Controle Operário e Nacionalização

Portuguese translation of  Workers’ Control and Nationalization by Rob Lyon (January 2006)

A co-gestão pode ter variados significados para variadas pessoas, mas está claro que, para a classe trabalhadora venezuelana, a luta pela co-gestão é uma luta pelo genuíno controle e administração dos trabalhadores e pela transformação socialista da sociedade.

O desenvolvimento da luta pelo controle operário na Venezuela marca a intervenção decisiva da classe trabalhadora venezuelana na revolução bolivariana. Devido ao desenvolvimento desta luta na Venezuela, é imperativo que discutamos estas importantes questões para termos uma visão clara dos acontecimentos na Venezuela e para explicar nossa posição e palavras de ordem na preparação das lutas revolucionárias em outros países ao redor do mundo.

Os Princípios do Controle Operário

O controle operário significa exatamente o que diz: a classe trabalhadora e seus representantes nas fábricas têm o direito de inspecionar os livros contábeis de uma firma ou indústria etc., para checar e controlar todas as entradas e saídas, bem como as ações da administração.

Em O Programa de Transição, Trotsky explica que o primeiro passo em direção real ao controle da indústria é a abolição dos “segredos empresariais”. Os segredos empresariais, as contas e os livros são naturalmente usados para justificar todo tipo de ataque contra a classe trabalhadora, como as reduções salariais, demissões e aumentos da jornada de trabalho.

Quando os patrões, alegando falência ou redução dos lucros, exigem a adoção daquelas medidas, o controle operário permite a inspeção dos livros e a verificação da situação real. A idéia é a de levantar o véu para mostrar à classe trabalhadora o funcionamento detalhado do sistema capitalista como um passo em direção a sua eliminação.

As tarefas imediatas do controle operário seriam a de explicar os débitos e os créditos, focalizando inicialmente as empresas individuais, para determinar a parte da renda nacional dos capitalistas individuais e, naturalmente, da classe dominante como um todo. Outra tarefa do controle operário seria a de revelar à sociedade a exploração da mão-de-obra e a descarada caça aos lucros, bem como expor os acordos secretos, fraudes e a corrupção inerente ao sistema.

Trotsky também explicou que o controle operário da indústria é uma “escola de economia planejada”, permitindo aos trabalhadores obter uma compreensão científica do funcionamento da economia e, dessa forma, poder planejar de forma consciente e democrática a produção e o conjunto da economia. Através da experiência do controle operário, a classe trabalhadora prepara-se para a gestão direta das indústrias nacionalizadas.

Dessa forma, o controle operário da indústria não é duradouro, nem estável, e de fato implica em dualidade de poder na fábrica ou empresa, e não pode durar indefinidamente enquanto este controle não se transformar em gestão direta.

Aqui podemos ver a diferença entre a reivindicação revolucionária e transicional pela gestão e controle operários com a medida reformista, a meio caminho, de “participação dos trabalhadores”.

Nos anos 30, Trotsky explicou que, sob o capitalismo, se a participação dos trabalhadores na gestão da produção quiser ser duradoura, estável e “normal”, deve descansar sobre a base da colaboração de classes e não da luta de classes.

Esta colaboração sempre se realizará através dos estratos superiores dos sindicatos e da administração. Inclusive nos anos 30, houve exemplos de participação dos trabalhadores na Alemanha (“democracia econômica”) e na Grã Bretanha (“mondismo”). Contudo, na forma como aconteceu no final dos anos 70, na Europa, não se tratou de controle operário sobre o capital, mas de subserviência da burocracia operária em relação ao capital. Essencialmente, os burocratas operários são utilizados para apoiar o capital e para desviar a luta dos trabalhadores para canais “seguros”.

Que aconteceu na Europa com esta idéia de “participação dos trabalhadores”? A “participação dos trabalhadores”, também conhecida como democracia industrial, foi amplamente discutida e implementada por toda a Europa nos anos 70. Em grande medida foi uma resposta à militância crescente do movimento dos trabalhadores, expressada nos acontecimentos de maio de 1968 na França e em outros lugares, nas greves mineiras de 1972 e 1974 na Grã Bretanha, nas greves gerais na Itália e na Dinamarca, e na onda de greves que varreram a Alemanha Ocidental.

A classe dominante estava desesperada para conter estes movimentos através de “parcerias sociais” e dirigir o mal estar dos trabalhadores para canais “seguros”. Pela incorporação dos estratos superiores dos sindicatos nos escritórios e nas fábricas, os patrões esperavam aumentar a eficiência e elevar a taxa de lucros.

Na realidade, exemplos desta natureza podiam ser encontrados nos anos 20 na Grã Bretanha, quando Sir Alfred Mond, do ICI, o grande monopólio químico, tentou instaurar a “democracia industrial” em suas fábricas.

A participação dos trabalhadores permitiu que estes burocratas operários facilitassem à administração informações e sugestões da força de trabalho. Como todos sabem, e como qualquer representante dos trabalhadores sabe, são os trabalhadores – as pessoas que no momento fazem o trabalho – que melhor sabem como fazê-lo. Ao mesmo tempo, através da “participação dos trabalhadores”, a gerência também pode impor suas regras, com toda segurança, à força de trabalho e desacreditar os burocratas tornando-os responsáveis pelas decisões impopulares.

Os comitês de burocratas, os órgãos da “participação dos trabalhadores”, eram essencialmente comitês sem poder onde os trabalhadores apenas podiam esbravejar. A participação dos trabalhadores também criou a ilusão de que os trabalhadores tinham alguma influência na tomada de decisões – isto com o objetivo de impedir ações independentes dos trabalhadores e de suas organizações. Por exemplo, na Alemanha, estes comitês não podiam convocar greves, o que permitia aos patrões e aos burocratas operários contornar e sabotar os sindicatos. De fato, estes conselhos dos trabalhadores eram freqüentemente contrapostos aos sindicatos numa tentativa de enfraquecê-los. Os patrões simplesmente usaram a velha tática de “divide e vencerás”, jogando uma organização contra a outra.

A experiência da “participação dos trabalhadores” criou um novo estrato de funcionários industriais que compartilhavam os interesses da administração – em resumo, criou um estrato privilegiado da classe trabalhadora.

Aonde levou tudo isto? Li um artigo do Independent (terça-feira, 28 de julho) sobre um escândalo de corrupção na Volkswagen. Um enorme escândalo que expôs a Volkswagen e que envolve subornos, prostituição, carros esportivos etc., e os diretores do Conselho Operário. Alguns deles gastaram milhões de Euros da empresa em casas, viagens e carros para amantes em todo o mundo. Eis o que dizia o Independent:

“Os principais beneficiários do amplo orçamento de diversão de Mr. Gebauer não foi o alemão médio, mas um punhado de felizes diretores do Conselho Operário da VW. Toda empresa importante alemã tem de abrir espaço a estes homens e mulheres eleitos nas oficinas para que participem nas decisões de investimento. Esta é uma parte fundamental do modelo alemão de consenso e ajuda a manter as greves no mínimo em um país onde os sindicatos ainda exercem um sério poder...”

Foi a isto que levou a “participação dos trabalhadores”. Os burocratas sindicais, que já não tinham qualquer ligação com a base, aliam-se à administração e aos executivos. Os interesses dos trabalhadores são vendidos em troca de prostitutas, viagra e viagens ao Brasil.

Por outro lado, o controle operário, mediante os comitês de empresa, ou conselhos operários, somente é possível na base de aguda luta de classes. Sob condições “normais”, a burguesia nunca tolerará um verdadeiro controle operário, nunca tolerará dualidade de poder em suas fábricas. A capacidade da classe trabalhadora de impor controles sobre a produção está determinada pela força da luta do proletariado contra a burguesia. O verdadeiro controle operário deve ser imposto aos capitalistas e, dessa forma, corresponde ao período de crise revolucionária da sociedade – corresponde à ofensiva proletária e ao recuo da classe dominante. Em conseqüência, o verdadeiro controle operário corresponde ao período da revolução proletária.

É por esta razão que vemos o controle operário se estender na Venezuela, embora existam tensões e problemas em torno dessa questão, aos quais voltaremos mais tarde. Esta ou aquela luta pode ser defensiva na Venezuela, mas a extensão e crescimento da co-gestão estão relacionados à ofensiva da classe trabalhadora e ao recuo da classe dominante. O país encontra-se em uma situação revolucionária, os trabalhadores estão avançando e os empresários estão em retirada.

Na luta pelo genuíno controle operário, a classe trabalhadora inevitavelmente avança na direção da tomada do poder e dos meios de produção. As fábricas e empresas individuais sob controle operário, ou sob gestão operária, somente podem funcionar dentro dos limites da economia como um todo, isto é, dentro dos limites do capitalismo. Não é possível construir uma ilha de socialismo dentro de um mar de capitalismo.

Um bom exemplo disto, em sentido negativo, é o da fundição da Alcan, em Jonquière, Québec. A Alcan é o maior produtor mundial de alumínio. A grande fundição em Jonquière estava programada para fechar em 2014. No início de 2004, a Alcan, repentinamente, anunciou que iria fechar a fundição. Como parte de sua luta defensiva, os trabalhadores ocuparam a planta. Logo se tornaram conscientes da sabotagem por parte da administração e destituíram os supervisores e gerentes da fundição. Depois disto, informaram que a produção era mais alta que antes dos trabalhadores tomarem o controle.

Mas todo o sistema capitalista se uniu para derrotar os trabalhadores. A mídia e o estado fizeram enorme pressão sobre eles. Outras empresas recusaram vender-lhes matérias-primas necessárias à produção do alumínio e a fundição enfraqueceu. Desgraçadamente, no final, perderam a luta.

Fábricas e empresas sob controle operário, como a fundição da Alcan, ou aquelas companhias sob controle operário na Venezuela atualmente, na realidade devem interagir, comprar e vender seus produtos ao setor privado. Devem funcionar no mercado. Portanto, estão à mercê do capitalismo. Isto leva logicamente os trabalhadores a lutar contra o poder do capital.

A questão do crédito, matérias-primas e mercados revela de imediato a necessidade de se estender o controle operário além dos limites das empresas individuais. Um bom exemplo disto, em sentido positivo, é a ALCASA, uma fábrica de alumínio de propriedade do estado na Venezuela, que atualmente está experimentando a forma mais avançada de co-gestão. Durante o lockout empresarial, em 2002-2003, sabotadores cortaram o suprimento de gás à fundição, paralisando a produção. Os trabalhadores da ALCASA, junto com trabalhadores de outras fundições vizinhas, armaram-se e marcharam até as instalações de gás, romperam as barreiras policiais e forçaram o restabelecimento da produção para garantir o suprimento de gás.

