O CONTROLE OPERÁRIO E A LUTA PELA ESTATIZAÇÃO CONTRA A REACIONÁRIA TEORIA DA “ECONOMIA SOLIDÁRIA” Parte 3

Seguimos aqui com a terceira parte de uma série de textos sobre as lições dos marxistas nas lutas de ocupação de fábricas.

“Economia Solidária”: Cooperativas e Autogestão

Numa época em que todos os governantes e muitos sindicalistas falam de “economia solidária”, a autogestão, ou a cooperativa, são apontados como a solução para salvar os empregos. Só que isto não salva emprego e desagrega a luta e as organizações dos trabalhadores. Só a estatização dá uma verdadeira perspectiva para os trabalhadores em luta

A cooperativa é, fundamentalmente, um acordo entre os trabalhadores que se apossam judicialmente (em geral em pagamento dos seus próprios direitos trabalhistas) dos meios de produção (máquinas, planta da fábrica, ferramentas, etc.) frente à ameaça de fechamento de uma empresa e passam a produzir. Eles passarão assim a estar regidos pela legislação das cooperativas. Esta legislação garante que não há vínculos trabalhistas entre o trabalhador e a cooperativa e, portanto não há encargos sociais e nenhum direito trabalhista.

A primeira legislação brasileira que menciona as cooperativas é de janeiro de 1903. O Decreto 799/03 permitiu aos sindicatos a organização de caixas rurais de crédito e a formação de cooperativas agropecuárias e de consumo. Já um novo Decreto nº 22.239, em 19 de dezembro de 1932, foi a primeira lei orgânica sobre cooperativas no Brasil. Em 16 de dezembro de 1971, o ditador militar Emílio Garrastazu Médici promulgou a Lei nº 5.764, que define o regime jurídico das cooperativas, sua constituição e funcionamento, sistema de representação e órgãos de apoio, em vigor até hoje. Um dos principais pontos da legislação vigente é “O cooperativismo que obedece a um regime jurídico próprio, está desobrigada com relação a encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais, que não incidem sobre as atividades da sociedade cooperativa” (Maria Lúcia Arruda, Cooppark).

A cooperativa é apenas a principal forma da chamada Autogestão. Existem outras. Por exemplo, podem os trabalhadores assumir as ações da empresa tornando-se acionistas, proprietários da empresa. O operário vira proprietário. Pelo menos enquanto durar a luta da empresa por se manter no mercado capitalista onde todo dia se agrava a situação das empresas que disputam um mercado controlado e pressionado pelo capital financeiro especulativo.

As cooperativas mais organizadas se conseguem sobreviver, chegam a separar parcela dos lucros (cujo nome legal nas cooperativas é “sobras”) para pagar bônus como se fossem 13º, férias, etc. Mas, a questão central para as cooperativas é a mesma que põe em crise todas as empresas no sistema capitalista.

A mão amiga que segura o facão

No capitalismo, empresas quebram e desaparecem todos os dias, frente à concorrência ou a força dos monopólios, das multinacionais, do capital financeiro que tudo engole. Para evitar a quebra, o caminho é abaixar o custo da produção ou aumentar a produtividade. Mas, os dois caminhos levam ao famoso “enxugamento”, pois aí é o único lugar em que se consegue mexer, no gasto com o capital variável que são os salários diretos e indiretos. A outra medida possível seria aumentar a produtividade comprando novas máquinas, o que exige um capital que as empresas “auto-gestionárias” não tem e que só acrescentaria o problema mais a frente já que o mercado está já constituído e, normalmente, ocupado, impedindo a expansão. Assim a busca da manutenção da Taxa de Lucro leva inevitavelmente a uma situação onde é preciso retirar mais em trabalho pelo mesmo preço pago pela força de trabalho. Numa empresa capitalista a organização operária, o sindicato, enfrenta esta situação e impede o aumento de jornada ou faz o patrão pagar tão caro por ela que não vale a pena. Na cooperativa não existe a organização da classe trabalhadora, afinal, são todos “donos” do próprio negócio. Isto leva a fazer o trabalhador cooperado se matar de tanto trabalhar. Por isso na “Economia Solidária” é comum a desregulamentação total da jornada diária ou semanal, a quebra permanente do descanso semanal remunerado, etc., pois “agora o negócio é nosso”.

