A invasão de Gaza: O que significa? (Parte II) Portuguese Share Tweet Portuguese translation of The invasion of Gaza: what does it mean? – Part Two (January 8, 2009) O Hamas está sob intensa pressão para aceitar as exigências internacionais de um cessar-fogo. E depois do feroz bombardeio sofrido, parecem estar mesmo dispostos a um cessar-fogo, incluída a paralisação do lançamento de foguetes sobre Israel. Quanto a Israel, não é provável que conclua a guerra agora. Está exigindo não somente que o Hamas deixe de disparar foguetes, mas que também aceite Israel, que renuncie à violência e adira aos anteriores tratados de paz dos palestinos. Em outras palavras, está exigindo uma rendição incondicional. Cedo ou tarde, a luta terminará e haverá nova movimentação para um acordo. A probabilidade de algum tipo de acordo entre a Síria, o Irã e os EUA, antes do final da guerra, deve ser motivo de preocupação para a liderança do Hamas, que depende muito do apoio financeiro e militar de Damasco e de Teerã. Os iranianos ganharam reputação de amigos dos palestinos. Mas toda a história demonstra que o povo palestino não pode ter nenhuma fé na amizade dos governos estrangeiros, porque, como alguém disse em certa ocasião, os países não têm amigos, têm somente interesses. Se os interesses da Síria e do Irã entram em conflito com os interesses dos palestinos, não é difícil saber o que farão. Este medo da parte da direção do Hamas poderia ser perfeitamente a razão de seu comportamento durante estes últimos meses. Das declarações públicas de alguns membros do Hamas é óbvio que eles esperam que o sofrimento palestino desperte a consciência mundial e reúna ao seu lado os muçulmanos. Neste sentido, o conseguiram. Mas, se imaginam que isto será suficiente para obrigar Israel a recuar, estão seriamente equivocados. Uma vez começada a ofensiva, Israel não vai retroceder, não importa quantas manifestações sejam celebradas ou quantas missões de paz da UE sejam enviadas. Todos estes elementos devem ter determinado as táticas do Hamas, que, de outra forma, pareceriam suicidas. Organizaram lançamentos de foguetes contra Israel e sustentaram uma bateria de acusações contra o Fatah. No inverno passado, organizaram a dramática ruptura da fronteira de Gaza com o Egito, para anunciar a miséria de Gaza e despertar a população do Egito em seu apoio. Este movimento não foi avaliado pela camarilha dominante egípcia que está enfrentando um crescente descontentamento popular como resultado do aprofundamento da crise econômica e da queda dos níveis de vida. Impactos nas relações mundiais As conseqüências desta guerra para a política exterior norte-americana serão de longo alcance. Este não é um 11 de setembro! Na nova situação mundial, os EUA não podem conseguir já os seus objetivos sem o apoio de sócios regionais, bem como da China, da Europa e da Rússia. Por essa razão, haverá diferenças significativas entre a política exterior de Obama e a de Bush. Mas, em política exterior, uma coisa leva à outra. Para conseguir o apoio da Rússia, que os EUA consideram tão vital para os seus interesses no Oriente Médio, haverá necessidade de que Washington esteja disposto a ter também em conta os interesses russos. Isto provavelmente significará que os EUA congelarão os planos para o sistema de mísseis de defesa na Europa, com a condição de que a Rússia desacelere o programa nuclear iraniano. Igualmente, a expansão da OTAN, que inclui a Geórgia e a Ucrânia, seria desacelerada. Já que nenhuma das coisas afeta os interesses vitais das grandes potências, estes “sacrifícios” podem ser feitos facilmente, da mesma forma como se sacrifica um peão inútil em um jogo de xadrez. No mesmo sentido, devem ser feitos “sacrifícios” no Oriente Médio. O fato de que David Miliband, secretário de exterior britânico, visitasse recentemente a Síria foi uma sinalização de que já se encontra em marcha a maquinaria diplomática. A razão é bastante clara: Washington quer sair do Iraque deixando o mínimo de caos. Deve proteger sua retaguarda e para isto requer a colaboração da Síria e do Irã. Mas seria embaraçoso para Bush admitir que esteja falando com um “estado terrorista”, por isso enviou seu funcionário de Londres. De sua parte, os sírios e os iranianos estão ansiosos para ver tão logo quanto seja possível a saída dos norte-americanos e lhes