas desesperadas não evitarão a crise que está apenas começando. Da mesma forma, o New Deal de Roosevelt, ao contrário do senso comum, não evitou a Grande Depressão. A economia EUA permaneceu em estado de depressão até 1941, quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial e o assombroso gasto militar finalmente reduziu drasticamente o desemprego. Estamos mais uma vez frente a um prolongado período de declínio dos padrões de vida, fechamento de fábricas, queda de salários, cortes dos gastos sociais e austeridade generalizada.

Os capitalistas estão num beco sem saída e não vêem alternativa. Todos os partidos tradicionais estão perplexos a beira da paralisia completa. O Presidente Bush disse ao mundo que “vai levar algum tempo” até que o plano de resgate financeiro comece a funcionar. Neste ínterim, muitas empresas quebrarão, muitas pessoas perderão seus empregos, e muitos países serão arruinados. A crise de crédito está começando a sufocar de maneira particular as empresas sadias. Incapazes de aumentar seu capital, as empresas serão forçadas, num primeiro momento, a reduzir o investimento em capital fixo, posteriormente, o capital circulante e, por fim, demitirão.

Os empresários estão suplicando aos governos e aos bancos centrais que cortem as taxas de juros. Mas sob tais circunstâncias isto não resolverá. O corte coordenado de 0,5% foi seguido de outras agudas quedas nas bolsas mundiais. A turbulência nos mercados não será resolvida pelo corte das taxas de juros. Frente a uma recessão global, ninguém quer comprar ações e ninguém quer emprestar dinheiro. Os bancos param de emprestar porque não confiam em que seu dinheiro voltará. Todo o sistema está sob a ameaça do estancamento.

Apesar dos esforços coordenados dos bancos centrais para injetar dinheiro no sistema, o mercado de crédito permanece teimosamente congelado. O governo britânico deu aos banqueiros um presente de mais de £ 400 bilhões. A reação foi a queda da bolsa. A taxa de empréstimos interbancários de fato aumentou depois do anúncio da doação e do anúncio do Banco da Inglaterra do corte de 0,5% da taxa de juros. O grosso dos benefícios gerados pelo corte não foi repassado aos tomadores de empréstimos e aos mutuários. Essas medidas não resolveram a crise, apenas levaram mais dinheiro aos bolsos das mesmas pessoas que atuam na especulação. Se isso não foi a causa da crise, exacerbou-a demasiadamente e lhe deu um caráter convulsivo e incontrolável.

1.2. Banqueiros nunca perdem

No passado o banqueiro era um homem respeitável vestido num terno cinza; supunha-se um modelo de responsabilidade que submetia as pessoas a um severo interrogatório antes de lhe emprestar dinheiro. Mas, no último período tudo isso mudou. Com baixas taxas de juros e a liquidez em seu mais alto nível, os banqueiros mandaram a precaução às favas, emprestando bilhões para pessoas sem os devidos recursos e sem garantias em troca de altas margens. Resultou na crise hipotecária das sub-prime que ajudou a desestabilizar todo o sistema financeiro.

Os governos e os bancos centrais atuam lançando gasolina na fogueira da especulação com o intuito de evitar a recessão. Sob Alan Greenspan, o Banco Central americano (FED) manteve a taxa de juros extremamente baixa. Esta medida recebia diversos elogios como uma política astuta. Com essas medidas eles adiaram o apocalipse, apenas para torná-lo mil vezes pior quando finalmente chegasse. O dinheiro barato permitiu que os banqueiros se entregassem a uma orgia de especulação. As pessoas comuns pegaram dinheiro emprestado para investir em imóveis ou comprar bens duráveis; investidores usaram a dívida barata para investir em operações de alto rendimento, viviam da especulação em detrimento de investimentos já existentes; os empréstimos superaram em muito os depósitos dos clientes a um grau sem precedentes e as operações duvidosas não foram anotadas nos balanços.