Dado o esmagador domínio do mercado mundial e a total dependência dos países em relação ao comércio mundial, a questão das importações e exportações aumenta a necessidade do controle operário em nível nacional. Isto de imediato contrapõe os órgãos centrais do controle operário aos órgãos da classe dominante.

Não podemos ser, é claro, mecanicistas ou formalistas em nossa concepção do desenvolvimento da revolução socialista, mas podemos ver como o controle operário da indústria, ou dualidade de poder nas fábricas, geralmente corresponde ou leva a um período de dualidade de poder no país. A dualidade de poder nas fábricas e a dualidade de poder no estado nem sempre surgem ao mesmo tempo. Em alguns casos, o controle operário se desenvolverá antes da dualidade de poder no estado e, em outros casos, será o contrário.

As contradições inconciliáveis inerentes ao regime de controle operário, inerentes ao regime de dualidade de poder, se aprofundarão e alcançarão um momento crítico em que estas contradições tornar-se-ão intoleráveis para os dois lados. A dualidade de poder é uma etapa da luta de classes em que as contradições de classe tornam-se tão agudas que a sociedade se divide em dois campos hostis, duas forças antagônicas, uma reacionária e caduca e a outra nova, ascendente e revolucionária. A única saída desta situação é ou a tomada do poder pela classe trabalhadora, levando à vitória da revolução, ou o esmagamento da revolução, o que significará a vitória da contra-revolução. Para entender isto basta olhar a diferença de resultados da Revolução Russa e das revoluções alemã e italiana.

Como na Venezuela atualmente, o controle operário da indústria implica controle não somente sobre as indústrias em funcionamento, mas também sobre as indústrias em funcionamento parcial, fechadas e ociosas. A tarefa de reabrir estas indústrias ociosas sob o controle de comitês de fábricas, dentro de um mar de capitalismo, implica o início de um plano econômico. Estas fábricas devem ser abastecidas com matérias-primas e estar aptas a produzir. Isto leva diretamente à questão da gestão estatal da indústria. Como também podemos ver na Venezuela, estas companhias de propriedade do estado enfrentam sabotagem e estão ainda à mercê do capitalismo, tanto nacional quanto internacionalmente. Isto, por seu turno, levará diretamente à questão da expropriação dos capitalistas.

Tudo isto quer dizer que o controle operário não é uma condição permanente ou “normal”. É um indicativo do fortalecimento da luta de classes e de que a dualidade de poder na indústria deve ser resolvida. Como uma medida de transição que existe sob a alta tensão da luta de classes, o controle operário é uma ponte para a nacionalização revolucionária da indústria, correspondendo à transição do regime burguês ao regime proletário.

É importante entendermos a diferença entre controle operário e gestão operária. Esta tem sido uma fonte de confusão histórica e devemos esclarecer este assunto. O controle operário significa que o controle encontra-se nas mãos dos trabalhadores, mas que a propriedade permanece nas mãos dos capitalistas. O controle operário pode ser dominante, abarcar tudo, mas permanece sendo apenas controle.

Trotsky explicou:

“A própria idéia do slogan [de controle operário] foi produto do regime de transição na indústria, em que tanto os capitalistas e seus administradores já não podiam mais dar um passo sem o consentimento dos trabalhadores; quanto, por outro lado, os trabalhadores ainda não tinham conquistado os pré-requisitos para a nacionalização, nem tinham tomado a direção técnica, nem criado os órgãos essenciais para isto. Não devemos esquecer que o que está envolvido aqui não concerne apenas a tomar conta das fábricas, mas também à venda dos produtos e ao abastecimento das fábricas com matérias-primas e novos equipamentos, bem como às operações de crédito etc.,” (Questões Vitais para o Proletariado Alemão. Terceira parte).

A gestão real das indústrias nacionalizadas requer novas formas administrativas e estatais e, sobretudo, requer conhecimentos, habilidades e formas organizacionais adequadas. Para isto, o aprendizado é necessário. Durante este aprendizado, ocorra antes ou mesmo depois da tomada do poder, a classe trabalhadora tem interesse em deixar a administração nas mãos de uma administração experimentada, sob controle operário. Este período somente prepara os elementos de um plano econômico.

A gestão operária da indústria, contudo, vem de cima, porque está ligada ao poder estatal e ao plano econômico. Enquanto que o controle vem de baixo e é executado pelos comitês de fábrica, os órgãos de gestão são centralizados em conselhos operários, o poder central estatal. É importante assinalar que os comitês de fábrica não desaparecem e que o seu papel, embora mudado, continua importante.

Não somos sindicalistas. Não acreditamos que a propriedade de fábricas isoladas deva passar às mãos dos trabalhadores dessas fábricas. Uma das tarefas fundamentais do desenvolvimento socialista da sociedade é a propriedade coletiva, social, dos meios de produção e a eliminação da competição industrial dentro da sociedade – isto começa com a propriedade estatal dos meios de produção.

Em 1917, Trotsky foi questionado, numa entrevista, se os trabalhadores em cada fábrica seriam proprietários da fábrica em que trabalhavam e se os lucros seriam divididos entre os trabalhadores. Ele respondeu dizendo: “Não, a divisão dos lucros é uma noção burguesa. Os trabalhadores numa fábrica têm de receber salários adequados. Todos os lucros não pagos aos proprietários (que receberiam 5%-6% ao ano por seu investimento) pertencerão à sociedade” (Em Defesa da Revolução Russa, Controle Operário e Nacionalização. Leão Trotsky).

Em um estado operário, a menos que a gestão final da indústria esteja nas mãos dos conselhos de trabalhadores representando o estado e a classe trabalhadora como um todo, as indústrias e empresas competiriam entre si, o que impossibilitaria a coordenação de um plano nacional e, essencialmente, ainda teríamos capitalismo. É por isto que nos opomos à idéia anarquista e sindicalista de que os trabalhadores em cada indústria deveriam ser os seus donos. Esta idéia de propriedade “local”, quando os trabalhadores em uma fábrica são os seus proprietários, não muda o papel produtivo e social e a natureza da empresa. Continua sendo uma empresa privada e não propriedade social. Uma empresa de propriedade dos trabalhadores, através de uma cooperativa ou auto-administrada, ainda seria uma empresa capitalista, dependente de lucros – mesmo que seja propriedade de uma cooperativa de trabalhadores de 12, 250 ou 1 homem. Isto não é propriedade social. É a nacionalização da indústria, sob propriedade estatal e controle operário, que garante tanto o caráter social quanto o caráter nacionalizado da indústria.

O programa dos marxistas com relação à gestão operária e à economia democraticamente planejada é pelos conselhos de gestão de toda a economia nacionalizada, compostos da seguinte maneira: 1/3 do conselho deveria estar formado por trabalhadores da indústria, através de seus sindicatos, para salvaguardar os interesses dos trabalhadores diretamente envolvidos na produção e para aproveitar sua criatividade, conhecimentos e habilidades. 1/3 do conselho deveria representar a classe trabalhadora como um conjunto e ser eleito através dos sindicatos ou do órgão sindical central e o outro terço deveria ser reservado ao estado operário para representar o plano nacional de produção.

A Experiência Soviética

O controle e planejamento da economia somente podem ter lugar dentro de certos limites – limites determinados pelo nível da técnica quando uma nova ordem social toma o comando.

Na Rússia de 1917, dados o extremo atraso do país, o baixo nível cultural e o analfabetismo da classe trabalhadora e dos camponeses, o nível da técnica era muito baixo. De fato, mesmo depois da Revolução de Outubro, a gestão da indústria era deixada nas mãos dos capitalistas até que os trabalhadores adquirissem a necessária experiência para tomar o comando em suas próprias mãos.

Mais uma vez, no final de 1917, perguntaram a Trotsky se era intenção do governo soviético desapropriar os donos das plantas industriais na Rússia. Sua resposta foi longa e desculpamo-nos por reproduzir a maior parte dela, mas isto é importante porque dá relevo ao plano geral do governo soviético para a economia.

“Não, ainda não estamos preparados para tomar o comando de toda a indústria. Isto virá com o tempo, mas não podemos dizer se será logo. No momento, esperamos que os lucros de uma fábrica paguem ao proprietário 5% ou 6% ao ano sobre seu investimento real. O que queremos agora é o controle, de preferência à propriedade...

“[Por controle] quero dizer que veremos se a fábrica está sendo dirigida não do ponto de vista do lucro, mas do ponto de vista do bem estar social democraticamente concebido. Por exemplo, não permitiremos ao capitalista fechar sua fábrica para submeter seus trabalhadores pela fome ou porque não lhe estão rendendo lucros. Se o seu produto é economicamente necessário, deve continuar sendo produzido. Se o capitalista o abandona, perderá tudo, e no comando da produção se colocará um conselho de gestão eleito pelos trabalhadores...

“Novamente, ‘controle’ implica que os livros contábeis e a correspondência estarão abertos ao público, dessa forma, não haverá segredos empresariais. Se estes se relacionam por acaso a melhores processos ou equipamentos, serão comunicados a todas as outras empresas do mesmo ramo industrial, de forma que todos rapidamente se darão conta dos benefícios da descoberta. No momento, são inacessíveis aos outros interessados por causa do lucro, e, por anos, o produto pode ser desnecessariamente mantido escasso e caro para o consumidor...

“’Controle’ também significa que produtos primários limitados em termos de quantidade, como o carvão, o petróleo, o ferro, o aço etc., poderão ser repartidos a diferentes plantas que os demandam com o objetivo de sua utilidade social...

“[Isto se fará ou não] de acordo com a oferta dos capitalistas entre si, mas na base de estatísticas completas e cuidadosamente recolhidas” (Em Defesa da Revolução Russa, Controle Operário e Nacionalização. Leão Trotsky).

O caráter do controle operário durante a Revolução Russa era muito explosivo. O slogan de controle sobre a indústria foi inicialmente publicado em ampla escala pelo Partido Bolchevique em 1917, mas não foi inventado pelo partido. Da mesma forma que os sovíetes, os conselhos de fábrica e o controle operário resultaram do movimento espontâneo da classe trabalhadora, como um método de luta nascido da própria luta de classes.

Naturalmente, o controle operário começa realmente como uma luta defensiva contra a sabotagem dos patrões. Muitas fábricas tinham sido fechadas e se produziu um lockout patronal. Os trabalhadores em muitos casos, defendendo seus empregos e a revolução, ocuparam as fábricas. Durante este período o controle operário foi amplamente passivo.

