As origens da Internacional Comunista Revolucionária

O que propomos? Nada menos do que o derrube do sistema capitalista e o estabelecimento do comunismo, uma sociedade sem barreiras de classe, sexo, nacionalidade, religião, capaz de libertar os recursos necessários para curar um planeta cada vez mais doente. Em outras palavras, uma sociedade baseada nas necessidades da população e não nos lucros de uma pequena minoria. Para atingir este objetivo, é necessário abolir a propriedade privada dos meios de produção e a existência dos Estados-nação, que se tornaram um obstáculo absoluto ao desenvolvimento de uma sociedade pacífica e harmoniosa, livre de todas as formas de opressão.

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Nesse sentido, baseamo-nos na contribuição política e teórica de Marx e Engels, nas ideias que inspiraram a Revolução de Outubro e na escola de estratégia revolucionária representada pelos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, quando Lenin ainda estava vivo. Também nos inspiramos na batalha que Trotsky travou contra o estalinismo, primeiro formando a Oposição de Esquerda e depois com o nascimento da Quarta Internacional.

Pelas razões que explicaremos neste texto, a Quarta Internacional, após a morte de Trotsky (assassinado em agosto de 1940 por um dos assassinos de Stalin), revelou-se inadequada. Reconhecemos como herança apenas seu congresso de fundação de 1938, em particular o manifesto político O Programa de Transição, que foi redigido pelo próprio Trotsky.

Após a morte de Trotsky (e de muitos líderes da Oposição Russa nos campos da Sibéria ou nas mãos de assassinos estalinistas), a Quarta Internacional não tinha os quadros com a experiência necessária para lidar com a nova situação política.

O camarada Ted Grant foi o único que liderou uma batalha contra os desvios de líderes como Pablo, Cannon, Mandel, Maitan, Pierre Frank, etc. Há, portanto, aqueles que nos chamam de Grantistas, os que mais genericamente nos chamam de trotskistas, marxistas ou marxistas revolucionários. Não nos opomos a nenhuma dessas definições, tornamo-las todas nossas, mas preferimos nos chamar de comunistas. Foi a mesma decisão que Ted Grant tomou em 1944, exatamente 80 anos atrás, quando chamou o seu partido de Partido Comunista Revolucionário.

O estalinismo usurpou o termo comunista e o desacreditou aos olhos de milhões de proletários. Algo que não diz apenas respeito ao passado, mas ao presente, pois existe um regime, o chinês, que se diz comunista, se disfarça com uma bandeira vermelha e uma foice e martelo, mas na prática restaurou o capitalismo e baseia o seu poder numa exploração desenfreada do proletariado chinês, não muito diferente do que Engels descreveu há 180 anos em A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra.

Ted Grant, a Workers International League e o RCP

O fundador do nosso movimento, Isaac Blank, conhecido como Ted Grant, era um jovem sul-africano que se mudou para Londres aos 21 anos com a clara intenção de se juntar ao movimento trotskista. Ele lia jornais trotskistas dos Estados Unidos, numa livraria de esquerda na África do Sul e decidiu apoiar suas ideias, o que fez ao longo de sua vida. Como Ted Grant gostava de dizer: “Quando certas ideias entram no teu sangue, elas nunca te deixam“.

Quando chegou a Londres em 1934, com seu grande entusiasmo, começou a construir as forças do marxismo revolucionário. Seu grupo, formado por 30 camaradas, trabalhou na construção da Quarta Internacional, mas em 1938 recusou-se a aceitar o diktat imposto por James Cannon (secretário do Partido Socialista dos Trabalhadores – SWP, a seção americana da Quarta Internacional) que queria impor uma fusão sem base política de princípio aos três diferentes grupos que se reclamavam de trotskistas e que existiam na Inglaterra, somando-se ainda outro na Escócia.

As manobras burocráticas de Cannon e de outros líderes da Quarta Internacional contra Ted Grant e seu grupo são amplamente explicadas na História do Trotskismo Britânico, um texto de 230 páginas que os leitores podem encontrar em The Long Red Thread.

O que aconteceu em resumo é que a organização fundada por Ted Grant, Jock Haston, Ralph Lee, a Liga Internacional dos Trabalhadores (WIL), não aceitando as manobras burocráticas de Cannon, viu-se excluída do congresso de fundação da Quarta Internacional em 1938.