A economia capitalista por suas próprias leis internas obriga as empresas a aumentar sempre o investimento em automação, em novas máquinas e ferramentas, a fazer “reengenharia da produção” buscando maior produtividade, etc., o que acaba por fazer ”sobrar” operários. Então, é preciso começar a “enxugar o quadro”, através de algum tipo de demissão, incentivada ou não. O resultado desta lógica infernal é que, constituindo uma cooperativa, uma parte dos trabalhadores acaba tendo que escolher que colegas ele vai demitir, cedo ou tarde. Por isso, logo se formam os grupos, as panelinhas, para eleger os dirigentes da cooperativa que preservarão os membros do “seu grupo” articulando a demissão dos “outros”.

A origem das cooperativas

O Papa das cooperativas no Brasil é o conhecido professor e economista Paul Singer, que busca dar uma justificativa “teórica” para esta ação eminentemente política de criar cooperativas em vez de defender os empregos e salvar o parque fabril. Paul Singer é o Secretário Nacional de Economia Solidária (SNAES), órgão do Ministério do Trabalho do governo Lula. E a partir daí vai misturando conceitos, deformando outros e compondo uma incrível e eclética miscelânea com aparência de teoria. É claro que não é sua responsabilidade propor uma política industrial coerente ao governo. Aliás, ele foi aí colocado justamente para que a destruição do parque fabril brasileiro promovido pela política do imperialismo que o governo aplica ocorra o mais silenciosamente possível. Vejamos o que Paul Singer diz sobre a “Economia Solidária”:

“A economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão «desregulamentada» das máquinas-ferramenta e do motor a vapor, no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal”.

O professor deveria reescrever seu texto, dizendo que “as cooperativas”, e não a “Economia Solidária” foram constituídas pelos operários como tentativas vãs de dar resposta à pobreza e ao desemprego resultantes de grandes crises econômicas vividas pelo capitalismo, que ainda se consolidava como força dominante no início do século 19. E que elas nada têm a ver com o socialismo moderno, mas com o passado da economia e com o socialismo utópico. Paul Singer devia dizer também que o surgimento, crescimento dos sindicatos e da luta de classes na Inglaterra, e depois, em 1905, sua expressão política com a criação do Labour Party, este crescimento da organização proletária e sua consciência de classe, fizeram praticamente desaparecer o cooperativismo inglês. Assim, como no resto da Europa.

Deveria explicar que sua “ideologia”, como ele diz, na verdade partia dos vestígios de “saudade” das Corporações de Ofício da era feudal que o capitalismo estava liquidando. Estas associações obrigatórias, as Corporações, controlavam e regulamentavam o processo produtivo artesanal, determinando qualidade, preço, quantidade produzida, margem de lucro e o aprendizado e hierarquia dos ofícios na era feudal. Os mestres de cada ofício eram os que detinham as ferramentas e forneciam a matéria-prima. São os “cooperados” de hoje. Estas Corporações se entrelaçavam em associações chamadas Guildas, para apoio mútuo e controle da regulamentação dos ofícios. As Guildas feudais são, obviamente, a ideia mãe da “Economia Solidária” de hoje.

O movimento operário, ainda confuso e tateante, inseguro quanto as suas forças e capacidades, sem saber como avançar, muitas vezes se voltava para o passado com nostalgia dos “outros tempos não tão duros”. Em toda a história tivemos estas situações transitórias. Na França, os operários massacrados pelas condições de trabalho e jornadas intermináveis, atiravam seus “sabot” (tamancos de madeira) dentro das máquinas destruindo-as. Inventaram a “sabottage”. Na Inglaterra, o “Luddismo”, movimento de artesãos revoltados, destruía máquinas e queimava as tecelagens nos anos 1811-1816, como resposta à crise da economia inglesa. Atingida pela revolução americana e pelas guerras napoleônicas, a economia inglesa estava encolhendo. Ao mesmo tempo, a industrialização estava velozmente ganhando impulso, à medida que as fábricas e a maquinaria automatizada se espalhavam para o interior.

Nestes tempos confusos do início do movimento operário a União Internacional dos Estivadores, com sede em Londres, lançou um manifesto pregando a sabotagem como forma de ação dos operários. É o movimento que ficou conhecido como “Go canny” (cujo sentido em português seria mais ou menos, “trabalha do jeito que te agradar” ou “fazer corpo mole”, etc.).

Os franceses explodiam as máquinas. Os ludditas queimavam fábricas. Os estivadores sabotavam os navios. Todos pretendiam resolver a crise voltando ao passado. Isto foi no início. Mas o movimento operário cresceu, amadureceu, e desenvolveu seus meios próprios de luta construindo organizações independentes e se defendendo coletivamente. Sua perspectiva é o futuro, o socialismo, o fim do regime da propriedade privada dos grandes meios de produção.