Depois da vitória da Revolução de Outubro, o governo soviético aprovou um decreto sobre o controle operário baseado num anteprojeto de Lênin. O decreto reconhecia os comitês de fábrica como os órgãos de controle em cada empresa individual, e tentou reorganizá-los em nível regional e em um Conselho de Controle Operário de toda a Rússia.

Os bolcheviques, conscientes da impossibilidade de que a atrasada Rússia passasse imediatamente ao socialismo, e conscientes da inexperiência dos trabalhadores em administração, pretenderam fundar um regime de controle operário até que chegasse a ajuda da revolução no Ocidente, principalmente da Alemanha, com sua forte e altamente educada classe trabalhadora.

Ainda assim os bolcheviques nacionalizaram os bancos – uma das mais importantes medidas tomadas pelo jovem estado soviético. Esta medida privou os proprietários das grandes empresas, tanto estrangeiras quanto russas, de uma de suas mais efetivas ferramentas para organizar sabotagens e deu ao estado soviético uma poderosa ferramenta econômica, bem como um efetivo e vital centro de contabilidade e estatística para o conjunto da economia.

Um das questões mais urgentes enfrentadas pelos bolcheviques foi a necessidade de reorganizar a indústria russa e de elevar a produtividade do trabalho. Se isto não fosse feito, rapidamente o jovem estado soviético estaria condenado.

Depois da aprovação do decreto sobre o controle operário, este adquiriu um caráter convulsivo e caótico. Como Paul Avrich escreve: “O efeito do decreto foi o de dar um poderoso impulso a um setor do sindicalismo em que os trabalhadores imediatos mais do que os do aparato sindical eram os que controlavam os instrumentos de produção – um setor do sindicalismo que se avizinhava ao caos total” (Paul Avrich. The Russian Anarchists, p. 162). Cada vez mais empresários estavam deixando a Rússia, e os trabalhadores estavam sendo forçados cada vez mais a tomar as rédeas da administração. A economia russa estava exaurida após quatro anos de guerra e revolução. A Rússia se encontrava à borda do colapso.

Os empresários naturalmente resistiram ao controle operário. O controle operário tropeçou com lockouts e sabotagens. Isto, por sua vez, foi respondido com nacionalizações punitivas. Como Trotsky tinha explicado, se os patrões tentassem sabotar ou abandonar a fábrica, a perderiam.

Os bolcheviques também enfrentaram a desintegração da autoridade central. De fato, entre novembro de 1917 e junho de 1918, muitas fábricas e plantas foram colocadas sob a “auto-gestão dos trabalhadores”, que é a idéia sindicalista da auto-gestão. Este particularismo e estreiteza de horizontes refletiam o atraso da Rússia, seu baixo nível de desenvolvimento e, em grande medida, sua economia rural pequeno-burguesa.

Muitos bolcheviques e outros dirigentes operários reconheciam que o orgulho localista de comitês de fábrica individuais poderia causar perdas irreversíveis à economia nacional, e que muitos estavam egoisticamente absorvidos com as necessidades de suas próprias empresas, como dizia um dirigente operário: “isto poderia levar ao mesmo tipo de atomização do sistema capitalista” (Avrich, The Russian Anarchists, p; 164).

Outro dirigente operário escreveu: “o controle operário transformou-se em uma tentativa anarquista para instalar o socialismo em uma empresa, mas, na realidade, leva ao confronto os próprios trabalhadores, à negativa de combustíveis, metal etc.,” (Ibid.p. 164).

Trotsky já tinha prevenido sobre alguns dos perigos inerentes a este processo no final de 1917. Quando perguntado se os comitês operários ou gestores eleitos de uma fábrica estariam livres para operar uma fábrica como quisessem, ele replicou: “Não, eles estarão submetidos às políticas estabelecidas pelo conselho local de deputados trabalhadores... [e] o alcance de seu arbítrio estará limitado, por sua vez, por regulamentos feitos para cada tipo de indústria pelas comissões ou agências do governo central” (Em Defesa da Revolução Russa, Controle Operário e Nacionalização. Leão Trotsky).

Em seguida, ele foi questionado sobre a idéia de Kropotkin e alguns anarquistas, que defendiam que cada centro devia ser autônomo com respeito às indústrias que havia dentro dele.

“O comunalismo de Kropotkin funcionaria em uma sociedade rudimentar baseada na agricultura e na indústria doméstica, mas não se ajusta à situação da sociedade industrial moderna. O carvão da bacia do Donets abastece toda a Rússia e é indispensável para todos os tipos de indústrias. Agora, não se pode entender a população organizada daquele distrito fazendo o que lhe agradasse com as minas de carvão, eles poderiam atrasar todo o restante da Rússia se quisessem? A completa independência de cada localidade com respeito as suas indústrias resultaria em intermináveis fricções e dificuldades em uma sociedade que alcançou a etapa de especialização local da indústria. Poderia, inclusive, levar a uma guerra civil. Kropotkin tem em mente a Rússia de sessenta anos atrás, a Rússia de sua juventude” (Ibid).

Tanto Paul Avrich (em The Russian Anarchists) quanto E. H. Carr (em The Bolshevik Revolution, vol. 2) relatam que alguns comitês de fábrica procuraram associar-se com os proprietários. Algumas vezes se pedia aos proprietários para retornar para ajudar na exploração. Em alguns casos, os comitês de fábricas simplesmente se apropriavam dos fundos da fábrica ou vendiam seus estoques ou instalações em seu próprio benefício, dividindo a pilhagem entre eles.

Um informe sindical britânico explicava que os trabalhadores tinham sido transformados da noite para o dia em “uma nova corporação de acionistas”. Paul Avrich escreveu que “fábricas individuais enviavam mensageiros às províncias para adquirir combustível e matérias-primas, algumas vezes a preços exorbitantes. Freqüentemente, recusavam-se a compartilhar os suprimentos com outras fábricas em direta necessidade. Os comitês locais aumentavam salários e preços indiscriminadamente, e em ocasiões cooperavam com os proprietários em troca de bônus especiais” (Paul Avrich, The Russian Anarchists, p. 163).

Muitos comitês estavam preocupados apenas com suas próprias empresas e não com o interesse econômico geral do país. A. M. Pankratova escreveu: “Estávamos construindo, não uma República Soviética, mas uma república de comunidades da classe trabalhadora, baseada em fábricas e plantas capitalistas. Em lugar de uma ordem estrita de produção e de distribuição social, em lugar de medidas em direção à organização socialista da sociedade, a situação existente seguia como se tratasse de comunidades autônomas de produtores, como tinham sonhado os anarquistas” (citado por Victor Serge em Um Ano da Revolução Russa, de Os Comitês de Fábrica da Rússia na Luta pela Fábrica Socialista por A. M. Pankratova).

Existiam, naturalmente, alguns relatos de êxito (como os das fábricas têxteis de Moscou), mas a tendência geral da economia era de queda e de crescente caos. De fato, a economia russa se dirigia ao colapso total. Obviamente a situação não era conducente à reorganização da produção, à eliminação da concorrência ou ao planejamento da economia.

A jovem república soviética também enfrentava outros problemas, como a sabotagem dos especialistas e técnicos. Estes especialistas e técnicos estavam esperançosos, com certa base, que o governo soviético caísse dentro de algumas semanas. Em conseqüência, eles ou deixavam a Rússia ou se recusavam a trabalhar. Os especialistas na Rússia de 1917 não eram como os especialistas e técnicos de hoje. Mais adiante, trataremos da Venezuela, mas os técnicos e especialistas, gerentes inferiores e trabalhadores de colarinho branco, hoje, tornam-se cada vez mais proletarizados. Eles enfrentam os mesmos ataques, cortes e reduções de salário como os demais trabalhadores. Será possível ganhá-los, convencê-los de nossas idéias, como já está acontecendo atualmente na Venezuela.

Contudo, na Rússia de 1917, os especialistas e técnicos eram muito privilegiados. Eram filhos e filhas dos aristocratas e da burguesia. Foram bem educados, o que por si mesmo já era um imenso privilégio. Eram bem pagos e tinham uma posição poderosa. Eles se sentiam insultados pela idéia de um estado operário e do controle operário. Recusaram-se em massa a trabalhar, devastando a indústria soviética.

Portanto, o estado soviético estava forçado a fazer uma série de compromissos, começando por pagar aos técnicos acima do salário de um trabalhador médio. Naturalmente, um comissário político ficava ao seu lado para garantir sua lealdade quando eram enviados às fábricas para ajudar no seu funcionamento, uma medida brilhante por si mesma de controle operário, mas apesar de tudo ainda um compromisso. O estado soviético não tinha opção – sem os especialistas a indústria não funcionaria.

Como o país deslizou rapidamente para a guerra civil no verão de 1918, a sabotagem da antiga classe dominante aumentou. A Rússia enfrentava a fome, enquanto os camponeses ricos escondiam o grão. Quando o governo soviético estava desesperado por combustível para se preparar para a guerra próxima, os empresários do petróleo ameaçaram com um lockout, confiantes em que os trabalhadores não seriam capazes de manejar a indústria. Todas as forças da reação em escala mundial estavam antecipando entusiasticamente o colapso do jovem estado soviético.

Em conseqüência, o governo soviético nacionalizou os setores mais importantes da economia em junho de 1918. Todas as indústrias engajadas na mineração, engenharia, tecelagem, eletricidade, madeira, tabaco, vidro, cerâmica, couro, cimento, borracha, transporte e combustível foram nacionalizadas. Eram indústrias vitais e sua nacionalização era necessária para protegê-las da sabotagem dos burgueses e para reorganizá-las para o esforço de guerra.

O Congresso de Conselhos Econômicos, que tinha sido formado em dezembro de 1917, decidiu estabelecer conselhos de gestão de toda a indústria nacionalizada, compostos da seguinte forma: 1/3 do conselho procederia dos Conselhos Econômicos regionais ou do Sovíete Econômico Supremo; 1/3 viria dos sindicatos e o outro 1/3 dos trabalhadores das próprias empresas. Os comitês de fábrica foram, por sua vez, transformados nas células básicas dos sindicatos e iniciaram a gestão e administração da indústria. Estas medidas foram tomadas para assegurar o planejamento democrático e a natureza socializada da economia. Isto assegurou o controle democrático da classe trabalhadora como um todo sobre a economia e não somente o controle dos trabalhadores nas fábricas isoladas. Esta forma de sindicalismo e de “auto-gestão local”, que tinha dominado desde antes de outubro até o verão de 1918, tinha causado fricções e concorrência, além de exploração, e estava afinal desbaratando a economia. As novas medidas do estado soviético reverteram a tendência ao caos na economia e tiverem importante papel na vitória dos sovíetes na guerra civil.