Nesse congresso, o grupo criado/colado por Cannon foi reconhecido como uma seção oficial, que tomou o nome de Liga Socialista Revolucionária – RSL, que precisamente por ter sido atravessada por inúmeras diferenças políticas se viu cometendo todos os erros políticos possíveis durante a Segunda Guerra Mundial, aplicando a posição de derrotismo revolucionário de Lenin de forma formalista e sectária. Durante a Segunda Guerra Mundial, chegaram a agitar o slogan: “A vitória de Hitler é o mal menor”. Uma posição absurda, em conflito com a que Trotsky havia elaborado, em seu exílio em Coyoacán (Cidade do México), chamada de política militar proletária.

Resumidamente essa política propunha que os trabalhadores recrutados pelos exércitos aliados, lutassem contra a hierarquia militar exigindo a eleição de oficiais e o controle dos trabalhadores e sindicatos sobre as condições dos soldados, fazendo propaganda aberta das ideias do comunismo, a nacionalização dos meios de produção, o derrube da burguesia, o governo dos trabalhadores e uma guerra revolucionária contra o exército de Hitler.

Enquanto a RSL, a seção oficial da Quarta Internacional na Grã-Bretanha, rejeitou a linha de Trotsky, a WIL (que nem mesmo recebeu o status de seção simpática) fez um trabalho extraordinário no Exército britânico. Como disse Ted Grant, nossos camaradas, embora “filhos ilegítimos da Quarta Internacional“, foram os únicos que levaram adiante a linha militar elaborada por Trotsky.

O resultado foi que, à medida que a RSL se desintegrava, a WIL se fortalecia organizacional e politicamente a tal ponto que, em março de 1944, anexando o pouco que restava da RSL, os camaradas fundaram o Partido Comunista Revolucionário – PCR. O PCR foi reconhecido como a seção britânica da Quarta Internacional, mas as manobras dos líderes da Quarta, impulsionadas pelo ressentimento e pela política de prestígio, estavam apenas começando.

As causas da degeneração da Quarta Internacional

Os novos líderes da Quarta Internacional após a guerra continuaram a repetir a perspetiva desenvolvida por Trotsky em 1938 em O Programa de Transição:

A situação política mundial é caracterizada antes de tudo pela crise histórica da liderança do proletariado. As premissas econômicas da revolução proletária há muito alcançaram o ponto mais alto alcançável sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade não crescem mais. (…)

A Quarta Internacional declara uma guerra implacável à burocracia da Segunda e Terceira Internacionais, da Internacional de Amsterdão e da Internacional Anarco-Sindicalista, bem como aos satélites centristas: ao reformismo sem reforma, ao democratismo aliado à GPU, ao pacifismo sem paz, ao anarquismo a serviço da burguesia, aos “revolucionários” que têm medo mortal da revolução. Todas essas organizações não são uma promessa para o futuro, mas sobrevivências de um passado apodrecido. A época das guerras e revoluções os varrerá completamente.

Isso era absolutamente verdade em 1938, mas dialeticamente se tornara no seu contrário após a guerra. Os líderes da Quarta Internacional, em vez de fazer “uma análise concreta da situação concreta“, apegaram-se formalisticamente às palavras de Trotsky. A realidade era que a guerra havia produzido desenvolvimentos novos e imprevistos que nem mesmo um revolucionário do génio de Trotsky poderia ter previsto.

Foi assim que Pablo, Cannon e seus companheiros, apesar da realidade ir numa direção completamente diferente, continuaram a defender uma linha “catastrofista” que em essência retratava uma crise vertical e permanente do sistema capitalista, um consequente aumento rápido do choque entre forças revolucionárias e forças reacionárias na forma de novas ditaduras bonapartistas. A hipótese de uma estabilização do capitalismo com o nascimento das democracias parlamentares burguesas estava fora de seus esquemas.

Ted Grant foi o único líder trotskista na Europa a avançar essa hipótese. Um detalhe que é omitido por muitos dos chamados “historiadores” partidários, que fingem ignorar esse “pequeno pormenor”.

Pierre Frank em seu livro sobre a história da Quarta Internacional escrito em 1979 (A Quarta Internacional: a Longa Marcha dos Trotskistas) não menciona a existência da WIL e do PCR, apesar do fato de que o PCR foi a seção mais importante do movimento trotskista na Europa durante a guerra.

A mesma atitude é mantida por Livio Maitan, um dos principais líderes da Quarta Internacional, que num dos seus livros afirmará o seguinte:

Entre os líderes políticos e economistas de inspiração marxista, ninguém, pelo menos que saibamos, previu no final dos anos 1940 ou início dos anos 1950 o boom prolongado que envolveria os países capitalistas por cerca de um quarto de século, superando todos os precedentes históricos.” (L. Maitan, Tempestades na Economia Mundial, DataNews 1998, p. 11). 11).