Agora tudo isso se transformou em seu contrário. Todos os fatores que empurraram a economia para cima agora se combinaram para criar um círculo vicioso para baixo. Como a dívida já está dada, a escassez de crédito ameaça levar a economia ao estancamento. Se um trabalhador comete algum erro em seu trabalho será mandado para o olho da rua. Mas quando os banqueiros arruínam todo o sistema financeiro eles esperam ser recompensados. Homens em belos ternos têm feito fortunas por aí a fora especulando com o dinheiro de outras pessoas e agora querem que os contribuintes os salvem. Esta é uma lógica muito peculiar, que muitas pessoas terão muita dificuldade de entender.

Nos anos de boom, lucros excepcionais foram gerados pelo setor financeiro e bancário. Em 2006 apenas os grandes bancos foram responsáveis por aproximadamente 40% da totalidade dos lucros nos EUA. Esta é uma indústria onde os grandes executivos são remunerados 344 vezes mais que a média dos trabalhadores nos EUA. Há 30 anos a média salarial dos diretores executivos (CEO) girava em torno de 35 vezes o pagamento de um trabalhador comum. Ano passado, um CEO médio das 500 maiores companhias recebeu cerca de US$10,5 milhões em “compensações”.

Os banqueiros querem que esqueçamos tudo isso e que nos concentremos na urgência de salvar os bancos. Todas as necessidades imediatas da sociedade devem ser colocadas de lado e toda a riqueza da sociedade deve ser posta à disposição dos banqueiros, cujos serviços à sociedade presumem ser mais importantes que o trabalho das enfermeiras, médicos, professores e trabalhadores da construção civil. Os governos da União Européia e dos EUA gastaram em uma semana o equivalente ao que seria necessário para acabar com a fome pelos próximos 50 anos. Enquanto milhões de pessoas passam fome, os banqueiros continuam recebendo escandalosos salários e gratificações; mantêm um extravagante estilo de vida em detrimento da população. O fato de existir uma crise não faz a menor diferença.

1.3. “Em nome do interesse de todos”?

A maioria não foi convencida pelos argumentos dos banqueiros e políticos. Estão amargamente ressentidos com o fato de que seu suado dinheiro foi entregue aos banqueiros e ao tesouro. Mas quando estes levantam objeções se deparam com o coro ensurdecedor dos políticos, que lhes dizem: “Não existe outra saída”. Esse argumento é repetido tantas vezes e com tanta insistência que silencia o mais crítico, até mesmo porque todos os partidos concordam com isso.

Democratas e Republicanos, Social-democratas e Democratas-cristãos, Conservadores e Trabalhistas, todos juntaram forças numa verdadeira conspiração para persuadir a população a crer que isto foi feito “em nome do interesse de todos”; que o trabalhador comum deve ser roubado para colocar mais dinheiro nas mãos dos gangsteres corporativos. “Precisamos de um sistema bancário sadio (leia-se, lucrativo)”, gritam eles. “Precisamos restabelecer a confiança, ou então o Apocalipse virá pela manhã”.

Este tipo de argumento pretende criar uma atmosfera de medo e pânico para tornar qualquer discussão racional impossível. Mas em quê de fato consiste este argumento? Deixando a sutileza de lado, isto significa simplesmente que: enquanto os bancos estiverem nas mãos dos ricos, e enquanto os ricos “arriscarem” seu dinheiro somente quando tiverem altas margens de lucro, tudo vai bem. Mas, quando não estiverem realizando lucros, e sim perdas, então o governo deve intervir e dar a eles grandes somas de dinheiro para restabelecer seus lucros e assim restabelecer sua confiança. E só assim tudo voltará ao normal.

O famoso economista americano John Kenneth Gallbraith resumiu esse argumento da seguinte maneira: “O pobre tem dinheiro demais, e o rico não tem dinheiro suficiente.” A idéia é: se os ricos estão se dando bem, então no longo prazo as migalhas da riqueza geral chegarão a todos os demais e todos se beneficiarão. Mas como Keynes assinalou: no longo prazo todos estaremos mortos. E como se não bastasse, essa teoria mostrou ser falsa na prática.