Agora não é o momento de colocarmos a questão do estalinismo e da degeneração da União Soviética, pois não é este o ponto central da presente discussão, mas basta dizer o seguinte: que a democracia dos trabalhadores, isto é, o controle operário e a gestão operária da indústria, não se desenvolveu sob condições ideais na Rússia. Mas, mesmo assim, mesmo em um país que sofria de atraso esmagador, enfrentando a sabotagem geral, não somente da Rússia burguesa, mas também do pessoal técnico e dos imperialistas, o jovem e inexperiente proletariado russo, rodeado de inimigos por todos os lados, foi capaz de organizar a gestão da indústria. Este é um testemunho da criatividade da classe trabalhadora e de sua capacidade de transformar a sociedade.

Contudo, a União Soviética emergiu da guerra civil totalmente destroçada. Em 1921, a produção industrial e agrícola foi de somente 13% dos níveis anteriores à guerra. Sete anos inteiros de guerra, revolução e guerra civil cobraram seu imposto à economia e ao país como um todo. Tudo foi relegado para se ganhar a guerra civil. A classe trabalhadora emergiu da guerra civil, como Lênin afirmou, “desclassificada”. A maioria dos trabalhadores avançados tinha dado suas vidas no front. Camponeses, hostis às cidades e às fábricas, e furiosos por suas experiências da guerra, foram levados às cidades para preencher as vagas nas fábricas. Em muitos sentidos, foi a burocracia e não a classe trabalhadora que saiu vitoriosa da guerra civil.

Com a introdução da NEP e com o crescimento da burocracia, a democracia dos trabalhadores foi substituída pelo arbítrio da crescente, e cada vez mais consciente de si mesma, burocracia. A gestão operária da indústria foi substituída pela má gestão burocrática da indústria.

A Experiência Iugoslava

Gostaríamos de tratar um pouco da Iugoslávia e da questão das cooperativas de trabalhadores e do chamado socialismo de mercado. Este é um tópico importante e muito relevante para a questão do controle operário na Venezuela. Muito disto também se aplica às idéias que estão sendo propostas pela chamada Nova Esquerda na China atualmente.

Na Iugoslávia, as empresas eram de propriedade do estado e estavam oficialmente confiadas aos trabalhadores para que as administrassem através de seus conselhos de trabalhadores ou comitês de auto-gestão. A coisa mais importante a entender e a lembrar, quando se examina estes comitês de auto-gestão, é que eles funcionavam no mercado – eles competiam tanto nacional quanto internacionalmente. Estas firmas e empresas faziam propaganda, competiam e se esforçavam para aumentar os lucros. Foi esta busca de lucros que levou ao domínio dos gerentes e dos especialistas das empresas sobre os trabalhadores.

Foi o rompimento entre Tito e Stalin que levou ao desenvolvimento da chamada auto-gestão na Iugoslávia. Até 1948, a Iugoslávia tinha um sistema muito semelhante ao da URSS. De fato, o partido iugoslavo foi um dos mais leais a Stalin. Mas Tito tinha conduzido a luta armada contra os nazistas e tinha chegado ao poder por si mesmo, sem a ajuda do Exército Vermelho soviético. Tinha sua própria base de poder e isto levou a uma série de disputas com Stalin e a burocracia soviética. Após o rompimento entre Tito e Stalin, a liderança iugoslava repentinamente anunciou que a União Soviética tinha degenerado em “capitalismo de estado”.

Numa tentativa para encontrar uma justificação ideológica para o rompimento com Stalin, os burocratas iugoslavos, ademais, argumentaram que a propriedade estatal era somente uma pré-condição para o socialismo – o que é, de modo geral, correto. O que eles defendiam era que, para se construir o socialismo, as relações socialistas de produção necessitavam ser desenvolvidas, o que é, naturalmente, também correto. Contudo, eles acreditavam que as relações socialistas de produção poderiam ser estimuladas através da auto-gestão, considerando que, de outra forma, o sistema degeneraria em despotismo burocrático (esta foi a maneira astuciosa que os burocratas iugoslavos utilizaram para ganhar o apoio da classe trabalhadora na luta contra a URSS e para as “reformas” propostas). Atacaram o controle central da economia na URSS. Contudo, o problema não era o controle central, mas a ausência de controle operário. As reformas de mercado também foram propostas como medidas para incentivar o ritmo lento da economia e encontrar outras fontes de comércio, no momento em que a assistência soviética tinha sido cortada (o comércio com a URSS e com outros países do bloco oriental era responsável por 50% das importações e exportações. Em 1950, isto foi reduzido a zero).

Em 1950, a Iugoslávia introduziu uma nova lei sobre co-gestão operária. Argumentaram que a descentralização da auto-gestão operária era o início do desaparecimento do estado. Na verdade, o poder real estava nas mãos da burocracia estatal. O Primeiro Plano Qüinqüenal (1947-1952) não atingiu suas metas. A qualidade dos produtos era baixa e, em 1949, a produtividade do trabalho estava decrescendo. Os burocratas iugoslavos começaram a buscar um “mecanismo automático” para regular a economia – semelhante às funções do mercado sob o capitalismo. Na ausência de um genuíno controle operário como um meio de controlar a qualidade da produção, os estalinistas foram forçados a procurar por “mecanismos de mercado”. Desde o início, ficou claro que estas medidas provocariam uma série inteira de contradições. Os estalinistas estavam querendo fazer o impossível na tentativa de abrir-se ao mercado e, ao mesmo tempo, manter o controle central.

A administração das empresas tornou-se mais uma responsabilidade dos conselhos de operários da empresa do que dos ministérios estatais. Os planos detalhados de produção foram substituídos pela planificação básica dos investimentos. Os níveis dos salários foram ajustados centralmente, mas suplementados e aumentados por bônus nas empresas individuais, vinculando os salários mais altos à obtenção de lucros. Contudo, isto ficou somente sobre o papel. Os comitês de auto-gestão eram controlados pelos gerentes das empresas, que estavam próximos dos ministérios e dos burocratas estatais. Estes comitês eram estritamente subordinados ao controle do partido e dos sindicatos. Os gerentes eram freqüentemente escolhidos com base na lealdade política aos ministros e, naturalmente, recebiam salários mais altos do que os dos trabalhadores que comandavam.

Outra coisa importante a lembrar é que essas empresas pagavam impostos (além das receitas transferidas ao estado), e esses fundos eram usados pelo estado para novos investimentos e para a criação de novas empresas. Essas novas empresas eram rapidamente entregues aos “conselhos operários” para a gestão. Os lucros realizados por estas empresas não eram redistribuídos pelo estado e permaneciam dentro da empresa.

É importante entender que os trabalhadores tinham apenas o controle formal de seus centros de trabalho. Sob a auto-gestão, os trabalhadores supostamente dirigiam as fábricas e supostamente estavam livres para tomar suas próprias decisões de produção e comercialização. Na verdade, era o estado que controlava a economia e as empresas sob auto-gestão. O estado tinha o poder de nomear os diretores de fábrica e de determinar a quantidade de recursos financeiros para cada empresa. Embora a produção tenha aumentado, o controle estatal do investimento levou a um financiamento continuado e à sobrevivência de empresas ineficientes financiadas pelo estado, particularmente daquelas politicamente favorecidas pela burocracia estatal.

Este sistema desfrutou de um breve período de êxito, e a Iugoslávia teve o mais rápido crescimento econômico do mundo nos anos 50. Entretanto, em 1957, o Congresso dos Conselhos de Trabalhadores (a primeira e única reunião dos Conselhos de Trabalhadores) pediu mais poder. É importante entender que esses conselhos eram mais órgãos burocráticos, sob o controle dos gerentes e especialistas nas empresas, do que dos próprios trabalhadores. Queriam o relaxamento dos controles estatais e impostos mais moderados. Estas empresas queriam mais dinheiro para poder investir individualmente de preferência a cumprirem as decisões de investimento feitas pelo estado.

Os comitês de auto-gestão eram cada vez mais conscientes de seus próprios interesses, que se contrapunham aos interesses dos burocratas e ministérios estatais. Argumentava-se que essas medidas era um movimento desde o “capitalismo de estado” ao socialismo. Na realidade, era a introdução do mercado e um movimento em direção ao capitalismo ou, mais corretamente, estava sendo preparada a transição ao capitalismo. Sob um genuíno estado dos trabalhadores, em condições de isolamento, não seria errado introduzir reformas limitadas de mercado, como os bolcheviques fizeram com a NEP. Reformas de mercado eram usadas para corrigir irregularidades e ineficiências na economia e impulsionar a produção (particularmente a produção agrícola). Este poderia ter sido o caso na Iugoslávia com seu plano burocrático, onde as ineficiências e baixa produtividade eram óbvias, particularmente depois de ficar isolada da URSS. Contudo, reformas de mercado sob o estalinismo desenvolvem sua própria lógica interna, como se viu na Iugoslávia e se vê, atualmente, na China. Em lugar de usar o mercado para desenvolver o plano e o setor estatal, o setor estatal e o plano finalmente acabaram financiando o mercado. Isto também criou as condições pelas quais os burocratas e gerentes tornaram-se interessados em legitimar e formalizar seu poder e controle, convertendo-se em burgueses.

O alto crescimento dos anos 50 entrou em colapso no início dos anos 60 e, em conseqüência, foram introduzidas as reformas propostas pelos conselhos de trabalhadores. Isto representou um maior deslocamento em direção ao mercado e ao crescimento do poder dos gerentes. Entretanto, em 1962, o Terceiro Plano Econômico foi abandonado depois de somente um ano de sua implantação devido à crise econômica. A produção industrial caiu verticalmente à metade do nível de 1960, as importações dispararam, as exportações colapsaram e a inflação aumentou maciçamente.

A resposta da burocracia estatal foi a de se mover ainda mais em direção ao “socialismo de mercado”. O estado queria que as empresas iugoslavas fossem competitivas no mercado mundial e o monopólio estatal do comércio exterior foi eliminado e a moeda se tornou conversível. Os burocratas iugoslavos argumentaram que, se os trabalhadores não estavam tomando as decisões de investimento fundamentais através dos conselhos operários, então não tinham o controle real. Tudo era resumido da seguinte maneira: “Quem comanda a reprodução ampliada, comanda a sociedade”.