Ele não apenas fingiu não se lembrar das posições de Ted Grant, mas, como era o seu estilo, será bastante indulgente com os erros cometidos (tanto os seus próprios como dos seus comparsas):

De acordo com a hipótese de que continuamos a considerar tudo menos infundada, um curso diferente e uma perspetiva diferente teriam sido possíveis. (…) Não houve incompreensão de nossa parte sobre o ponto de virada involutivo marcado pelos eventos de 1948. (…) Tendemos a relativizar essas avaliações, no entanto, assumindo uma cronicidade de estagnação e fragilidade económica, para além da evolução do equilíbrio de poder no terreno político. Nesse sentido, houve unilateralidade, substancial inadequação de nossa análise (…).” (L. Maitan, La strada percorsa, p. 100). 167-168).

Maitan era um mestre em transformar erros gritantes com consequências devastadoras em pequenos erros de importância secundária.

Para ser justo, posições semelhantes às do PCR britânico também foram defendidas por uma minoria do SWP americano, liderada por Felix Morrow e Albert Goldman, embora em bases menos consequentes (também por razões objetivas relacionadas às perseguições que os trotskistas americanos tiveram que sofrer após a guerra pelo aparato estatal).

Ted Grant e seus camaradas do PCR lideraram a batalha contra a degeneração da Quarta Internacional até o fim no final da guerra.

Aqui estão algumas passagens-chave. Em março de 1945, num texto chamado A Mudança do Equilíbrio de Forças na Europa e o Papel da Quarta Internacional, Ted Grant modificou a perspetiva de Trotsky de 1938 e a que ele mesmo havia elaborado em junho de 1942 (Preparando-se para o Poder):

A contrarrevolução do capital nos seus primeiros passos, após um curto período de governo militar, assumirá necessariamente uma forma ‘democrática’. A burguesia combinará a concessão de reformas ilusórias com a repressão e represálias contra as forças revolucionárias. A revolução que está sendo preparada na Europa só pode ser uma revolução proletária. Dito isto, é inevitável que, pelo menos no primeiro período, as velhas organizações do proletariado ganhem vantagem e consigam colocar-se à frente das massas (…). É possível que o imperialismo consiga “estabilizar” os regimes democráticos burgueses em alguns países graças ao apoio do estalinismo e do reformismo clássico (e este é um dos fatores objetivos a serem observados).

No ano seguinte, no Economic Outlook de abril de 1946, foi dito:

A Quarta Internacional só pode desacreditar-se a si mesma se se recusar a reconhecer a inevitável recuperação, e desorientará seus próprios quadros, bem como as grandes massas, prevendo uma recessão permanente e um ritmo lento de recuperação na Europa Ocidental, quando os eventos estão tomando uma forma diferente.

A polêmica continuou em agosto de 1946 com o texto Democracia e Bonapartismo na Europa (Resposta a Pierre Frank):

Frank tenta equiparar todos os regimes da Europa Ocidental ao ‘bonapartismo’ (…). Ele argumenta (…) que é impossível ter qualquer coisa além de regimes bonapartistas ou fascistas até que o proletariado chegue ao poder na Europa (…). Ele nega a existência de regimes democráticos na Europa de hoje, pois “literalmente não há lugar para eles”. O PCR britânico caracterizou os regimes da Europa Ocidental (França, Bélgica, Holanda, Itália) como regimes de “contrarrevolução em forma democrática” (…). Os acontecimentos na Itália mostraram a notável clarividência de Trotsky. A burguesia foi forçada a se livrar do rei e os social-estalinistas traidores desviaram a revolução proletária em desenvolvimento para os canais de um estado parlamentar e democrático.

A derrota dos processos revolucionários de 1943-1945 na Grécia, Itália, França, Bélgica, que foram desviados para becos sem saída devido à responsabilidade dos estalinistas, a destruição das forças produtivas e do trabalho excedente durante a guerra, bem como um gigantesco fluxo de investimentos dos Estados Unidos na Europa (Plano Marshall) criaram as condições para um novo ciclo ascendente do capitalismo e um boom económico.

Um dos efeitos políticos disso foi fortalecer as margens do reformismo, permitindo que as forças social-democratas e estalinistas ganhassem terreno. Além disso, os estalinistas beneficiaram-se do enorme prestígio que a vitória do Exército Vermelho havia conquistado contra o exército nazista em Estalinegrado e no decurso da guerra. Não é por acaso que os partidos comunistas se tornaram partidos de massas, como os social-democratas, com diferenças óbvias dependendo do país, mas num processo que teve as mesmas bases mais ou menos em todos os lugares.