agradaria, se possível, obter melhores relações com o gigante transatlântico com a possibilidade de se iniciarem relações comerciais e investimentos. Demasiado débil para fazer a guerra, a Síria demonstrou ser suficientemente forte para negar a paz a seus vizinhos, como vimos em sua intromissão no Líbano. Mesmo as mentes mais espessas em Washington começam a ficar conscientes de que a possibilidade de dialogar com a Síria poderia provocar menos dano que mantê-la como inimigo. Até mesmo o ainda primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, o compreendeu. Segundo Aluf Benn, um colunista do diário israelense Haaretz, Olmert tentou numa reunião recente convencer Bush de que as Colinas do Golan poderiam ser um preço válido de se pagar por uma mudança importante no alinhamento estratégico da região. A Síria recentemente aproximou-se da Turquia, que mantém o olho fixo sobre os acontecimentos no Iraque, sobretudo na zona curda do norte, que se encontra ao lado de sua fronteira e serve de base ao PKK. Segundo The Economist: “A Síria, explicava Olmert, está sentada no centro de dois eixos, um deles vinculando o Irã com o Hamas via Hezbollah; o outro vinculando potências ‘pragmáticas’ como a Turquia, a Jordânia, o Egito e a Arábia Saudita. Uma mudança da Síria debilitaria de maneira dramática os extremistas, foi o que disse o líder de Israel para concluir”. A economia síria está tendo perdas devido ao colapso das reservas de petróleo e dos preços mundiais. Necessita de investimento estrangeiro para resolver o desemprego que oficialmente está calculado em mais de 20%. A Síria é um estado secular e seus líderes temem a crescente influência dos grupos islâmicos que patrocina no exterior. Uma onda de apoio ao Hamas dentro da Síria não seria uma boa notícia para ela, tanto quanto para os líderes do Egito e da Arábia Saudita. Não é necessária demasiada imaginação para se ver que no futuro sua atitude poderia mudar, se os termos estiverem corretos. O caso do Irã é ainda mais claro. O regime iraniano enfrenta acontecimentos revolucionários que já analisamos em artigos anteriores. A queda dos preços do petróleo está afetando duramente sua economia. Já houve uma onda de greves e de protestos estudantis. O regime de Ahmadinejad evidentemente está dando seus últimos suspiros e a classe dominante busca substituto. Um acordo negociado com Washington seria muito vantajoso. Como isto afeta os palestinos e Israel? A história proporciona-nos muitos exemplos em que os direitos das pequenas nações são utilizados como moeda de câmbio das Grandes Potências que jogam alegremente com eles sem sequer consultá-las. Quando os diplomatas profissionais se sentarem para conversar, tudo na mesa será passível de ser substituído e tudo será objeto de negociação, inclusive o destino dos palestinos. Como sempre, são peões da grande diplomacia e podem ser sacrificados muito facilmente. Os palestinos devem ter isto em mente e não depositar nenhuma confiança na boa vontade de sequer seus mais fervorosos “amigos” nos governos estrangeiros. Sobre a questão palestina até agora a Síria e o Irã apresentaram-se como os seguidores mais intransigentes da linha dura e apoiaram o Hamas e o Hezbollah com dinheiro e armas. Os estadunidenses e os israelenses fazem objeções a esta situação. Como poderemos resolver este problema? Vejamos... Israel possui as Colinas de Golan, que a Síria deseja recuperar a todo custo desde 1967. “Por que não nos dão as Colinas de Golan?”, dirão os sírios. Ao que responderão os norte-americanos meneando a cabeça: “De nosso lado ficaríamos encantados, mas nossos amigos israelenses farão objeções porque é uma questão de sua segurança”. “Só isso?”, responderão os sírios. “Mas poderemos ajudá-los na questão da segurança. Não esqueçam que somos nós que pagamos uma grande parte da fatura do Hamas e do Hezbollah”. Neste ponto, o delegado iraniano começa a expressar o seu desgosto: “Os direitos de nossos irmãos palestinos são inegociáveis”, protesta com um murro na mesa. Mas depois de algumas horas (semanas ou meses), os iranianos recuperarão a boa vontade quando os norte-americanos apresentarem todo um pacote de propostas econômicas de negócios comerciais e de investimentos no Irã. “Chegou na hora”, diz o delegado iraniano, “exatamente quando a queda do preço do petróleo está a nos provocar