Aqui está a questão: a classe trabalhadora governa a sociedade quando se encontra pulverizada através de empresas individuais que controlam o investimento e a reprodução, ou quando está unida, através do estado, no controle do investimento e da reprodução? É óbvio que no último caso. No modelo iugoslavo, era a empresa individual em busca do lucro que comandava e não a classe trabalhadora. É a propriedade estatal nacionalizada, o planejamento democrático da economia, que garante o controle operário de toda a economia e não apenas de uma indústria ou fábrica. É também o que protege a natureza socializada da economia e o desenvolvimento das relações socialistas de produção. Socialismo significa o controle centralizado e democrático de toda a economia pela classe trabalhadora, para desenvolver a economia como um todo e proteger os interesses da classe trabalhadora como um todo – e não apenas proteger o interesse individual de uma determinada fábrica ou indústria. O problema na Iugoslávia não era tanto que o poder sobre as fábricas estivesse nas mãos dos comitês de auto-gestão, o que na realidade teria sido um passo adiante, progressista e democrático, na medida em que a economia estivesse organizada dentro de um plano centralizado e democrático, sob o controle da classe trabalhadora, implicando um genuíno estado operário. O problema residia no fato de que o controle da economia era descentralizado e a economia descansava nos interesses das empresas individuais. A perseguição aos lucros e o interesse egoístico das empresas levou ao controle dos gerentes e especialistas sobre os comitês de auto-gestão.

O resultado dessas reformas era previsível. A desigualdade aumentou nos anos 60, entre empresas na mesma indústria, entre diferentes indústrias, entre cidade e campo e entre regiões. Pela metade dos anos 60, os níveis de rendimento na Eslovênia eram seis vezes maiores do que os de Kosovo. Os ricos ficaram mais ricos e, como era de se prever, a influência dos trabalhadores caiu com relação a dos especialistas nas empresas, porque, se a produção estava voltada para o lucro, então os trabalhadores tendiam cada vez mais a se basear nos especialistas e gerentes para a obtenção desses lucros. Se a economia tivesse permanecido centralizada e democraticamente planejada para o benefício de todos, então a influência dos trabalhadores teria se elevado em relação a dos especialistas, a perícia e o conhecimento dos especialistas teriam sido usados em benefício da economia como um todo e não somente para satisfazer interesses estreitos. A democracia dos trabalhadores teria substituído o mercado como meio de regulação da economia.

Um outro passo significativo em direção ao capitalismo foi o desmantelamento do investimento estatal e do banco central do estado. Os fundos acumulados do investimento estatal foram desmantelados e se investiu em bancos de auto-gestão, que em seguida concederam empréstimos a empresas sobre a base da orientação para o lucro.

Todas estas medidas levaram à rebelião contra o mercado no final dos anos 60 e início dos anos 70, conduzida pelos estudantes, pelos jovens e pela população das regiões mais pobres. Houve um ataque generalizado ao mercado, ao crescimento da desigualdade e ao significativo crescimento do poder dos bancos e dos gerentes sobre as empresas.

Em 1974, o “socialismo de mercado” foi abandonado diante do maciço mal estar dos trabalhadores, que culminou na ocupação durante sete dias da Universidade de Belgrado sob o slogan “abaixo com a burguesia vermelha”. Finalmente, o planejamento foi restabelecido, mas não era nem o modelo burocrático soviético, nem um verdadeiro planejamento democrático. As empresas individuais negociavam “acordos” qüinqüenais de investimentos com o estado.

Olhando para a história da Iugoslávia, pode-se sempre ver a luta entre a centralização e a descentralização, bem como a luta entre a casta gerencial e a casta burocrática estatal. O estalinismo fracassou fundamentalmente na solução das disparidades na Iugoslávia. Quando a descentralização e as reformas de mercado foram introduzidas nos anos 50, foram vistas como uma vitória por diferentes burocratas nacionalistas. A estreiteza nacional de seus interesses significava que estavam interessados em desenvolver suas próprias economias nacionais em detrimento das outras. Isto também tornou os gerentes ainda mais poderosos. Quando o estado central tentou reintroduzir medidas de centralização nos anos 70, houve resistência por parte dos burocratas e administradores nacionalistas (particularmente na Eslovênia e na Croácia). Houve luta entre diferentes setores da burocracia, representando diferentes interesses. Por um lado, as camarilhas burocráticas nacionalistas e a casta de administradores pressionavam por uma maior descentralização em função de seus interesses e poder, enquanto, por outro lado, o estado central pressionava pela centralização (nos anos 70). O abandono do “socialismo de mercado” foi uma tentativa dos burocratas estatais, conscientes de que as reformas de mercado agora ameaçavam o seu poder, para reafirmar o seu controle sobre as camarilhas de gerentes e burocratas regionais. Por exemplo, se em meados dos anos 60 os salários na Eslovênia eram seis vezes maiores que em Kosovo, é fácil perceber porque os burocratas eslovenos, cuja estreiteza de visão dominava todas as suas decisões, tinham interesse na descentralização – assim podiam recolher os benefícios de sua riqueza nacional de preferência a vê-los ser destinados a seus vizinhos.

O modelo iugoslavo de auto-gestão tinha problemas ainda maiores – problemas que desempenharam papel significativo na brutal desintegração do país. Devido à concorrência das empresas individuais no mercado, as empresas auto-administradas tinham seus próprios interesses. Estavam interessadas na maximização dos lucros da companhia, dessa forma, parte dos lucros (a parte não destinada a gastos ou novas inversões) poderia aumentar a renda dos trabalhadores. Isto colocava todo o poder na fábrica, não nas mãos dos comitês de auto-gestão dos trabalhadores, mas nas dos gerentes e especialistas. Poderemos ver estes mesmos problemas quando analisarmos o controle operário na Venezuela. As cooperativas ali, devido ao fato de operarem dentro da economia capitalista, estão sob a pressão da maximização dos lucros. Tal fato cria contradições na empresa e tende a colocar o controle mais nas mãos dos gerentes que nas mãos dos comitês de trabalhadores. Esta busca de lucros coloca as empresas umas contra as outras, em concorrência, coloca trabalhadores contra trabalhadores e também leva à diferenciação interna na empresa individual, onde os gerentes e especialistas procuram reforçar o seu controle com o objetivo de ganhar poder e acesso aos lucros. É precisamente por isto que é imperativo que as indústrias nacionalizadas sejam integradas em um plano democrático, sendo essencial que todas as indústrias nacionalizadas sejam colocadas sob o controle dos trabalhadores locais, dos sindicatos e do estado.

Para combater esta desigualdade entre empresas na Iugoslávia, as empresas mais pobres tentaram elevar os salários. Isto as deixou com menos dinheiro para investir, o que, por seu turno, causou danos ao seu crescimento econômico. Em conseqüência, começaram a tomar empréstimos dos bancos auto-gestionados, tornando-se pesadamente endividadas e aumentando a taxa de inflação.

Também havia o problema do desemprego. Em geral, as empresas sob auto-gestão não despediam os trabalhadores. Contudo, também não criavam muitos empregos. Por quê? Porque a renda dos trabalhadores estava diretamente ligada aos lucros – então, quanto mais trabalhadores eram contratados, menores eram os salários. Isto significava que as pessoas pobres do campo terminavam migrando para a Europa Ocidental para trabalhar. Em 1971, a taxa de desemprego na Iugoslávia era de 7%, entretanto, uma incrível taxa de 20% da força de trabalho estava trabalhando fora do país.

Outro problema importante era a atomização da classe trabalhadora. A liderança iugoslava argumentava que seu modelo de auto-gestão levaria ao desenvolvimento de relações socialistas de produção. Entretanto, se as relações socialistas de produção são a meta, então as decisões de investimento não devem caber às empresas individuais, porque elas não têm o senso das necessidades da sociedade ou da economia como um todo. Mais uma vez, eram os interesses das empresas individuais, não os da classe trabalhadora, que dominavam. De fato, os interesses dos trabalhadores estavam submetidos aos interesses de suas empresas. Estas estavam interessadas em investir para obter lucros. Como a proporção dos salários em relação aos lucros era fixa, a única maneira de elevar salários era através do aumento dos lucros, o que representava o aumento da exploração da classe trabalhadora. Isto, junto ao fato de que os trabalhadores podiam ver as contradições entre o que lhes diziam que supostamente deviam fazer e o que realmente acontecia, levou à desmoralização e desinteresse de parte da classe trabalhadora, com um notável incremento do absenteísmo durante os anos 70.

Este sistema lembra mais a anarquia do capitalismo que a harmonia das relações socialistas de produção. Os burocratas iugoslavos também desmantelaram o monopólio do comércio externo, o que colocou as empresas individuais iugoslavas em contato direto com o mercado mundial. Isto deu margem para a intervenção direta do capitalismo e do imperialismo na economia iugoslava, sem controle ou vigilância central.

Nos anos 70, as empresas auto-gestionadas tomaram grandes empréstimos dos bancos ocidentais. A idéia inicial era que pediriam emprestado, mesmo a um alto custo, e investiriam este dinheiro na expansão e modernização das empresas individuais, com a esperança de que ficariam capacitadas a exportar para a Europa Ocidental e, assim, devolver os empréstimos. Entretanto, a recessão internacional de 1979 destruiu estas esperanças. As empresas individuais encontraram-se em dificuldades para reembolsar seus empréstimos. Além disto, porque não tinham mais o monopólio do comércio externo, ninguém conhecia o montante total do débito externo. No final, a Iugoslávia teve de assumir o débito nacionalmente. O padrão de vida colapsou, caindo, entre 1982 e 1989, em 40%. A inflação decolou – em 1987, a taxa de inflação era de 150%; em 1989, alcançou 1950%.

Em 1988, a Iugoslávia tinha a mais alta dívida externa per capita em toda a Europa, totalizando mais de 20 bilhões de dólares. Entre 1984 e 1988, a Iugoslávia pagou algo em torno de 14 bilhões de dólares em juros de sua dívida, arruinando a economia.

Nos anos 80, o FMI tinha imposto condições estritas para a renegociação da dívida. Naturalmente, isto significava a redução do “setor social”. O FMI obrigou os bancos auto-gestionados a se tornar bancos privados e as empresas auto-gestionadas a se tornar empresas com um status de propriedade claro – isto é, empresas capitalistas.

É importante enfatizar que tudo isto era o resultado direto das políticas de “socialismo de mercado” e que isto levou diretamente à brutal desintegração da Iugoslávia. De fato, das empresas e bancos auto-gestionados, não havia uma grande distância em direção às empresas privadas capitalistas. Os gerentes das chamadas empresas auto-gestionadas assumiram a propriedade das empresas, agora tendo lucros em lugar de receber salários mais altos.

Foi a crise econômica, que atingiu a Iugoslávia nos anos 80, que levou à crise política. As camarilhas burocráticas dominantes nas diferentes regiões voltaram-se para o nacionalismo e para a velha política de culpar os vizinhos. Enfrentadas à possibilidade de uma verdadeira revolução dos trabalhadores, adotaram um nacionalismo raivoso – e todos nós conhecemos o resultado disto.