Tudo isso barrou o caminho por todo um período para o desenvolvimento da Quarta Internacional, que se viu com bases de massa em apenas dois países do mundo, além disso semicoloniais, Bolívia e Sri Lanka.

Numa entrevista de 2004 ao site marxist.com, o camarada Ted Grant se referiu aos líderes da Quarta Internacional da seguinte forma:

Eles eram totalmente extremistas. Eles pensaram que a revolução estava ao virar da esquina. Eles tentaram negar, contra todas as evidências, que houve uma recuperação económica e, em vez disso, falava de um colapso econômico. Nós, ao contrário, por uma série de razões que expliquei mais tarde no meu texto Haverá uma recessão?, argumentamos que haveria uma recuperação económica – embora nenhum de nós esperasse que durasse tanto tempo. Portanto, por um período de tempo, apenas um progresso modesto poderia ter sido alcançado. Tratava-se principalmente de formar quadros, preservar as nossas forças e convencer indivíduos ou talvez pequenos grupos aqui e ali, e preparar uma mudança na situação. Mas Mandel, Pablo e os outros não quiseram aceitar os fatos.

Eles negaram a possibilidade de democracia na Europa e previram regimes bonapartistas (ditatoriais). Nós nos opusemos a essa loucura, apontando que havia um governo trabalhista na Grã-Bretanha e que os partidos comunistas estavam no governo na França e na Itália, embora certamente estivessem seguindo uma política contrarrevolucionária. No entanto, como explicamos na época, foi uma contrarrevolução de forma democrática. Eles não entenderam nada disso.

Os líderes da Quarta Internacional, como Mandel, Pablo e Cannon, negaram a realidade e fizeram-no por pelo menos mais 15 anos, embora haja quem soubesse fazer pior: Pierre Lambert, o líder da seção francesa que se separou da Quarta em 1952, continuou a negar que tenha havido um desenvolvimento das forças produtivas ao longo do século XX, até o dia de sua morte em 2008.

Por outro lado, o Exército Vermelho estava formando estados ao estilo da URSS (que chamamos de bonapartismo proletário ou estados operários deformados) em toda a Europa Oriental. Em 1949, os estalinistas chineses liderados por Mao tomaram o poder.

Pablo chegou à conclusão de que a burocracia estalinista desempenhou um papel revolucionário e não um papel contrarrevolucionário como Trotsky havia afirmado. A tese que Pablo desenvolveu no início dos anos 1950 era que a burocracia estalinista de uma “excrescência parasitária”, como Trotsky a havia definido em A Revolução Traída, havia-se tornado uma fase legítima no caminho para o socialismo, uma transição que duraria eras (Para onde vamos? janeiro de 1951).

Essa análise teve o efeito inevitável de provocar uma adaptação abrupta à burocracia estalinista e, no nível tático, traduziu-se nas táticas de entrismo profundo nos partidos comunistas. Já nem falando nas ilusões sobre o regime da Iugoslávia de Tito, considerada um Estado operário relativamente saudável e sobre a qual remetemos a carta escrita por Jock Haston aos líderes da Quarta.

Pablo e Mandel, após a morte de Stalin em 1953, argumentaram que um período de “autorreforma” do estalinismo na esquerda estava-se abrindo. Com esta conceção, Pablo declarava que o estalinismo e o nacionalismo pequeno-burguês poderiam desempenhar um papel progressista na transição do capitalismo para o socialismo. Isso levou o ROP, seção boliviana da Quarta Internacional, a apoiar o Movimento Nacionalista Revolucionário – MNR, na revolução boliviana de 1952, levando o proletariado à derrota (ver A Revolução Boliviana de 1952).

Nas teses do Terceiro Congresso Mundial da Quarta Internacional, realizado em 1951, o capítulo sobre a Bolívia falou abertamente em dar-se “apoio crítico” ao MNR. Sobre estas bases, Ted Grant se opôs às táticas entristas durante a década de 1940 e isso (com todas as outras diferenças mencionadas) levou à sua segunda expulsão da Quarta Internacional em 1950, nas mãos de Healy, que se havia tornado num fantoche de Pablo dentro do PCR na Grã-Bretanha e que burocraticamente assumiu o controle do partido como resultado.

Da divisão em 1953 à expulsão em 1965

No final de 1953, houve uma cisão da Quarta Internacional liderada por Cannon, que formou o Comitê Internacional para a Quarta Internacional, uma cisão seguida por Healy na Grã-Bretanha, Lambert na França e mais tarde Moreno na Argentina.