O argumento de que é absolutamente necessário injetar enormes quantidades de dinheiro público nos bancos caso contrário acontecerá uma catástrofe, não convence os homens e mulheres que trabalham duro. Eles fazem uma simples pergunta: por que temos que pagar pelos erros dos banqueiros? Se foram eles que fizeram toda essa lambança, que sejam eles que a limpem. Deixando de lado as consideráveis perdas de empregos no setor financeiro e de serviços, a crise bancária afeta os padrões de vida de diversas formas. A convulsão do mercado derrubou violentamente as bolsas e devastou a poupança dos trabalhadores e da classe média.

Para ilustrar, os planos de previdência privada americanos perderam mais de US$ 2 trilhões. Isso significa que aquelas pessoas que trabalharam duro toda a sua vida e pouparam dinheiro com o objetivo de ter uma aposentadoria confortável são agora forçados a cancelar seus planos e adiar sua aposentadoria. Mais de 50% das pessoas entrevistadas em uma recente pesquisa de opinião disseram que estão preocupadas em ter de trabalhar ainda mais porque o valor de seus planos privados de aposentadoria declinou, e aproximadamente um de cada quatro disse ter aumentado o número de horas trabalhadas.

Muitas pessoas perderam suas casas depois de passar por processos de reintegração de posse e despejo. Se uma família perde sua casa, logo se diz que foi o resultado de sua própria ganância e falta de previsão. A lei de ferro do mercado e a “lei do mais forte” os condenam à rua da amargura. Este é um problema privado e não diz respeito ao governo. Mas se um banco entra em bancarrota por causa da voraz especulação dos banqueiros, este é um terrível infortúnio para toda a sociedade, e mais, toda a sociedade precisa se unir para salvá-lo. Esta é a lógica perversa do capitalismo!

Esta vergonhosa tentativa de jogar o peso da crise nas costas de quem menos tem, deve ser combatida. Para resolver a crise é necessário tirar das mãos dos especuladores todo o sistema financeiro e bancário e colocá-lo sob o controle democrático da sociedade, só assim podem servir ao interesse da maioria, e não apenas dos ricos.

Exigimos:

• Nenhuma ajuda para os ricos. Nenhuma recompensa para os peixes gordos! Nacionalizar os bancos e as companhias de seguro sob o controle e administração democráticos dos trabalhadores. As decisões bancárias devem ser tomadas no interesse da maioria da sociedade, não em nome de uma minoria de malandros. Compensações pela nacionalização dos bancos e outras companhias somente serão pagas em caso de comprovada necessidade a pequenos investidores. A nacionalização dos bancos é a única maneira de garantir os depósitos e as poupanças da população.

• Controle democrático dos bancos. O conselho diretor deve ser composto da seguinte forma: um terço eleito pelos trabalhadores do banco, um terço eleito pelos sindicatos para representar os interesses da classe trabalhadora como um todo, e um terço pelo governo.

• Fim imediato das exorbitantes gratificações, o salário dos executivos não deve ultrapassar o salário de um trabalhador qualificado. Por que um banqueiro seria melhor que um médico ou um dentista? Se os banqueiros não estão preparados para trabalhar sob estas razoáveis condições, não precisam ficar, serão substituídos por outros tão qualificados quanto e que estão procurando trabalho e desejam servir à sociedade.

• Imediata redução das taxas de juros, que devem ser limitadas pelos custos necessários das operações bancárias. Crédito barato deve ser disponibilizado para aqueles que precisam: pequenos comerciantes e trabalhadores que precisem comprar suas casas e não para os banqueiros e capitalistas.

• Direito à moradia; fim imediato dos despejos, redução geral dos aluguéis e um programa massivo e acessível de construção de casas populares.

1.4. A causa da crise

A causa fundamental da crise não é o mau comportamento de alguns indivíduos. Se isso fosse verdade a solução seria simples: convencê-los a se comportar melhor no futuro. Isso é o que Gordon Brown quer dizer quando pede “transparência, honestidade e responsabilidade.” Mas todo mundo sabe que o sistema financeiro internacional é tão transparente quanto uma fossa, a fraternidade bancária é tão honesta quanto às convenções das Máfias e tão responsável quanto um jogador compulsivo. Porém, mesmo que todos os banqueiros fossem santos, isso não faria uma diferença fundamental.