A “Doutrina Social da Igreja”

Mas, se há um setor social que jamais se conformou com o fim da era feudal foi o Vaticano e sua igreja. Afinal, a igreja era grande proprietária de terra, fazia parte da classe dominante, ou melhor, controlava as classes dominantes. Como parte de seu sistema político/teológico de controle social e pilhagem da riqueza produzida a igreja propagava uma “ideologia” que condenava a ganância, o lucro, o juro (defesa do justo preço). A Corporação de Ofício, que vai ser destruída pela fábrica capitalista de trabalhadores assalariados, continuará sempre a ser seu ideal de relações de produção no que diz respeito à produção de bens de consumo. Por isso foi a igreja católica, mas não só, a grande incentivadora das cooperativas em todo o mundo até hoje. Não há um só sindicato controlado pela democracia-cristã, na Europa, que não pregue a constituição de cooperativas. Isto vai tomar um impulso mais estruturado e forte a partir do advento da “Doutrina Social da Igreja”, surgida com a encíclica "Rerum Novarum", de Leão XIII, em 1891.

A “Doutrina Social da Igreja” da Igreja Católica é uma reação contra o capitalismo, que enterrava o regime feudal e constituía o Estado Republicano laico e democrático, liquidando o poder mundial do Vaticano. Mas, também, era uma reação contra os socialistas que surgem das entranhas do monstro capitalista que esmaga a extraordinária estrutura de riquezas e poder que o Vaticano havia erigido em mais de mil anos de existência. Assim a doutrina Social da Igreja se constitui lutando contra o capitalismo e contra o socialismo. Este é o fundamento católico da defesa das cooperativas na dita “Economia Solidária”.

A Encíclica “Rerun Novarum”, de Leão XIII, “sobre a situação dos trabalhadores” encadeia e estrutura a saudade do passado feudal, a resistência ao capitalismo, o ódio ao socialismo e a defesa, por “princípio natural”, da propriedade privada. Este texto tremendamente reacionário seria a base para a proposta posterior de Pio XI, em 1931, de um regime corporativo “nem capitalista nem socialista” que o Duce Mussolini estava erguendo na Itália com todas as suas consequências conhecidas para a humanidade.

Para compreender a defesa feita, hoje, pelos teóricos e defensores católicos da “Economia Solidária" é preciso relembrar partes essenciais da encíclica “Rerun Novarum”. Logo após a introdução, os primeiros capítulos afirmam:

“Causas do Conflito

“1. Em todo caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por alguma coisa, as corporações antigas, que eram para eles uma proteção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio condenar ainda mais o mal”.

A solução socialista

2. Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer dever ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria ao operário se fosse posto em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.

A propriedade particular

3. De fato, como é fácil perceber, a razão intrínseca do trabalho, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e à sua indústria, não é evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito, e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido torna-se propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito de propriedade mobiliária? Assim, essa conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição de seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação.

1. Mas, e isso parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efetivamente, sobre esse ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão.

... O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido.

Como se vê a Santa Madre Igreja não hesita em buscar as causas “naturais” do direito de propriedade principalmente preocupada com defesa da propriedade mobiliária, das terras, que as revoluções europeias do século 18 e 19 lhe estavam tomando para fazer a reforma agrária. Assim, há que se perceber que só os “animais destituídos de razão” não se interessam pela propriedade privada. A partir daí a encíclica vai chegar ao detalhe das corporações.

E como um programa político estruturado e coerente a “Rerun Novarum” prossegue:

“O Estado deve proteger a propriedade particular

23. Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É dever principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a justiça lhe concede a o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte, nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não sei que igualdade. Por certo que a máxima parte dos operários quereria melhorar de condição por meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e impelir os outros a violências. Intervenha, portanto, a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.

Impeça as greves

24. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, poucas vezes, aos operários ocasião de greves. É preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os operários e patrões”.

E o Vaticano não hesita em prevenir todos, firmemente, contra a eventualidade de qualquer lei “socialista”, qualquer atentado contra a propriedade que possa surgir, afirmando “...uma lei não merece obediência senão enquanto é conforme com a reta razão e a lei eterna de Deus (Santo Tomás, Sum. Teo., I-II, q. 93, a. 3 ad 2”).

A conclusão da encíclica é u chamado aos operários para que se organizem em corporações, associações, cooperativas, como se diz hoje em dia. No penúltimo capítulo “Convite para os operários católicos se associarem” pode-se ler:

“A sorte da classe operária, tal é a questão de que hoje se trata, será resolvida pela razão ou sem ela e não pode ser indiferente às nações quer o seja de um modo ou de outro. Os operários cristãos resolvê-la-ão facilmente pela razão, se, unidos em sociedades e obedecendo a uma direção prudente, encontrarem no caminho em que seus antepassados encontraram o seu bem e o dos povos.