Cannon justificou a rutura atribuindo-a à adaptação de Pablo ao estalinismo. Uma adaptação que certamente não poderia ser negada, mas que tinha visto Cannon totalmente solidário e envolvido até aquele momento. Todos apoiaram a linha do 3º Congresso em 1951 (incluindo Healy e Lambert).

A verdadeira razão para a divisão desejada por Cannon em 1953 tinha muito mais a ver com sua conceção organizacional e o papel que concedia a si mesmo, animado pela ideia da “secção dirigente”, ou seja, que o SWP, na prática, deveria liderar a Quarta Internacional. E, com efeito e segundo Cannon, a liderança internacional não deveria interferir nos assuntos internos da secção americana, devendo sempre e em qualquer caso apoiar as posições da maioria do partido.

Cannon suspeitava que Pablo compartilhava e apoiava ativamente as posições da minoria do SWP, liderada por Clarke (mais tarde expulso em novembro de 1953) e essa foi a verdadeira razão para a divisão. O fato é que o plano de Cannon falhou e romperia da Internacional apenas retornando em 1963, não antes do seu antagonista e rival Pablo ter sido marginalizado pela liderança internacional.

Enquanto isso, Ted Grant e os camaradas da nossa organização, na década de 1950, formaram a Liga Socialista Revolucionária – RSL. Eles conheciam Cannon e Healy muito bem para dar o menor crédito à sua separação. Mas a saída de Healy da Quarta deixou um “buraco vazio” na Grã-Bretanha. Um apelo foi feito ao RSL para se tornar a secção oficial. Mas não só as diferenças políticas não tinham sido resolvidas, mas elas se tinham ampliado, não guardando Ted Grant qualquer confiança em Mandel, Maitan e companhia.

Discutindo isso entre camaradas, no entanto, foi avaliado que a RSL estava isolada internacionalmente e, consequentemente, não havia muito a perder. Não se podia mesmo descartar que, travando uma batalha de oposição na Quarta Internacional, se pudessem encontrar militantes válidos noutros países.

No 6º Congresso da Quarta Internacional em 1961, o camarada Ted Grant fez um contrarrelatório ao debate econômico e apresentou emendas pesadas em quase todos os itens da agenda.

Essa batalha culminou no congresso de 1965 (8º congresso) com a apresentação de um documento alternativo chamado A Revolução Colonial e a rutura entre a China e a URSS. Esse documento se propôs a combater as ilusões maoístas e castristas e as conceções de guerrilha que estavam começando a abrir caminho na direção da Quarta Internacional.

Em torno desse debate, ocorreu a terceira e última expulsão de Ted Grant da Quarta Internacional. Em seu último livro, Livio Maitan mais uma vez distorcerá a realidade dos fatos. Citemos um trecho desta obra-prima da hipocrisia:

No que diz respeito à Grã-Bretanha, o congresso decidiu não reconhecer nenhuma das duas organizações como uma secção, o que causou a divisão da RSL, da qual Ted Grant era o líder mais conhecido, representado no congresso também por Peter Taaffe. A RSL mais tarde daria origem à tendência “The Militant”, destinada a assumir um papel proeminente na esquerda trabalhista. Pessoalmente, devo admitir que subestimei a capacidade de Grant de construir uma organização consistente. Eu tinha boas relações pessoais com ele, mas deixava-me impaciente com seu hábito de citar Trotsky meticulosamente em quase todos os discursos, e isso me deixava de bom humor ao vê-lo chegar às reuniões com uma mala cheia de livros e documentos.” (L. Maitan, Para uma História da Quarta Internacional, p. 100). 171-172).

Maitan fala de uma divisão, mas é bastante claro que, ao não reconhecer nenhuma das duas organizações britânicas, na verdade o 8º Congresso estava expulsando o que havia sido a seção oficial britânica desde 1957, ou seja, a RSL, a organização de Ted Grant.

Em A Revolução Colonial e a rutura entre a China e a URSS, as divergências que mais tarde surgiram sobre o tema da guerra de guerrilha rural no congresso de 1969 são antecipadas.

Ted Grant escreveu já em agosto de 1964:

Os camaradas que descobriram recentemente o campesinato, os semiproletários e até mesmo o proletariado de aldeia como a principal força motriz dessas revoluções coloniais não entenderam o verdadeiro significado do papel que essas classes desempenharam. Onde o proletariado é dirigido por um partido revolucionário com consciência de classe, a pequena burguesia das cidades e aldeias, seguindo essa direção determinada, pode apoiar a vitória da classe trabalhadora e o estabelecimento da ditadura revolucionária do proletariado, “de acordo com a norma”, como disse Trotsky. Portanto, essas classes podem desempenhar o papel fundamental de tropas de reserva da revolução, de aríete, mas a ponta de lança só pode ser a consciência revolucionária da classe trabalhadora industrial.” (A revolução colonial e a rutura entre a China e a URSS).