Não é correto atribuir a causa da crise à ganância e à corrupção dos banqueiros (embora, de fato, sejam extremamente gananciosos e corruptos). É expressão da doença de todo um sistema – a expressão de uma crise orgânica do capitalismo. O problema não está na ganância de alguns indivíduos, nem mesmo na escassez de liquidez, muito menos na falta de confiança. O problema é que o sistema capitalista em escala mundial se encontra em um verdadeiro beco sem saída. A causa fundamental da crise é que o desenvolvimento das forças produtivas está comprimido pelos estreitos limites da propriedade privada e dos estados nacionais. A contração do crédito é freqüentemente apresentada como a causa da crise, mas na realidade trata-se apenas de seu mais visível sintoma. A crise é parte integrante do sistema capitalista.

Há muito tempo, Marx e Engels explicaram:

“As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as potências infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção e de propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio.

Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade — a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea; dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio.

As forças produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas condições, que passam a entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu seio. De que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las”.



Estas palavras do Manifesto Comunista, escritas em 1848, são tão jovens e relevantes hoje quanto no momento em que foram escritas. Poderiam ter sido escritas ontem.

O mais importante não é a questão bancária e sim a economia real: a produção de bens e serviços. Para lucrar é preciso encontrar mercados. Mas a demanda está em forte declínio e a falta de crédito acentua ainda mais a queda. Deparamo-nos com uma clássica crise do capitalismo, que já está vitimando inúmeros inocentes. O colapso dos preços imobiliários nos EUA significa uma crise na indústria da construção, que já eliminou centenas de milhares de postos de trabalho. A indústria automotiva está em crise: as vendas nos EUA atingiram seu menor volume em 16 anos. Isto, por sua vez, acarreta a queda da demanda por aço, plástico, borracha, eletricidade, petróleo e outros produtos. Terá um efeito devastador na economia, gerando desemprego e queda dos padrões de vida.

1.5. Anarquia capitalista

Nos últimos trinta anos ou mais, têm-nos dito que o melhor sistema econômico possível era algo chamado de “economia de livre mercado”. Desde os anos 70 o mantra da burguesia tem sido “deixar o mercado fluir” e “manter o Estado fora da economia”. Presumia-se que o mercado possuía poderes mágicos, que poderia organizar as forças produtivas sem qualquer intervenção estatal. Esta idéia é tão velha quanto Adam Smith, que no século XVIII falou da “Mão invisível do mercado”. Políticos e economistas se gabavam de terem abolido o ciclo econômico. “Nunca mais booms e recessões” foi repetido incansáveis vezes.

Não restava qualquer dúvida sobre a questão da regulação. Muito pelo contrário, exigiam enfaticamente que toda e qualquer regulação fosse abolida, pois seriam “nocivas ao livre mercado”. Portanto, destruíram todas as regulamentações e permitiram que as forças de mercado reinassem livremente. A sede por lucros fez o restante: enormes quantidades de capital foram movidas de um país a outro sem qualquer interferência, destruindo indústrias e desvalorizando moedas com o clicar de um mouse. Isto é o que Marx chamou de “anarquia do capitalismo”. Agora estamos vendo os resultados. Com US$ 700 bilhões dos EUA e mais de £ 400 bilhões do governo britânico, o Estado estará comprometido por muitos anos. £ 400 bilhões é o equivalente a metade da renda nacional britânica. Mesmo que isto seja pago (o que é pouco provável) significará muitos anos de aumento de impostos, cortes de gastos sociais e austeridade.

Uma velha lei, o instinto de manada, dita o comportamento dos mercados. O mais leve cheiro de um leão andando entre arbustos fará com que uma manada de gnus entre em pânico de tal maneira que nada conseguirá detê-la. Este é o tipo de mecanismo que determina os destinos de milhões de pessoas. Esta é a mais pura verdade da economia de mercado. Da mesma forma que um gnu pode sentir o cheiro de um leão, os mercados podem sentir a iminência de uma recessão. A perspectiva de uma recessão é a verdadeira causa do pânico. Uma vez iniciada nada a deterá. Nenhum discurso, nenhum corte de juros, e nenhuma declaração dos bancos, terá o menor efeito sobre o mercado financeiro. Perceberam que os governos e os bancos centrais estão assustados, e tiraram as devidas conclusões.