...

Compreendem, geralmente, esses operários que tem sido joguete de esperanças enganosas e de aparências mentirosas. Pois sentem, pelo tratamento desumano que recebem dos seus patrões, que quase não são avaliados senão pelo peso do ouro produzido pelo seu trabalho; quanto às sociedades que os aliciaram; bem veem eles que, em lugar da caridade e do amor, não encontram nelas senão discórdias intestinas, companheiras inseparáveis da pobreza insolente e incrédula. A alma embotada, o corpo extenuado, quanto não desejariam sacudir um jugo tão humilhante! Mas, ou por causa dos respeitos humanos, ou pelo receio da indigência, não ousam fazê-lo. Ah, para todos esses operários podem as sociedades católicas ser de maravilhosa utilidade, se convidarem os hesitantes a vir procurar no seu seio um remédio para todos os males, e acolherem pressurosas os arrependidos e lhes assegurarem defesa e proteção"(Leão XIII, encíclica Rerun Novarum, 1891).

Esta é a base da concepção corporativista que tenta realizar a conciliação de classe em oposição à luta de classes “fundindo capital e trabalho”. A cooperativa, para esta política, é um santo remédio, pois transforma trabalhadores em operários-patrões. Apresenta-se para isso como combatendo tanto o capitalismo, que produz tantos males, como o veneno socialista, que se espalha na classe operária levado por maléficos subversivos.

O Socialismo Utópico, o Fim da Luta de Classes e as cooperativas

Já os socialistas utópicos, que se caracterizavam por querer superar as dores da vida por construções arbitrárias da vontade, se agarraram nas cooperativas e em tentativas do tipo “Economia Solidária” para realizar, ao menos no começo e ao menos por um tempo, enquanto duram, seu ideal de solidariedade, fraternidade e comunhão de espíritos fora do tempo e da realidade. Os socialistas utópicos do século 18 e 19 foram derrotados pelo tempo, pelo fracasso de suas tentativas concretas de criar mundos a parte, pelo crescimento do capitalismo e de seu proletariado revolucionário. Mas, eles foram lutadores de um novo tempo onde tudo era ainda muito confuso para o proletariado, cujas organizações de classe apenas começavam a surgir, e que, portanto, apenas começava a construir e solidificar sua consciência de classe. Foi preciso o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, depois a Comuna de Paris (o “Assalto aos Céus”, como disse Marx), e finalmente a Revolução Russa de 1917, para enterra-los.

O cooperativismo e a dita “Economia Solidária” já não são mais arroubos de românticos, mas servem a fins bem definidos na economia mundial dominada pela especulação financeira. Mais a frente veremos que força política e social levou a tentativa de ressuscitação das Corporações feudais mais longe, em pleno século 20.

O gentil economista e professor Paul Singer é consciente disso quando explica que o que faz é negar a luta de classes e a incompatibilidade entre capital e trabalho.

“A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. A empresa capitalista pertence aos investidores, aos que forneceram o dinheiro para adquirir os meios de produção e é por isso que sua única finalidade é dar lucro a eles, o maior lucro possível em relação ao capital investido”. Como se os cooperados que ali depositaram todo o seu pequeno capital também não pretendessem ter o maior retorno possível. Ele prossegue:“O capital da empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham e apenas por eles. Trabalho e capital estão fundidos porque todos os que trabalham são proprietários da empresa e não há proprietários que não trabalhem na empresa. E a propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela. Para o professor, se todos os acionistas da General Motors trabalhassem na General Motors teríamos aí a fusão do Capital com o Trabalho. E se as ações fossem dividas igualmente entre todos os trabalhadores da própria empresa esta fusão seria completa porque todos teriam “o mesmo poder de decisão sobre ela”. Os gênios são muito distraídos, e por isso o professor esqueceu do mundo capitalista, lá fora, e das relações sociais capitalistas dominantes em todas as esferas da produção mundial.