A responsabilidade pela desastrosa linha guerrilheira (que custou a vida de muitos jovens trotskistas na Argentina e além) deve ser atribuída primeiro a Maitan (como chefe da América Latina) e em segundo lugar a Mandel (como o principal líder da Quarta Internacional, após a saída de Pablo em 1965).

Ao longo da Quarta houve uma verdadeira febre de Castro. Havia grandes expectativas em relação à OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), formadas em 1967 por iniciativa dos cubanos, com o objetivo de promover a luta armada e o estabelecimento de novos estados socialistas.

As conceções “Terceiro-mundistas” e o Foquismo foram incorporadas pelos líderes da Quarta Internacional que esqueceram de todos os ensinamentos de Trotsky sobre o assunto. Tome-se, por exemplo, as palavras que Moreno:

Nossa admiração, respeito, reconhecimento por eles como líderes do processo revolucionário latino-americano não tem limites. No caso de Fidel Castro, não temos dúvidas em considerá-lo, junto com Lenin e Trotsky, um dos maiores gênios revolucionários deste século.” (N. Moreno, Dos metodos frente a la revolución latinoamericana, Estrategia, nova série, 1964).

A bajulação de Castro no seu estado mais puro. Castro não retribuiu tamanha generosidade de julgamento e, não apenas perseguiu ativistas trotskistas em Cuba, mas no seu discurso ao Tricontinental em janeiro de 1966, diante de representantes de movimentos revolucionários e de libertação nacional de 82 países da África, Ásia e América Latina, afirmou que a Quarta Internacional era “repugnante e nauseante” e havia se tornado “um instrumento vulgar do imperialismo e da reação“.

O OLAS, ao contrário das grandes expectativas depositadas pelos líderes da Quarta, nunca foi um instrumento para a extensão da luta armada. A morte de Che Guevara na Bolívia, numa ação que não hesitamos em definir como desesperada, decretou o fim de quaisquer ambições foquistas do regime cubano que começou a olhar para a URSS Khrushcheviana.

A verdade é que os líderes da Quarta Internacional perderam totalmente a fé no potencial revolucionário do movimento operário na Europa. Esse processo culminou justamente quando a classe trabalhadora na Europa mostrou seu caráter revolucionário com maio de 1968 na França, o Outono Quente na Itália e os grandes movimentos do proletariado industrial em toda a Europa.

A Quarta Internacional mais uma vez mostrou sua total inadequação e recuperá-la para um programa trotskista era impossível. Ted Grant e os outros companheiros decidiram virar-lhe as costas de uma vez por todas e nunca mais refizeram seus passos. O balanço dessa experiência foi coletado num um texto de 1970, O Programa da Internacional, que afirma:

A análise realizada neste documento mostra que há 25 anos o Secretariado Unificado vem oscilando de um erro para outro, de uma política errada para o seu oposto, e depois de volta, para o erro original num nível superior. Esta é a marca de uma tendência completamente pequeno-burguesa. No que diz respeito a esse grupo, ou pelo menos à sua liderança, ele agora se tornou algo orgânico (…). Chamar essa tendência de centrista seria um elogio (…).

O objetivo passou a ser construir uma nova Internacional baseada nas ideias autênticas de Lenin e Trotsky.

Em 1964, Ted Grand fundou o jornal Militant, e começou a construir uma organização que, através da combinação habilidosa de trabalho independente e táticas entristas no Partido Trabalhista, conseguiu crescer significativamente.

Nas décadas de 1960 e 1970, as condições para o entrismo estavam amadurecendo em toda a Europa. Na Grã-Bretanha, os camaradas primeiro assumiram o controle da LPYS (Juventude Trabalhista) em 1970, e depois de vários círculos eleitorais trabalhistas. A tática foi tão bem-sucedida que, na década de 1980, nossa organização liderou a cidade de Liverpool e teve três parlamentares a nível nacional (Terry Fields, Dave Nellist e Pat Wall).

O controle do LPYS permitiu-nos entrar em contato com uma série de jovens ativistas da esquerda socialista que estavam se radicalizando internacionalmente, através das reuniões da YUSOS (Internacional da Juventude Socialista). Nos anos 80, o FGCI, a juventude do PCI, também se juntou ao YUSOS.