O pânico que se instalou nos mercados ameaça aniquilar qualquer tentativa por parte dos governos de deter a crise. Nenhuma das medidas desesperadas adotadas pelos bancos centrais e pelos governos obteve êxito em deter o pânico. O mais escandaloso de tudo isso é que todas essas pessoas que estão suplicando a assistência do Estado são as mesmas que estavam sempre gritando que o governo não tinha lugar nos assuntos econômicos e que se deveria permitir que o mercado operasse sem regulação ou qualquer outra forma de interferência do Estado.

Agora, amargamente reclamam que os reguladores não estão fazendo seu trabalho. Mas até pouco tempo atrás concordavam em que o trabalho dos reguladores era tão simples quanto deixar o mercado sozinho. Os cães de guarda estavam completamente certos quando diziam que não era o trabalho dos reguladores ajudarem os bancos, pois este foi o mantra dos últimos trinta anos. De Londres à Nova Iorque e à Reykjavík os reguladores não tiveram êxito em controlar os “excessos” da indústria financeira. Durante as últimas três décadas os promotores da economia de mercado exigiram a abolição das regulamentações.

A concorrência entre os centros financeiros por negócios, supunha-se, garantiria que o mercado funcionasse eficientemente, graças à mão invisível do mercado. Mas a falência da política do laissez-faire [deixar rolar] ficou impiedosamente exposta no verão de 2007. Agora, estão inconsoláveis e lamentando as conseqüências de suas próprias ações. A sociedade neste momento está pagando a conta das políticas adotadas pelos capitalistas e seus representantes políticos para manter o boom ao inflar constantemente as bolhas especulativas. Todos estão comprometidos com esta fraude generalizada. Republicanos e Democratas, Trabalhistas e Conservadores, Social-democratas e ex-comunistas – todos abraçaram a economia de mercado e aplaudiram este extravagante carnaval de fazer dinheiro.

É muito fácil ser sensato depois do ocorrido, como qualquer bêbado de ressaca depois de uma noite de bebedeira, juram de pés juntos que desta vez aprenderam a lição, e que nunca mais beberão novamente – uma excelente decisão que sinceramente pretendem cumprir – mas, tudo vai por água abaixo quando uma nova festa se apresenta. Agora os reguladores financeiros estão metendo o nariz em cada pequeno aspecto relacionado aos interesses dos bancos, mas somente agora que os bancos estão à beira do colapso. Antes, onde é que eles estavam?

Agora todos culpam a ganância dos banqueiros pela crise. Mas, ainda ontem, estes mesmos gananciosos banqueiros eram universalmente aclamados como os salvadores da pátria, os criadores de riqueza, aqueles que assumiam os riscos e criavam empregos. Muitos na City Londrina e em Wall Street estão na iminência de perder seus empregos. Mas os operadores terão feito milhões com os derivativos de curto prazo no mercado especulativo. Os diretores dos operadores nos conselhos de administração deixarão que o cassino continue porque seus ganhos também estão ligados aos resultados em curto prazo.

Tardiamente as autoridades estão tentando impor restrições aos ganhos dos banqueiros como sendo o preço a pagar pelos planos de salvamento. Eles fazem isso não por uma questão de princípio ou convicção, mas porque temem a reação da população ante estes escandalosos ganhos, que estão sendo pagos com o dinheiro público, o dinheiro está indo para aqueles que causaram todo esse caos na economia. Os diretores se esquecem que uma atmosfera de fúria e ódio está se acumulando na sociedade. Na verdade, eles não estão nem aí pra isso. Mas os políticos não podem se dar ao luxo de serem totalmente indiferentes aos eleitores que poderão chutá-los para longe nas próximas eleições.