Quais são as lições da experiência iugoslava? Parece óbvio que era necessária a propriedade estatal dos postos mais elevados da economia e o monopólio estatal do comércio externo. O desaparecimento do estado não ocorre simplesmente entregando as indústrias e empresas nacionalizadas aos trabalhadores e gerentes, tornando-os acionistas. Na Iugoslávia, onde os gerentes controlavam os comitês de auto-gestão de qualquer jeito, isto simplesmente levou à atomização da classe trabalhadora. Simplesmente fazer dos trabalhadores proprietários das empresas individuais não significa propriedade social: os comitês de auto-gestão (controlados pelos gerentes) funcionavam como propriedades privadas e isto levou diretamente à restauração plena do capitalismo. A chave para a transformação socialista e para o desaparecimento do estado nos estados operários deformados era o verdadeiro controle operário. O socialismo não é simplesmente cuidar dos interesses dos trabalhadores nas empresas locais ou individuais. O socialismo é cuidar dos interesses da classe trabalhadora, da economia e da sociedade como um todo. Para isto, se requer a propriedade estatal. A propriedade estatal defende o caráter socializado da economia, mas não significa propriedade social. A economia nacionalizada, centralizada por um plano democrático, onde cada fábrica tem um corpo de diretores composto de 1/3 de trabalhadores locais, 1/3 dos sindicatos e 1/3 dos representantes do estado (ou alguma variação disto), defende os interesses dos trabalhadores, da classe como um todo, e é capaz de reconhecer as necessidades da economia e da sociedade como um todo, de uma forma que os atomizados comitês de auto-gestão não o são. É somente nestas bases que a produtividade pode ser elevada e o poder potencial da economia, liberado da camisa de força da propriedade privada e do estado nacional, pode ser desatado. As desigualdades na sociedade podem ser superadas, porque a propriedade estatal se converte numa verdadeira propriedade social.

Outra importante lição da Iugoslávia é o internacionalismo. A ruptura da União Soviética e o colapso do bloco oriental foram resultados da estreita perspectiva nacional da burocracia dominante em cada país. Separaram-se para organizar economias atrasadas e para comerciar entre si. Na base de um verdadeiro bolchevismo e internacionalismo teria sido possível integrar as diferentes economias nacionais e construir uma economia democraticamente planejada e integrada usando os recursos e a mão-de-obra de todos os países desde Havana até Pequim. Isto poderia ter liberado as forças produtivas destes países, fortalecido o desenvolvimento socialista da economia e levado ao desenvolvimento das relações socialistas de produção e à verdadeira propriedade social dos meios de produção.

Controle Operário e a Revolução Venezuelana

E isto nos leva à Venezuela. O que tudo isto representa para a Revolução Bolivariana e para o movimento pela co-gestão? O que os acontecimentos na Venezuela mostram é que os trabalhadores podem administrar a indústria. O velho refrão é verdadeiro: os patrões precisam dos trabalhadores, mas os trabalhadores não precisam dos patrões. Naturalmente que os técnicos, os peritos e os especialistas são necessários, mas devem permanecer sob o controle dos operários. A experiência dos trabalhadores da PDVSA demonstra claramente isto. A PDVSA não é uma empresa pequena. Na verdade, é uma das maiores empresas da América Latina e envolve alta tecnologia de coordenação, computadores, satélites e assim por diante.

Esta é uma vantagem que a Venezuela tem sobre a Rússia de 1917. O desenvolvimento e extensão do capitalismo desde a Segunda Guerra Mundial têm levado ao fortalecimento do proletariado em escala mundial. Os trabalhadores atualmente estão muito melhor educados do que em 1917. Trabalham com máquinas complexas, computadores, satélites etc., que requerem um relativamente alto grau de educação. A PDVSA mostra que os trabalhadores podem assumir a gestão da indústria de forma muito mais fácil do que na Rússia de 1917.

Outra coisa importante a levar em consideração é que a idéia de co-gestão está incluída na constituição venezuelana. Mesmo que, na constituição, a forma da co-gestão não esteja sempre clara, e mesmo que a linguagem usada possa parecer confusa para nós e que a lei não seja muito clara, estas coisas não são decisivas. O controle operário não é como a lei a faz, mas como os trabalhadores a fazem. Como Trotsky explicou: “Em determinado estágio, os trabalhadores remodelam a estrutura da lei ou a quebram, ou então simplesmente a desobedecem. Nisto consiste precisamente a transição a uma situação revolucionária”.

Está claro que por co-gestão a classe trabalhadora da Venezuela quer dizer controle operário e gestão operária. Quando se visita o site da ALCASA, uma fundição de alumínio onde a mais avançada forma de co-gestão está tendo lugar, se pode ver um pôster criado pelos trabalhadores com o significativo slogan de “Controle Operário” e “Todo o Poder à Classe Trabalhadora”.

A luta pelo controle e gestão operários foi iniciada com o lockout dos patrões de 2002-2003. Os trabalhadores na PDVSA, a companhia de petróleo estatal, tomaram as instalações e a administraram eles mesmos, derrotando a sabotagem organizada pelos gerentes. Os trabalhadores da CADAFE, a companhia estatal de eletricidade que abastece 60% da eletricidade da Venezuela, implantaram um plano de contingência para prevenir a sabotagem dos gerentes reacionários que estava tendo lugar. Os trabalhadores dessas companhias efetivamente preveniram a sabotagem da indústria. Os trabalhadores do petróleo não pensavam, inicialmente, que poderiam fazer funcionar as instalações, mas rapidamente perceberam que sim o podiam. Deram-se conta de que a administração, mesmo antes dos acontecimentos, freqüentemente estava de férias ou fora das instalações e que eles, os trabalhadores, é que realmente já vinham fazendo funcionar a empresa.

Após o lockout, o controle operário desapareceu na PDVSA. Entretanto, os trabalhadores estão cientes de que a companhia está novamente sendo operada em linhas capitalistas. Depois do lockout, os trabalhadores da PDVSA fizeram um grande número de discussões sobre o tema do controle operário. Como resultado destas reuniões, Pedro Montilla, do movimento La Jornada dos trabalhadores do petróleo, elaborou uma proposta para um decreto sobre co-gestão na PDVSA. Infelizmente, estas propostas nunca foram ratificadas. Em conseqüência, as tensões estão se elevando na indústria do petróleo, dado que os trabalhadores estão exigindo a implantação do controle operário.

Estas foram algumas das demandas feitas pelos trabalhadores da PDVSA:

Que a co-gestão envolva todos os aspectos da extração, distribuição, produção e estocagem, inclusive o controle dos preços de compra e venda;

Que todos os livros sejam abertos aos representantes eleitos pelos trabalhadores em todos os níveis;

Que a co-gestão seja exercida por todos os trabalhadores através de seus representantes eleitos em cada planta ou fábrica, e que eles não pararão de trabalhar e que terão tempo para as atividades de administração;

Todos são responsáveis perante a assembléia dos trabalhadores, e deve ser mantida estrita ordem, disciplina e proteção das mercadorias;

Relatórios serão feitos e apresentados regularmente nas assembléias dos trabalhadores;

Todos os representantes estarão sujeitos ao direito de revogação (para ver a proposta completa: http://venezuela.elmilitante.org.index.asp?id=muestra&id_art=93).

Na base destas propostas, os trabalhadores do petróleo apresentaram os seguintes argumentos:

Que a sabotagem na PDVSA não pode ser prevenida sem o controle operário e sem a adoção das medidas acima para assegurar a responsabilidade, a disciplina e a transparência.

O Presidente Chavez ameaçou parar a venda de petróleo aos EUA. Se esta ameaça fosse levada adiante, não teria êxito sem o controle operário da indústria do petróleo, dado que a administração tentaria sabotá-la.

Ao mesmo tempo, os trabalhadores da CADAFE iniciaram uma greve pela co-gestão. Tanto os trabalhadores da PDVSA quanto os da CADAFE, estão conscientes da diferença entre controle operário e “participação dos trabalhadores”. Os trabalhadores da CADAFE também escreveram uma série de propostas concretas para o controle operário. Os trabalhadores estão irritados porque foram adotadas algumas medidas e passos simbólicos, mas o verdadeiro controle operário não foi implantado. Dos cinco membros do comitê coordenador, dois postos estão reservados para sindicalistas nomeados sem direito à revogação. O presidente da empresa não está obrigado a levar em consideração as diretrizes ou instruções deste órgão. Neste caso, são os gerentes desta companhia estatal que estão resistindo às demandas dos trabalhadores. Tanto os gerentes quanto o estado queriam restringir a capacidade dos trabalhadores de tomar decisões, deixando-lhes apenas questões secundárias (em Valência, por exemplo, deram aos trabalhadores total direito de consulta sobre a decoração natalina nos prédios da companhia!). Os trabalhadores têm lutado a cada passo pelo controle operário e, agora, lançaram a luta por uma verdadeira co-gestão.

Os trabalhadores destas duas indústrias estão agora enfrentando outros argumentos da administração que diz que não deveria haver participação ou controle operário nas indústrias estratégicas. Isto é uma piada. Foram os trabalhadores da PDVSA que recuperaram a produção durante o lockout dos patrões, foram os trabalhadores do alumínio e do aço, em Guayana, que lutaram para que as instalações de gás mantivessem o suprimento, e foram os trabalhadores da CADAFE que mantiveram o suprimento de eletricidade no país e preveniram a sabotagem da indústria e da economia venezuelana como um todo. O argumento da administração de que não se pode confiar aos trabalhadores as indústrias vitais e estratégicas é uma cortina de fumaça que encobre o ataque generalizado à idéia do controle operário. Entretanto, se o governo venezuelano deseja assegurar a operação estável destas indústrias e prevenir a sabotagem, deveria confiá-las aos trabalhadores, porque eles já demonstraram que defenderão e protegerão estas indústrias contra a sabotagem dos patrões e gerentes, em defesa da revolução. Mas, aí está outro ponto a destacar – semelhante ao que Trotsky defendeu acerca da bacia carbonífera do Donets. É que, se a PDVSA fosse deixada nas mãos de uma cooperativa de trabalhadores, e que se esta cooperativa controlasse o petróleo da PDVSA, isto poderia manter refém o resto do país. Neste caso, a força mais poderosa na sociedade venezuelana seria a dos gerentes da PDVSA, que controlariam em torno de 70%-80% da economia venezuelana. Se algo semelhante ao que está acontecendo em VENEPAL estivesse acontecendo na PDVSA, seria este exatamente o caso. O controle e a gestão operária devem ser implantados na PDVSA, mas, para assegurar à classe trabalhadora como um todo o controle democrático da economia e para assegurar a democracia dos trabalhadores em geral, todas as maiores empresas, inclusive a PDVSA, devem ser incorporadas em um plano centralizado e democrático para a economia. Isto significaria que o órgão de diretores da PDVSA deveria ser composto por 1/3 dos trabalhadores, 1/3 dos sindicatos e 1/3 do estado (ou alguma variação disso).