Na Espanha, na luta contra a ditadura de Franco, desenvolveu-se uma tendência de esquerda na JSE (Juventude do Partido Socialista) liderada por Luis Osorio e Alberto Arregui que se juntaram à nossa organização (graças ao trabalho incansável de Alan Woods, que se mudou para Madrid em 1976, permanecendo lá por sete anos). Também recrutamos camaradas da juventude socialista na Alemanha e na Suécia, criando o Comit para a Internacional dos Trabalhadores (CIT) em 1974. Em 1974, o Militant tinha 600 camaradas, que se tornaram 8.000 dez anos depois.

No final da década de 1980, lideramos um movimento de massa de mais de 10 milhões de cidadãos britânicos que se recusavam a pagar o infame Poll Tax. Esse movimento derrubou Thatcher, que governou o país por 11 anos.

O colapso do estalinismo e os “vermelhos anos 90”

O Militant viu-se desempenhando num papel que foi muito além de suas dimensões organizativas. Dirigia sindicatos, conselhos de fábrica, organizações operárias precárias, etc.

A organização tinha formalmente 8.000 militantes. Era provavelmente a maior organização trotskista do mundo, mas, apesar disso, havia uma enorme desproporção entre o tamanho organizado e o objetivo estratégico da transformação socialista da sociedade, para a qual era necessário conquistar a maioria do proletariado.

Além disso, na década de 1980, as condições objetivas começaram a tornar-se mais desfavoráveis, mas vários dirigentes não perceberam isso ou inconscientemente negaram e ocultaram a questão.

Peter Taaffe e outros foram embalados em ilusões revolucionárias, mas outros camaradas como Ted Grant e Alan Woods estavam começando a entender que a situação não era tão boa quanto parecia na superfície e que muitos problemas estavam-se acumulando na organização.

Isso provocou um debate na liderança da organização com uma maioria liderada por Peter Taaffe e uma minoria cujos principais líderes eram Ted Grant e Alan Woods.

Taaffe, como secretário-geral, pensou que poderia resolver as contradições abertas com um esforço voluntarista, avançando hipóteses extremamente otimistas sobre a situação objetiva (falava-se dos “vermelho anos 90”).

Ted Grant e Alan Woods, por sua vez, alertaram a organização sobre as consequências que essa exposição ao movimento social estava produzindo (rebaixamento do nível teórico e político, grupos de base cada vez menos participativos, tendências economicistas e movimentistas). Numa palavra, o movimento estava sendo construído às custas da organização. Atalhos organizacionais foram procurados para resolver problemas políticos.

Assim, as tendências “zinovievistas” desenvolveram-se. Este termo refere-se ao papel desempenhado por Zinoviev, presidente da Internacional Comunista, que após a morte de Lenin usou métodos administrativos para resolver disputas políticas e que se caracterizou por um estilo de liderança duro e autoritário com o qual, em vez de convencer os camaradas como era normal nos dias de Lenin e Trotsky, ordens eram dadas e decisões eram impostas de cima.

A derrota dos mineiros em 1985, uma das mais graves do movimento operário, não foi totalmente reconhecida pelo Militant (que falava de “empate”), e Taaffe nem sequer tomou nota de outras derrotas que ocorreram no resto do mundo (da FIAT na Itália em 1980, à de funcionários públicos na França, ou de controladores de tráfego aéreo nos Estados Unidos, etc.).

A quebra da bolsa de valores da Segunda-feira Negra em outubro de 1987 foi vista como prova de que estávamos caminhando para uma profunda crise do capitalismo, uma crise de superprodução como a hipotetizada por Marx, que logo abriria o caminho para novas situações pré-revolucionárias.

Afinal, não havia 8.000 bolcheviques como nós em fevereiro de 1917?“, foi a declaração fatal feita numa reunião por Bob Labi, um líder da maioria. Esquecendo um pequeno detalhe, a saber, que os bolcheviques tinham sido a organização tradicional e de massas do proletariado russo mesmo antes da guerra.

O fato de que na Espanha (a segunda seção da Internacional) uma organização tão pequena quanto a nossa (tínhamos cerca de mil militantes) liderasse um movimento de milhões de estudantes em 1987 e um ano depois, em 14 de dezembro de 1988, havendo uma das greves gerais mais importantes da história espanhola, com a participação de 10 milhões de trabalhadores, só acendeu o entusiasmo.

Esses eram fatores em contraste com uma situação objetiva que estava indo na direção totalmente oposta. A ideia de Taaffe de lançar, a partir de nossas forças, novos partidos operários abandonando o entrismo foi absolutamente equivocada. Gerou ilusões inúteis e foi por isso que Ted Grant e Alan Woods se opuseram a ele, certamente não porque acreditassem que naquele momento o entrismo poderia dar resultados significativos.