O problema que eles têm à frente é que é impossível regular a anarquia capitalista. Reclamam da ganância, mas a ganância está no coração da economia de mercado e não pode ser restringida. Qualquer tentativa de limitar as “excessivas” remunerações, bônus etc., será sabotada. Os mercados expressarão esse desacordo com repentinas quedas nos preços das ações. Isto servirá para concentrar as mentes dos legisladores e compeli-los a prestar atenção no eleitorado real, ou seja, os proprietários da riqueza. Quando o trabalhador se sacrificar para pagar os impostos este ano, este dinheiro estará perdido para sempre. Mas a mesma regra não se aplica aos banqueiros e capitalistas. Mesmo que por fim concordem em reduzir seus bônus, para manter a imagem, neste ano, eles se recuperarão deste grande “sacrifício” aumentando seus bônus no próximo ano. Isto não é assim tão difícil.

A idéia de que homens e mulheres são incapazes de controlar seus assuntos de uma forma melhor que esta é uma monstruosa calúnia contra a raça humana. Ao longo dos últimos 10.000 anos a humanidade se mostrou capaz de superar todos os obstáculos e seguir adiante em seu objetivo final, a liberdade. As maravilhosas descobertas da ciência e tecnologia colocaram em nossas mãos a possibilidade de solucionar todos os problemas que nos atormentam há séculos e milênios. Mas este colossal potencial pode nunca ser desenvolvido em sua completa extensão, já que está subordinado à insana busca pelo lucro.

1.6. Por uma vida melhor

Incrivelmente, em seus esforços de defender o capitalismo, alguns comentaristas estão tentando culpar os consumidores e proprietários de imóveis pela crise: “Todos nós somos culpados”, dizem eles, sem nem sequer ficarem vermelhos. Depois de tudo, argumentam, ninguém foi forçado a pegar uma hipoteca de 125% ou endividar-se para pagar suas férias no exterior ou comprar belos sapatos. Mas, em uma situação onde a economia está se desenvolvendo rapidamente, e o crédito está barato, mesmo os pobres são tentados a “ir além de seus recursos.” Na verdade, em um dado momento a taxa real de juros nos EUA esteve negativa, o que significaria que as pessoas teriam prejuízos se não fizessem empréstimos.

O capitalismo constantemente cria novas necessidades e a publicidade, hoje, é uma grande indústria, que utiliza as mais sofisticadas artimanhas para convencer os consumidores que eles precisam ter isso ou aquilo. O extravagante estilo de vida das “celebridades” se apresenta ante os olhos fixos dos pobres, mostram-lhes uma visão destorcida da vida e lhes fazem uma lavagem cerebral para que aspirem a coisas que nunca poderão ter. A hipocrisia burguesa aponta o dedo acusador para as massas que, como Tântalos, foi condenado a assistir um grandioso banquete enquanto era fustigado pela fome e sede.

Não é imoral nem falta lógica em aspirar a uma vida melhor. Se homens e mulheres não aspirassem constantemente a uma vida melhor, não haveria qualquer progresso. A sociedade afundaria em uma condição de inércia e estagnação. Certamente, aspiramos a uma vida melhor, porque só temos uma. E se tudo aquilo que desejássemos fosse apenas aquilo que existe agora, a perspectiva da humanidade seria realmente sombria. O que é, sem sombra de dúvida, imoral e desumano é a luta incessante pela sobrevivência criada pelo capitalismo, onde a ganância pessoal é valorizada não apenas como uma virtude, mas como a força motriz de todo progresso humano.

A classe capitalista acredita na famosa lei da sobrevivência do mais forte. Entretanto, para eles não se trata da sobrevivência do mais adaptado ou mais inteligente e sim a sobrevivência dos ricos, independente de ser fraco, estúpido, feio ou doente, e não lhes importa se a pessoa mais perfeitamente adaptada e inteligente morra no processo. A idéia sistematicamente cultivada é que meu avanço pessoal somente pode ser alcançado a custo dos demais, que minha ambição pessoal deve ser satisfeita através da perda de outros, e que para avançar, é necessário esmagar os demais. Este violento individualismo burguês é a base moral e psicológica de muitos dos males que afetam a sociedade, corroendo suas entranhas e a arrastando pra baixo até o nível do primitivo barbarismo. É a moralidade do homem lobo do homem, o conceito de “cada um por si e Deus contra todos”.