Um bom exemplo de controle operário é CADELA, uma subsidiária da CADAFE, em Mérida, que opera sob a forma de co-gestão operária. Há poucas semanas atrás houve uma inundação que cortou o suprimento de eletricidade para as comunidades próximas. Os especialistas acreditavam que seriam necessários dois meses para reabilitar o suprimento. Entretanto, as comunidades organizaram-se e entraram em contato direto com os trabalhadores e ajudaram a reparar os danos. Através do esforço conjunto e com um plano de trabalho, e depois de algumas horas extras em benefício da população, o suprimento de eletricidade foi reabilitado em duas semanas.

Depois da derrota do lockout dos patrões, estes fecharam muitas fábricas e empresas – por razões políticas e não por razões econômicas. Entre 250 mil e 500 mil empregos foram perdidos. Aqui se pode ver que o controle operário não acontece geralmente por questões de produção, mas de defesa dos empregos, das comunidades e assim por diante.

Momentos depois deste fechamento generalizado de fábricas, os trabalhadores começaram a tomar as fábricas e a colocá-las em operação. A luta mais avançada nesse momento foi a de VENEPAL. Em um momento determinado, os trabalhadores a ocuparam e a puseram em funcionamento. Os trabalhadores demonstraram a superioridade do controle operário. Havia uma máquina na fábrica que tinha sido feita na Alemanha. Esta máquina tinha quebrado e necessitava de reparo. Os administradores recusaram-se a consertá-la porque se requeria a vinda de um engenheiro da Alemanha para repará-la (era o que eles diziam). Isto deixava a fábrica funcionando abaixo da capacidade. Depois que a administração foi embora e os trabalhadores ocuparam a fábrica, eles simplesmente improvisaram e repararam a máquina e restabeleceram a plena produção da fábrica.

Foram nossos camaradas da CMR (Corrente Marxista Revolucionária) que primeiro colocaram a demanda de controle operário e de nacionalização, que, logo, foi adotada pelos trabalhadores. Em 19 de janeiro de 1905, a companhia foi expropriada e Chavez anunciou que ela funcionaria sob controle operário. Agora, a cooperativa dos trabalhadores possui 49% da propriedade da fábrica e o estado 51%, para garantir o caráter nacionalizado. Os trabalhadores elegeram os diretores e o ministério enviou dois representantes para que compartilhassem da experiência de dirigir a fábrica com os trabalhadores.

Entretanto, têm surgido problemas. Uma assembléia dos trabalhadores decidiu dissolver o sindicato e agora esperam comprar as ações do estado para se converterem nos proprietários da empresa e manter os lucros da produção.

Alexis Ornevo, membro do conselho de administração de INVEPAL, disse no início de 2005, no Encontro Internacional de Solidariedade com a Revolução Bolivariana, que como os trabalhadores não mais tinham patrões, não precisavam de sindicato. De acordo com a constituição, através de algum tipo de evasiva política, a cooperativa dos trabalhadores pode legalmente aumentar seus 49% para 95% das ações. Ornevo tem exprimido abertamente sua intenção de fazer isto. Contradições como estas são inevitáveis. É necessário um universal e verdadeiro controle operário para prevenir que grupos de trabalhadores empreendam o caminho do enriquecimento individual.

Angel Navas, o presidente do sindicato de CADAFE, está preocupado diante da possibilidade de que os acontecimentos em INVEPAL criem um modelo de co-gestão semelhante a uma cooperativa capitalista. Ele disse o seguinte:

“Como vimos ontem na apresentação de INVEPAL, eles estão tendo alguns problemas, parece que estão pensando como administradores. Segundo o que ouvi ontem, eles querem a propriedade de todas as ações da companhia. 800 trabalhadores serão os proprietários da companhia. E se isto se tornar lucrativo, estes trabalhadores se tornarão ricos? Se é uma empresa que supostamente pertence ao país inteiro, minha empresa não pode apenas se tornar dos trabalhadores. Se obtemos lucros, estes pertencerão a toda a população. Esta é a responsabilidade de todos nós – os trabalhadores da indústria do petróleo, aqueles que fazem a maior parte –, como disseminarmos isto para o resto do país? Estes lucros não são para mim. Não faz sentido que, devido ao fato de trabalhar na indústria do petróleo, por exemplo, eu possa ganhar 90 milhões de bolívares, quando o salário mínimo é de quatro milhões de bolívares”.

Isto se assemelha à Iugoslávia, onde os trabalhadores sentiam que eram os proprietários de sua fábrica e competiam no mercado. Mais uma vez, isto foi o principal problema na Iugoslávia – a desigualdade de salários. Determinados trabalhadores eram simplesmente felizes por terem o monopólio de acesso aos bons empregos, enquanto outros eram abandonados no frio. A questão é que os lucros de uma empresa estatal, uma empresa nacionalizada, deveriam ser apropriados pelo estado e redistribuídos e reinvestidos na sociedade como um todo, visando o desenvolvimento da economia e eliminando a desigualdade. Isto é o que representa a socialização da economia. Se a produtividade se eleva, há mais lucro para ser distribuído à sociedade, o que, por seu turno, cria mais riqueza social, resgatando a sociedade da desigualdade. Na Iugoslávia, o que existia era um sistema de apropriação individual do lucro pelas empresas individuais, não uma apropriação socializada. Se o atual grupo de diretores da INVEPAL tiver êxito em seu projeto de obter a maioria da empresa para enriquecer os trabalhadores da INVEPAL, isto simplesmente colocará um grupo de trabalhadores contra os outros e aumentará a desigualdade. Também poderia criar uma luta dentro da INVEPAL pelo controle das ações. Se aos trabalhadores de cada indústria ou empresa é permitida a apropriação dos lucros da produção, estes não serão redistribuídos socialmente, mas permanecerão privados – o que é basicamente capitalismo e de forma alguma levará ao desenvolvimento das relações socialistas de produção.

Em seguida, está a CNV, onde nós também temos certa influência. A CNV foi nacionalizada em maio e rebatizada de INVEVAL. Neste caso, as dificuldades advêm não da cooperativa dos trabalhadores, mas do estado. Devemos dizer que o antigo proprietário tinha iniciado um procedimento legal para lhe ser paga uma compensação pela expropriação, mas o problema real é que quando a empresa foi nacionalizada Chávez deixou muito claro que os trabalhadores deviam ter maioria de representantes no conselho de administração e que o órgão máximo de tomada de decisões seria a Assembléia Geral dos Trabalhadores. Entretanto, quando os representantes do Ministério da Economia Popular leram os estatutos da companhia propostos aos trabalhadores não se fazia menção à participação dos trabalhadores. A assembléia dos trabalhadores rechaçou esta proposta e iniciou a mobilização em torno da demanda de controle operário. Agora se uniram com trabalhadores de outras empresas onde há controle operário para estender a luta além de INVEVAL(1).

A experiência mais avançada de controle operário está tendo lugar na ALCASA, a grande empresa estatal de alumínio. É absolutamente surpreendente ler o material sobre co-gestão na Venezuela. Os debates e discussões sobre controle operário e socialismo são muito avançados, em muitos casos mais avançados do que na Rússia em 1917, e isto sem a ajuda de um Partido Bolchevique!

Os trabalhadores de ALCASA estão totalmente esclarecidos sobre o que significa co-gestão. Edgar Caldera, um dos dirigentes do sindicato dos trabalhadores, escreveu o seguinte:

“Se há alguma coisa que os trabalhadores devem entender claramente é que nossa co-gestão não pode se tornar uma arma para aprofundar o caráter explorador do modo capitalista de produção. Nós não podemos repetir a triste história da Europa, onde o sistema de co-gestão foi usado para desmontar os direitos dos trabalhadores e seus direitos adquiridos. A co-gestão que começamos a aplicar em ALCASA não tem nada a ver com isto. Trata-se da verdadeira emancipação de nossa classe, baseada nos princípios revolucionários de Marx, Rosa Luxemburg, Gramsci e Trotsky, entre outros. Trata-se da criação de um modelo de co-gestão com o objetivo de transformar o modo capitalista de produção, que se baseia na exploração do homem pelo homem, em um modo de relações sociais baseadas nos princípios da cooperação, solidariedade, justiça, igualdade, responsabilidade conjunta e bem estar comum dos trabalhadores e da população em geral” (ALCASA: Co-gestão, controle operário e produção, http://venezuela.elmilitante.org/index.asp?id=muestra&id_art=1999).

Em outro artigo, ele escreve:

“Os trabalhadores de ALCASA estão avançando com o controle operário e o controle da comunidade, baseados nas Assembléias Gerais como autoridade suprema... que têm transformado totalmente a velha estrutura de poder e estão dando todo o poder aos trabalhadores e às comunidades...

Em ALCASA, os trabalhadores elegem os gerentes, que recebem os mesmos salários e estão sujeitos ao direito de revogação. As mais importantes decisões são tomadas pela Assembléia Geral dos Trabalhadores. Os gerentes também disseram que não ficarão encerrados nos escritórios, que eles continuarão a trabalhar” (ALCASA: co-gestão burguesa ou co-gestão operária, http://venezuela.elmilitante.org/index.asp?id=muestra&id_art=1917).

Trino Silva, outro dirigente dos trabalhadores disse o seguinte numa entrevista:

“Os trabalhadores elegeriam o presidente de ALCASA. Mas o Conselho de Diretores não seria composto somente de trabalhadores. Estamos pensando em um conselho de 14 pessoas: sete titulares e sete substitutos. Dos sete membros titulares, quatro seriam trabalhadores da ALCASA, dois seriam representantes do governo (com poder de fiscalização das atividades dos trabalhadores na empresa), e outro seria o representante da comunidade organizada”.

Significativamente acrescenta:

“A ALCASA não pertence somente aos seus trabalhadores, nem a Trino Silva nem aos trabalhadores de ALCASA, mas a todo o povo. Então, a opinião pública tem o direito de representação no Conselho; primeiro, por transparência e, segundo, para assegurar que os lucros de ALCASA sejam de todos” (Os Trabalhadores do Alumínio na Venezuela Elegem seus Administradores e Aumentam a Produção, entrevista à M. Harnecker. http://venezuelanalysis.com/articles.php?artno=1407).