Entretanto, para que a coisas sejam claras, devemos explicar que quando falamos de cooperativas, estamos falando contra as tentativas de fazer desaparecer o mundo capitalista nas mãos dos operários de fábricas quebradas transformados em cooperados, ou operários-patrões. Não de cooperativas em geral. Nisso concordamos com Paul Singer que diz: “A cooperativa de produção é a modalidade básica da economia solidária e as relações sociais de produção que a definem são as delineadas acima”. Outra coisa completamente diferente é a cooperativa de consumo, onde se reúnem trabalhadores, pequenos proprietários, rurais ou urbanos, etc., enfim, consumidores que reúnem seu pequeno capital para comprar mercadorias ou serviços por melhores preços. Não há nada de errado nisto enquanto existir o capitalismo e seus gigantes industriais e comerciais. O único problema é que dificilmente sobrevivem por que sempre há um capitalista que faz o mesmo e melhor por dispor de mais capital. É a triste história das cooperativas de consumo que a igreja católica criou e viu desaparecer, nos bairros mais pobres, porque não podiam competir com os grandes supermercados que são capazes de comprar em uma escala gigantesca e vender mais barato que qualquer pequeno comerciante ou cooperativa de consumo.

As cooperativas de comercialização onde se agrupam pequenos produtores rurais ou artesãos das cidades, ou taxistas, profissionais liberais, etc., são outra modalidade de cooperativa que pode ajudar estes pequenos proprietários, ou pequeno-burgueses a vender melhor seus produtos. Neste caso como todos entram, vamos dizer assim, no mesmo bolo, depois são remunerados proporcionalmente à quantia de produtos que cada um entregou para venda. A classe operária não tem nada contra estas cooperativas.

Mas, atenção, Paul Singer nos alerta que: “... para ser empresa solidária, não pode haver separação entre trabalho e capital. Muitas cooperativas de consumo empregam trabalho assalariado, o que enseja lutas de classe em seu interior. Por isso não fazem parte da economia solidária”. Demonstrando seu cuidado científico com a economia e a política, Paul Singer diz, na mesma palestra, “O caso da Conforja é muito revelador das potencialidades que a transformação de empresas capitalistas em crise em cooperativas de produção encerra. Uma grande parte das hesitações e resistências dos trabalhadores a se lançar em tal aventura se deve ao seu ineditismo”.

Acontece que a Uniforjas, de SP, é uma cooperativa que tem 232 cooperados e 213 trabalhadores celetistas “ensejando a luta de classes lá dentro”. Ou seria melhor dizer: deixando nu o professor e todos os defensores “socialistas” da “Economia Solidária”?

A teoria cooperativista pretende apagar a luta de classes

Como sempre o melhor para se compreender o significado real de uma coisa é conhecer a as palavras de seus defensores. E todas elas explicam que se trata para eles de amortecer, ou evitar, o choque entre capital e trabalho. Ou seja, impedir que os trabalhadores reajam politicamente, como classe, à barbárie imperialista e passem a questionar a anarquia do mercado capitalista, pondo em questão o regime baseado na propriedade privada dos grandes meios de produção.

O que os trabalhadores têm a oferecer no sistema capitalista é apenas a mais preciosa das mercadorias, sua força de trabalho. Eis como Paul Singer descreve, cinicamente, os esforços necessários para quebrar a resistência operária: “No processo de transformação duma empresa falida ou em vias de falir numa empresa solidária, há uma série de etapas cruciais. A primeira é ganhar a anuência dos próprios trabalhadores, que precisam se propor a trocar seus créditos trabalhistas por cotas de capital da «sua» nova empresa, o que só acontece se eles acreditarem que são capazes de assumir coletivamente a gestão da empresa em crise e reabilitá-la”.

Mas, em geral, o que acontece no fim, no mercado dominado pelo capital financeiro e pelas multinacionais, é a bancarrota. E assim, ao realizar a união capital/trabalho proposta por Paul Singer, a cooperativa, os ex-trabalhadores apenas estão oferecendo aos capitalistas que vão comprar as mercadorias produzidas pelas cooperativas um produto mais barato, já que assumem para si próprios o custo que normalmente seria do capitalista, o investimento em máquinas e ferramentas. Assim vão, em geral, dissipando lentamente partes de seus próprios salários, portanto do preço pelo qual anteriormente haviam vendido sua força de trabalho, e que se concretizava nos valores recebidos ou a receber, sejam diretos (salários) ou indiretos (FGTS, férias, etc.).

Numa sociedade baseada em relações capitalistas de produção, fundamentalmente, não há alternativa, ou você é proprietário dos meios de produção ou você vende sua força de trabalho para sobreviver. E se você detém os meios de produção precisa, então, comprar uma mercadoria que seja, no processo de produção, capaz de gerar mais capital do que ela consome, ou seja, do que custa. Esta mercadoria única é a força de trabalho. Com isto o capitalista consegue se apropriar da mais-valia, do trabalho realizado e não apropriado pelo trabalhador.