Esta miserável caricatura da seleção natural é uma difamação a memória de Charles Darwin. Na verdade, a chave da sobrevivência e do desenvolvimento da raça humana desde suas origens não foi a competição e sim a cooperação. Nossos ancestrais eram pequenas e fracas criaturas da savana do leste africano (somos todos descendentes dos migrantes africanos). Não possuíam fortes garras nem poderosos dentes. Não podiam correr tão rápido quanto os animais que precisavam comer, e muito menos eram mais rápidos que os predadores que lhes queriam comer. De acordo com a “sobrevivência do mais forte” nossa espécie teria sido extinta há aproximadamente três milhões de anos. A principal vantagem evolutiva que nossos ancestrais possuíam era a cooperação e a produção social. O individualismo sob tais condições significaria a morte.

1.7. Mudança na consciência

Aos defensores da teoria da sobrevivência do mais forte há que se fazer uma simples pergunta: Por que não deixar os bancos, que se mostraram completamente fracos para sobreviver, morrer? Por que salvá-los à custa da generosidade de toda a sociedade, que antes se presumia, não existia? Para salvar os fracos e não adaptados bancos, recorrem a estúpidos e ineficientes banqueiros, enquanto que a maioria forte, adaptada, inteligente e batalhadora precisa se sacrificar alegremente. Mas a sociedade não está, de modo algum, convencida a servir a esta causa valorosa, e muito menos a abrir mão de “supérfluos” tais como escolas e hospitais e nem a aceitar um regime de austeridade por um suposto futuro.

Os choques econômicos que são diariamente noticiados nos jornais e televisões revelam um fato que está ficando claro para todos: o sistema atual não está funcionando. Usando uma expressão americana: it is not delivering the goods (não estão cumprindo o prometido). Não há dinheiro para a saúde, ensino e previdência, mas para Wall Street há todo o dinheiro do mundo. Nas palavras do maior escritor americano da atualidade, Gore Vidal, o que temos é: “socialismo para os ricos e economia de livre mercado para os pobres”.

Muitas pessoas estão tirando a devida conclusão de tudo isso. Estão começando a questionar o sistema capitalista e procurando alternativas. Infelizmente, as alternativas não são imediatamente óbvias. Nos EUA, olham para Obama e para os Democratas. Mas Republicanos e Democratas são as botas esquerda e direita do mesmo Grande Negócio. Mais uma vez Gore Vidal: “em nossa República só existe um partido, o Partido da Propriedade, com duas alas de direita”. Obama e McCain apoiaram fielmente o plano de salvamento dos bancos de US$ 700 bilhões. Representam os mesmos interesses com leves variações de tática.

Estes acontecimentos terão um profundo impacto nas consciências. É uma proposição elementar do Marxismo que a consciência humana é profundamente conservadora. As pessoas em geral não gostam de mudança. Hábitos, costumes e rotinas desempenham um papel muito importante na formação das perspectivas das massas, que normalmente resistem à idéia de grandes mudanças em suas vidas e costumes. Mas quando grandes acontecimentos sacodem a sociedade em seus fundamentos, as pessoas são compelidas a reconsiderar suas velhas idéias, crenças e preconceitos.

Justamente agora, estamos entrando em tal período. O longo período de relativa prosperidade dos últimos vinte anos ou mais nos países capitalistas avançados deixou sua marca apesar da relativamente leve recessão de 2001. Apesar de todas as injustiças manifestas do capitalismo, apesar das longas horas de trabalho, do aumento da exploração, do aumento da desigualdade, do luxo obsceno da indecente riqueza ostentado lado a lado ao aumento do número de pobres e marginalizados – apesar disso tudo, muitas pessoas acreditam que a economia de mercado funciona e que mesmo assim serve ao benefício de todos. Isto é particularmente verdade nos EUA. Mas, para um número cada vez maior de pessoas isso já não é assim.

Source: Esquerda Marxista

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