O golpe na URSS e o colapso do stalinismo

Mas o debate central foi o do estalinismo. O colapso do Muro de Berlim (1989) e da URSS (ocorrido entre agosto e dezembro de 1991) mudou definitivamente a balança em favor do capitalismo, que não apenas viu novos mercados potenciais de centenas de milhões de consumidores abrirem-se diante dele, mas também devido aos inevitáveis efeitos políticos de desmoralização que isso teve sobre a maioria dos ativistas comunistas.

A crise foi adiada pelo menos vinte anos (2008) e isso representou uma lufada de ar fresco para o sistema capitalista. Que atitude as duas frações do CIT tiveram sobre esta questão?

Alan Woods e Ted Grant escreveram um texto intitulado: A verdade sobre o golpe. Durante o golpe de 1991 na Rússia, por um lado, havia um componente estalinista liderado por Ianayev, por outro, um movimento de protesto pró-capitalista liderado por Yeltsin.

Num artigo publicado no Militant em 22 de agosto de 1991, a palavra “povo” foi repetida 13 vezes, falava do “poder do povo”, do “povo soviético”, do “povo russo”. O que chamou a atenção nesses artigos foi a absoluta falta de conteúdo de classe. Na realidade, a questão era que a classe estava quase completamente ausente nessas manifestações: apenas a greve de duas fábricas em Leningrado e uma parte dos mineiros de Kuzbass e Vorkuta foi registada.

A maioria taaffista ficou do lado de Yeltsin, o que equivalia a aliar-se à contrarrevolução, a minoria clamou por uma ação independente do proletariado, o que não significava apoiar o golpe estalinista, mas promover uma mobilização operária independente dos dois setores em luta.

Citamos A verdade sobre o golpe:

os autores trazem ainda outra consideração profunda: que esses desenvolvimentos (a queda dos regimes estalinistas, ndr.) removem um grande obstáculo à politização da classe trabalhadora americana e à disseminação de ideias socialistas. Esfregamos os olhos em descrença. O derrube do estalinismo, em si, de forma alguma predispõe os trabalhadores americanos a aceitar as ideias do socialismo. O que importa é quem o derruba e com que propósito. Esta declaração sobre os trabalhadores dos EUA, mais do que qualquer outra coisa, demonstra a total falta de compreensão da fração majoritária.

Se a burocracia tivesse sido realmente derrubada por um movimento revolucionário da classe, isso teria tido um efeito extremamente revolucionário na psicologia dos trabalhadores, não apenas nos EUA, mas em todos os lugares.

Mas o fato de que o derrube foi realizado pelas forças da contrarrevolução burguesa teve o efeito oposto. Como pode a vitória de Yeltsin e dos gângsteres pró-capitalistas “predispor os trabalhadores americanos a aceitar as ideias socialistas”? Simplesmente reforçará a propaganda burguesa, segundo a qual “o socialismo acabou”, “a nacionalização não funciona” e “a economia de mercado é o único sistema possível”.

Um erro retumbante, mas os taaffistas não foram a única organização trotskista a cometê-lo. Os morenistas na Argentina ou os lambertistas na França, grupos de tamanho considerável (cerca de 6.000 militantes), confundiram a contrarrevolução capitalista com a revolução política ou com uma “revolução democrática” não especificada.

Lambert em 1984 desenvolveu a “linha da democracia” e Moreno fez o mesmo nos famosos seminários de meados dos anos 80 nos quais questionou a teoria da revolução permanente de Trotsky para apoiar o conceito de “revolução democrática”. Nem estamos falando do Secretariado Unificado e da LCR francesa, que viu na Perestroika de Gorbachev um processo de autorreforma do estalinismo.

Todas essas organizações que tiveram um certo peso nos anos 80 pagaram muito por esses erros.

Eventualmente, Ted Grant e Alan Woods foram expulsos do CIT em 1992 e tiveram que reconstruir a organização do zero. Em 1992 nasceu em Tarragona a Corrente Marxista Internacional, à qual se juntariam quase todas as seções espanholas, italianas, paquistanesas e mexicanas e frações minoritárias da Suécia, Alemanha, Grécia, França e Dinamarca, além da minoria britânica. Começamos de novo.

Depois de um longo processo de definição política e teórica que durou trinta anos [do qual trataremos em artigos futuros], acumularam-se o capital teórico e político e a experiência necessária que será fundamental para que a nova Internacional Comunista Revolucionária se torne um fator decisivo na construção desse sujeito internacional e de massas, sem o qual será impossível abrir o caminho para a derrubada do capitalismo e a construção de uma sociedade comunista.

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