Numa cooperativa em que o trabalhador transforma seus salários e verbas rescisórias em capital e passa a ser o proprietário dos meios de produção pouco importa se é ele próprio ou outro assalariado quem trabalha. De tais forças produtivas, meios de produção e força de trabalho, é preciso retirar a mercadoria que vendida permitirá um incremento do capital ou tudo dá com os burros n´água, pois lentamente o cooperado estará apenas dissipando o seu capital e logo será mais um “investidor quebrado”. Como este “Plus” só pode ser criado no processo de produção e através da exploração da força de trabalho, ou seja, deixando de pagar uma parte do trabalho realizado, seja um “trabalhador” cooperado seja um trabalhador assalariado, é dele que se extrai este “Plus”. Quanto mais há necessidade deste “Plus”, mais é preciso aumentar a exploração do trabalho ou o capital total será desvalorizado e vem a bancarrota.

Com esta lógica infernal do modo de produção capitalista, a cooperativa transforma o trabalhador em capitalista inevitavelmente. E se ele não quiser pensar e agir como um capitalista para valorizar seu capital então será irremediavelmente destroçado pelas forças cegas do regime capitalista. Só que por azar o cooperado é o seu próprio objeto de exploração, de extração da mais-valia, sendo assim levado a trabalhar cada vez mais e em ritmo cada vez maior. É o processo onde se abandona toda a regulamentação do trabalho e o cooperado passa a fazer 10 ou 12 horas por dia e atravessar os fins de semana “tocando o seu negócio”. É o processo de transformação do operário em operário-patrão. E que se tiver, por circunstâncias excepcionais, muito sucesso, então acaba se transformando só em patrão, ou seja, contratando outros para fazer o trabalho duro e extrair deles a mais-valia.

Assim, é em vão que a teoria cooperativista tenta apagar a luta de classes e buscar aparecer como um novo modo de produção que estaria suavemente se estabelecendo sobre os escombros da decadência capitalista.

Enquanto o modo de produção dominante do mercado mundial for o capitalista todas as outras relações de produção estão a ele subordinadas. Portanto, mesmo que o cooperativismo fosse um novo modo de produção, o que não é, ele estaria inteiramente determinado, em última instância, pelas leis e tendências fundamentais do capital. A tentativa saudosista de estabelecer, de fazer reviver, uma relação de produção pré-capitalista tem como única e real consequência lançar poeira nos olhos do proletariado em sua luta contra o capital. E, confundindo o exército proletário, roubar-lhe a independência de classe e lança-lo cego, e de pés e mãos atados, no meio da barbárie imperialista que o capital organiza sobre a face da terra ameaçando toda a civilização. Só a luta de classes do proletariado organizado, defendendo palmo a palmo suas velhas conquistas, pode salvar a humanidade da barbárie que a anarquia do mercado capitalista engendra, e que suas próprias leis e tendências internas conduzem à catástrofe. Enganar e dissolver a classe operária e suas organizações impedindo e confundindo a sua luta de classes contra a classe capitalista e sua dominação, é um golpe e uma ameaça contra a civilização.

Para clarificar isto é preciso examinar a ação concreta, e suas consequências, da orientação da dita “Economia Solidária”. Que de solidária não tem nada, como veremos.

Sobre a proposta da “Economia Solidária” de estabelecer um comércio e uma produção “solidária”, que se estabeleceria e sobreviveria, entre fábricas e associações de moradores, sindicatos e outras ditas organizações populares, sem falar das ONGs todas financiadas pelos governos ou pelo Banco Mundial, não é preciso falar muito. É uma proposta tão ridícula, num mercado mundial dominado pelas multinacionais e pelo capital financeiro, que não vale a pena gastar tinta para combatê-la. Mas, ela pode dar uma ideia da ignorância econômica de quem a defende, ou da má-fé dos economistas que a propagam, quando não são economistas a serviço da religião, ou seja, do além.

Comparável a esta estupidez econômica de “Economia Solidária” só se conhece a ideia de “comércio justo”, nacional ou internacional, o que é uma contradição de princípios. Ou a brilhante ideia da volta ao escambo entre as organizações populares e as fábricas ocupadas. O fio unificador de todas estas brilhantes ideias é a vontade divina de apagar a luta de classes e impedir o confronto entre revolução e contrarrevolução que domina o mundo hoje. Estas teorias podem ser piedosas, mas são acima de tudo contrarrevolucionárias.