A experiência na ALCASA e a participação da comunidade na administração os têm levado a outras idéias excelentes, que demonstram como o poder do controle operário pode transformar a sociedade. No último ano, a ALCASA gastou 24 bilhões de bolívares com cuidados de saúde em clínicas privadas para os trabalhadores. O sindicato acredita que, se tiverem algum terreno perto da fábrica, eles dariam este terreno ao estado para construção de um hospital público para os trabalhadores da ALCASA e para as comunidades vizinhas. A ALCASA e várias empresas da região estão também compartilhando despesas e construindo cozinhas industriais para os trabalhadores e para a comunidade. Há umas 200 cozinhas na região para organizar e proporcionar empregos. Também estão dispostos a romper o monopólio de transporte na região. Querem ajudar a financiar a criação de um melhor, mais confortável e mais barato sistema de transporte público. Esta é uma clara demonstração de como o controle operário, a democracia operária, pode substituir o mercado como regulador da economia. Os trabalhadores podem ver claramente quais são as necessidades existentes, o que pode ser melhorado e os investimentos que podem ser feitos em função disto. Se esta experiência fosse repetida em escala nacional, toda a riqueza nacional estaria disponível a todos, através de uma economia planejada democraticamente, e se poderia ver como a Venezuela se desenvolveria facilmente.

Entretanto, existem alguns perigos que a ALCASA enfrenta. A ALCASA é, na realidade, uma empresa deficitária. Os reformistas e os burocratas podem usar a criatividade dos trabalhadores para transformá-la em empresa lucrativa e, então, tentar acabar com o controle operário. Ou então, se a ALCASA continuar deficitária, os reformistas podem tentar argumentar que o controle operário não funciona e que deveria ser abandonado, como parte de um ataque generalizado contra a classe trabalhadora e para acabar com os elementos de controle ou gestão que pudessem existir na economia.

Esperamos que todos tenham tido a oportunidade de ler o artigo de Jorge Martin, que foi publicado há cerca de uma semana e meia atrás sobre a expropriação de fábricas fechadas. O número total de fábricas fechadas investigadas na Venezuela é de 1149. Esta medida está destinada a proteger os empregos, quebrar a sabotagem dos patrões e eliminar a dependência da Venezuela das importações. Se o estado colocar estas empresas sob controle operário, terá necessidade de abastecê-las com matérias-primas. Estas companhias, então, por seu turno, terão de vender seus produtos finais. Isto forçará o início de um plano econômico e pode eventualmente forçar Chávez a considerar a expropriação da burguesia. Esta demanda é mais provável que venha da própria classe trabalhadora. Os trabalhadores começarão a fazer perguntas: por que a nacionalização está limitada às fábricas que estão falidas ou fechadas? Por que o estado deveria sempre nacionalizar os prejuízos e privatizar os lucros? Para que estas empresas fechadas, que logo serão nacionalizadas, sejam viáveis, devem fazer parte de um plano geral de produção. Isto não será possível na medida em que setores fundamentais da economia, como os bancos e o crédito, permaneçam em mãos privadas. Essas companhias nacionalizadas estarão à mercê do capitalismo, enfrentarão a sabotagem e enfrentarão a recusa de seus produtos. Isto forçará Chávez e o governo a entrar no caminho da expropriação.

O artigo de Jorge Martin também explica que, para qualquer empresário que quiser manter sua empresa aberta, o estado o ajudará a mantê-la com crédito a baixos juros, mas somente sob a condição de que “os empregadores dêem participação aos trabalhadores na administração, na direção e nos lucros da companhia”.

Em condições normais, este seria um truque inteligente para desarmar a classe trabalhadora. Entretanto, na Venezuela de hoje, isto somente servirá para aumentar a confiança dos trabalhadores e aguçar a luta de classes nessas fábricas.

Outro ponto importante sobre a Venezuela foi o encontro nacional dos trabalhadores envolvidos nas experiências de controle operário, realizado de 16 a 18 de julho passado. Este encontro envolveu os trabalhadores de INVEVAL, ALCASA, PDVSA e de várias outras companhias. As decisões tomadas foram as seguintes:

  1. A constituição de uma Frente Nacional em Defesa da Co-gestão Revolucionária e pela defesa do desenvolvimento do socialismo internamente, em nível local e estatal.

  2. Caracterizar a co-gestão como um movimento que afetará as relações capitalistas e que se encaminha em direção ao controle operário, ao poder das assembléias de cidadãos e à construção de um estado socialista.

  3. A Frente Nacional propõe a co-gestão operária, social e militar.

  4. Incluir entre as propostas de co-gestão revolucionária que as companhias devem ser propriedades do estado, sem distribuição de ações aos trabalhadores e que qualquer lucro seja distribuído de acordo com as necessidades da sociedade através dos conselhos de planejamento socialista. Estes conselhos de planejamento socialista devem ser entendidos como instrumentos de implantação das decisões tomadas pelos cidadãos nas assembléias.

  5. Lutar pela promoção e sistematização da educação política e social e da ideologia socialista, com o objetivo de aprofundar a Revolução Bolivariana pela criação de centros locais, regionais e estatais, com o propósito de construir uma rede nacional de formação revolucionária sócio-política.

  6. Construir a solidariedade e expandir a revolução através da América Latina e do mundo.

  7. Reconhecer os excluídos, explorados e oprimidos como classes aliadas na luta pela construção do socialismo do século XXI.

Fica bastante claro por estas resoluções que a co-gestão na Venezuela é, na verdade, vista como um passo em direção à construção de uma sociedade socialista. Este encontro nacional dos trabalhadores que estão experimentando o controle operário é obviamente um enorme passo dado na direção certa. Reunir os diferentes grupos de trabalhadores sob a mesma bandeira é dar forma ao movimento e à ideologia dos trabalhadores, que agora se movem inexoravelmente em direção ao socialismo. Os trabalhadores, através de sua própria experiência, chegaram à conclusão de que o controle operário é uma poderosa ferramenta nas mãos da classe trabalhadora. A luta pelo controle operário desafia diretamente a propriedade privada dos meios de produção e é a luta pela criação da nova sociedade dentro da velha. A transformação socialista da sociedade depende da transformação do modo de produção e o controle e gestão operários é o método revolucionário da classe trabalhadora para efetivar esta transformação e para atacar o próprio coração do capitalismo – nas fábricas e nas oficinas. É por isto que a revolução na Venezuela está se movendo na direção do socialismo – a forma de luta que a classe trabalhadora adota para defender a revolução, seus empregos e meios de vida, e seus interesses, tem lugar nos centros de trabalho contra o seu inimigo, o capitalismo e os patrões, na forma de greves e demonstrações, mas também de controle e gestão operários. Os objetivos socialistas do movimento revolucionário nascem desta luta e a gestão operária assenta as bases da nova sociedade.

O movimento pelo controle operário está levando a classe trabalhadora a uma conclusão: que a revolução bolivariana deve acabar com o capitalismo. São os próprios trabalhadores que vêem que, para conseguir os seus objetivos, a Revolução deve romper, radicalmente, com o capitalismo. Para resolver os problemas como o do desemprego, da moradia, da educação e da produção de alimentos, é necessário elaborar um plano econômico baseado nas necessidades da maioria e não no lucro da minoria. Entretanto, não se pode planejar o que não se controla e não se pode controlar o que não é seu. Enquanto as mais importantes alavancas do poder econômico permanecer nas mãos dos patrões, eles estarão aptos a organizar a sabotagem e mesmo a derrocada da revolução.

O controle de uma ou de várias fábricas, como na Espanha em 1936, ou no Chile no início de 1970, ou na Venezuela atualmente, não significa o fim do capitalismo. Inevitavelmente, enquanto os capitalistas permanecerem no controle da economia, o controle operário não poderá ser mantido. O controle operário é um grande passo. Dá aos trabalhadores preciosa experiência na administração que é essencial numa economia socialista planejada. Contudo, novamente, enquanto os elementos fundamentais da economia permanecerem em mãos privadas, enquanto não existir uma economia verdadeiramente nacionalizada e planejada, a experiência do controle operário terá unicamente um caráter parcial e insatisfatório.

Enquanto o controle operário se desenvolve na base, desde a oficina para cima, a gestão operária se desenvolve a partir de cima e somente tem sentido no contexto de uma economia socialista planejada, com os monopólios nacionalizados. Isto significa a administração pelos trabalhadores no plano global da economia, não somente em sua própria fábrica ou economia local, fazendo com que as decisões gerais de investimentos e os planos de crescimento sejam adequados às necessidades da população. Os socialistas não são sindicalistas que acreditam que o controle de fábricas individuais pelos trabalhadores delas pode garantir o funcionamento harmonioso da indústria sem a gestão total da economia pelos trabalhadores em seu conjunto.

Isto significa que a propriedade da indústria não pode permanecer nas mãos dos capitalistas. Somente a propriedade pública dos maiores monopólios poderia garantir a gestão e o controle operários nas fábricas individuais.

Estes conselhos dos trabalhadores devem envolver todos os setores da classe trabalhadora, incluindo locatários, donas de casa, estudantes, pensionistas e aposentados, além das organizações sindicais industriais dos trabalhadores. A eleição regular de delegados, sujeitos à imediata revogação, e de funcionários, cobrando o salário médio de um trabalhador qualificado, seria a salvaguarda dos trabalhadores contra o surgimento da burocracia.

A luta pelo controle operário deve ir adiante, deve ser estendida e deve estar ligada às demandas pela transformação socialista da sociedade. Os trabalhadores na Venezuela estão fazendo isto. A nacionalização deve ser estendida aos bancos, ao setor de telecomunicações, à terra e aos centros de produção de alimentos e à indústria manufatureira e pesada. O poder econômico da oligarquia e do imperialismo deve ser rompido. A classe trabalhadora venezuelana está passando por uma grande transformação e se conscientizando de sua força e de seus objetivos. Nela reside a esperança da revolução bolivariana. O êxito do controle operário e da construção do socialismo na Venezuela se estenderia através de todo o continente. Daria esperança e confiança à classe trabalhadora na Bolívia, Argentina, Brasil, México e Cuba. A revolução latino-americana seria uma fonte de inspiração para o mundo inteiro.

Concluímos com as palavras de Hugo Chávez: “Uma revolução é um processo em que novas idéias e modelos nascem, enquanto as velhas idéias morrem, e na Revolução Bolivariana é o capitalismo que será eliminado”.

(1) O conflito foi solucionado com um compromisso a meio caminho. O conselho diretor estará formado por três membros nomeados pelo governo e dois da cooperativa de trabalhadores. Mas Chávez insistiu que o diretor principal nomeado pelo governo seja o principal dirigente da luta dos trabalhadores.