A “Economia Solidária” contra o Socialismo

Num artigo intitulado “Economia Solidária: Similia, similibus curentur”, o economista católico Armando de Melo Lisboa, do departamento de Economia da UFSC, junta homeopatia, defesa do mercado, saudade do feudalismo e o ódio característico do Vaticano à revolução socialista. Para defender as cooperativas e a “autogestão” Lisboa escreve:

“Uma pista para pensar o paradoxo da Economia Solidária é o forte paralelo entre a mesma com os processos terapêuticos da natureza, com a lógica da reprodução e transformação da vida. Assim como a homeopatia, a Economia Solidária parte do princípio da cura por semelhança de sintomas: "similia similubus curentur". Ou seja, o mal se cura através de agentes que produzem sintomas semelhantes (o veneno se combate com veneno). Ora, a Economia Solidária usa, a partir de doses mínimas (da pequena escala, do local), "homeopáticas", o mercado, a empresa, o dinheiro, como principais instrumentos da sua luta anti- sistêmica”.

Com medo da revolução, Lisboa se atira para a Homeopatia como a salvação contra a Halopatia socialista e revolucionária dos milhões e milhões de proletários que “nada tem a perder senão seus próprios grilhões”. É uma versão medicinal do Eduard Bernstein, de triste memória, que teorizou sobre as reformas progressivas e crescentes no capitalismo até o dia em que o capitalismo se transformaria por si só em socialismo. Aos socialistas sobraria o papel de fazer pressão sobre os capitalistas que não compreendessem este “inteligente” reformismo e de leva-lo a bom termo. Começaram dizendo isso, e acabaram assassinos de Rosa Luxemburgo que explicava que reforma e revolução não se contradiziam, mas se completavam e que na luta por verdadeiras reformas positivas no capitalismo, a classe trabalhadora seria conduzida inexoravelmente à luta revolucionária pelo poder e pela expropriação da classe capitalista.

Lisboa, como todos os seus colegas defensores da Economia Solidária, lança mão de tudo que tem pela frente para desviar a luta dos trabalhadores de seus inimigos de classe. Por isso sempre misturam luta em defesa do meio-ambiente, “excluídos” que eles não buscam “incluir”, mas fazer viver um mundo paralelo fantasioso de “Economia Solidária” e agora finalmente ficamos conhecendo a Homeopatia Socialista para a cura dos males infligidos à Humanidade pelas multinacionais e pelo capital financeiro. É por isso que para eles a palavra imperialismo não existe. E quando são obrigados a utiliza-la sempre vêm adjetivada de “colonialista”. Como se estivéssemos vivendo a mesma situação do século 19 e não uma etapa de destruição das bases constitutivas da civilização e de regressão social em toda a linha, uma situação de ingresso na barbárie. Afinal, falar do imperialismo significaria falar de enfrentar este monstruoso poder internacional que ameaça o mundo com sua potência econômica e política, não com a força política do proletariado internacional, mas com as ridículas forças econômicas da “rede solidária” das cooperativas e empresas autogestionárias.

Mais a frente, orgulhosamente, cita I. Wallerstein para afirmar a possibilidade de que "o triunfo do mercado, tendo deixado de ser símbolo do sistema capitalista, resulte ser símbolo do socialismo mundial. (Wallerstein, I. Impensar las ciencias sociales. México, Siglo XXI, 19). E, assim o “símbolo” do socialismo seria o mercado dominado pela Economia Solidária. Realmente, para Lisboa, não há luta de classes, coisa que mesmo os economistas e políticos burgueses sérios reconhecem. Lisboa não vê, portanto, o Estado como um órgão de dominação da classe burguesa, que detém a propriedade dos grandes meios de produção. Assim não pode nem imaginar uma sociedade sem mercado, produzindo e distribuindo “de cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo sua necessidade”. De fato, como toda “teoria” de Economia Solidária esta também pretende encerrar a classe trabalhadora no limite e no horizonte da existência do capitalismo, só que maquiando-o de “economia social de mercado”. Na verdade uma velharia teórica inventada na justa medida do abandono da luta pelo socialismo por teóricos e políticos que se dobraram às exigências do capital.

Mas, Lisboa vive no Brasil, um país semicolonial onde a luta por um pedaço de pão pode provocar uma revolução, e precisa explicar que não se trata de abandonar a luta pela revolução, mas de “algo novo”, ainda muito incompreendido, mas que um dia se revelará ao mundo. Método bem conhecido e muito utilizado pelos católicos e outros religiosos que sustentam suas empreitadas místicas com as ameaças do além e da promessa do dia da revelação onde os homens encontrarão o paraíso. Por isso Lisboa diz: “Não se trata de desfazer-se do revolucionarismo em nome do reformismo, mas de compreender os processos capilares de mudança que se processam sempre dentro de uma longa duração. Toda grande transformação ocorre quase que imperceptivelmente, e somente é compreensível a posteriori”. No fundo, confusamente ele está obcecado pelo processo de constituição e desenvolvimento do capitalismo, que durante séculos de feudalismo e de monarquias absolutistas foi forjando suas fortalezas, acumulando capital até ter forças para fazer tudo saltar e impor seu regime, o capitalismo. O que ele busca apagar aqui é que a “grande transformação” precisou um dia, em 1789, de uma “Grande Revolução” para defender sua sobrevivência e poder expandir-se até seus próprios limites no fim do século 19. E que esta Grande Revolução Francesa só coroava, ou precedia, uma série de grandes revoluções que lutavam para estabelecer o que já crescera no interior do regime feudal europeu.

E não satisfeito de falsificar a história da humanidade, ele dá longa vida ao capitalismo e começa, como todo bom intelectual católico, a culpar a classe trabalhadora pela sua própria desgraça:“Podemos perfeitamente construir uma alternativa ao capitalismo ao interior das relações mercantis, mesmo porque estamos todos dentro dele e de alguma forma colaboramos com este sistema na vida cotidiana. Existe uma linha indissolúvel entre o indivíduo e a sociedade. Todo sistema de dominação somente se sustenta porque conta, em algum grau, com a nossa adesão, ou com nosso consumo: "nossas escolhas de consumo podem tanto colaborar na expansão de redes solidárias, como realimentar a própria reprodução do capitalismo" (Euclides Mance).

É realmente impressionante que um economista seja capaz de imaginar que “redes solidárias” de pequenas empresas controladas por seus próprios trabalhadores, ou seja, por operários-patrões, venham a ser capazes de competir, constranger e finalmente impor-se contra o planeta das multinacionais e do capital financeiro especulativo. Como pode um economista imaginar que um regime em que existe uma multinacional como a GM, que tem um orçamento anual maior que o do governo do Brasil, seja “superado” por um sistema pré-capitalista, feudal, que incorporaria uma dimensão “para além da busca do lucro”?

“Aqui reside um grande desafio do empreendedorismo solidário: superar a lógica capitalista demonstrando que é superior ao empreendedorismo individualista. Claro que o próprio conceito de eficiência deve ser reenquadrado: a economia solidária, por incorporar outras dimensões para além da busca de lucro, deve ser avaliada pelo conceito da competitividade sistêmica (que envolve as dimensões social e ambiental, e não apenas a econômica). Aos poucos, as exigências de uma nova economia vão se impondo e podem predominar no longo prazo, circunscrevendo e restringindo a hoje predominante competitividade espúria que engendra a competição predatória entre empresas, cidades e regiões. Neste cenário, a Economia Solidária estará altamente qualificada e será o agente econômico hegemônico”. Na verdade é toda uma construção de fé, como sempre sem pé nem cabeça, para justificar sua tentativa teórica de retorno aos bons tempos onde o Papa não só era infalível, mas mandava de verdade.

“Lentamente retomamos os caminhos que, no século XIX eram fecundados pelas tradições do anarquismo, do socialismo utópico, do cristianismo social (solidarismo cristão), do cooperativismo e pela autogestão, mas que foram abandonados em geral ao longo do século XX, especialmente no Brasil, devido, entre outros fatores, à imensa repercussão nos corações e mentes da revolução russa de 1917. Os impasses civilizatórios e a queda do socialismo real neste final de milênio corroeram as certezas da perspectiva marxista-leninista, preponderante ao longo deste último século - i) de que o mundo evolui através de leis universais e conhecíveis; ii) da mudança revolucionária da sociedade através da conquista do Estado conduzida por uma vanguarda organizada num partido; iii) de que, uma vez tomado o poder, há que fazer ou completar a revolução industrial, único caminho para a construção do socialismo. Através da Economia Solidária ressurge a convicção não apenas de que o mundo pode se transformar, mas de que já se encontra em transformação, renovando-se as inelutáveis energias utópicas que sustentam e dão sentido à vida social”.

Lisboa assim torna claro o que ele combate de verdade, a revolução russa de 1917, a maior revolução da história da humanidade. A revolução russa expropriou o capital e entregou à classe trabalhadora o controle coletivo do conjunto dos grandes meios de produção, permitindo-lhe arrancar os pés da lama feudal e tocar com as mãos calejadas as terras do paraíso real, aquele que os homens podem construir com suas próprias mãos.

No próximo segmento, conclusão, veremos alguns casos práticos como os da UNFORJA, em São Bernardo do Campo, SP, e o da COOPERMINAS, em SC.

Fim da 3ª Parte