muitos apuros. Quiçá, afinal, deveríamos ser um pouco mais flexíveis com a questão palestina”. “Sim, diz o delegado norte-americano, com um sorriso amplo, “não esqueçamos que quando nos retirarmos vossos rapazes controlarão a metade do Iraque. Afinal, esta não é uma má negociação”. Este diálogo, naturalmente, é fictício. Mas ninguém deve pensar que este tipo de coisas não sucede no mundo secreto da diplomacia onde os princípios são nada e o cálculo cínico é tudo. Naturalmente, nem uma palavra desses acordos secretos será conhecida até décadas depois, quando algum alto diplomata escrever suas memórias. Nos próximos meses, eles darão a impressão contrária: que as negociações são muito difíceis, que Teerã e Bagdá são muito teimosos (sempre é necessário ser sóbrio, sobretudo no Oriente Médio, onde é forte a tradição do regateio). As conversações provavelmente serão rompidas em mais de uma ocasião, depois serão retomadas. O momento de se chegar a um acordo depende de muitos fatores. Mas, cedo ou tarde, será alcançado um acordo, porque interessa a todos os lados que seja assim. Porém na política do Oriente Médio nada é simples. De tudo isto pode surgir complicações. As eleições de Israel, em fevereiro, poderiam dar lugar a um governo contrário a qualquer concessão. Benjamin Netanyahu era até recentemente o favorito para ganhar as eleições, embora isto afete o que pode suceder em Gaza. Seu partido de direita, o Likud, em geral se opõe à retirada dos assentamentos judeus da Cisjordânia. E a extrema direita do partido fortaleceu sua posição nas primárias de 9 de Dezembro. Moshe Feiglin, que lidera a ala mais direitista, dirige um site que nega o direito de nacionalidade aos palestinos e pede a Israel que anexe a Cisjordânia. Este tipo de coisa poderia empurrar a Síria e o Irã a apoiar a política de “rejeição”. Mas no longo prazo terão que negociar. Em qualquer caso, o novo governo israelense - quem quer que o encabece - terá que tratar não com George W. Bush, mas com Barack Obama, cuja agenda para o Oriente Médio é algo diferente a do seu predecessor. Como os EUA subvencionam Israel, Obama terá uma influência considerável para exercer pressão. A única coisa que pode alterar totalmente este cenário é o movimento revolucionário das massas no mundo árabe e no Irã. A invasão de Gaza pôs em movimento forças que não serão detidas facilmente. Este é um fator que os políticos e diplomatas não podem controlar com seus habituais métodos de suborno, engano e intriga. Em última instância, essa é a única esperança para o povo da Palestina e do mundo inteiro. Guerra e revolução Embora tenha levado uma surra, quanto mais tempo permanecer o exército israelense em Gaza, mais possibilidades encontrará o Hamas para devolver o golpe. Até ontem, o Hezbollah somente tinha oferecido apoio retórico. Não obstante, os últimos lançamentos de foguetes contra o norte de Israel poderiam indicar que o conflito poderia escapar do controle. Como informava a BBC: “Os foguetes foram disparados a partir do Líbano para o norte de Israel, despertando os temores de que a ofensiva israelense em Gaza poderia se estender. O exército israelense respondeu com fogo de artilharia a uma bateria com pelo menos três foguetes. Nenhum grupo reivindicou a autoria”. O mesmo informe continua explicando que: “Os ataques com foguetes do Líbano provocaram preocupações sobre uma guerra mais ampla (...) não ficou claro se os foguetes foram disparados pelo Hezbollah ou por um dos grupos armados palestinos que opera no Líbano. Se o Hezbollah organizou o ataque existe o risco grave de uma enérgica reação israelense, disse nosso correspondente. Os palestinos no Líbano não têm capacidade para realizar uma guerra com Israel, mas o Hezbollah tem”. Israel evidentemente está ansioso de que Hezbollah tenha a tentação de participar. Se o fizer, no contexto atual, o exército israelense teria que responder com dureza. Este é um cenário muito preocupante para as potências imperialistas, em particular as européias temem esse cenário. Se o Hezbollah vai ser arrastado ao conflito o veremos nos próximos dias. Enquanto isso, dentro de Israel, também, esta guerra terá sérias conseqüências quanto mais se prolongue no tempo. O objetivo da guerra é marginalizar o Hamas, debilitá-lo e, se possível, destruí-lo. Este objetivo é bem acalentado, secretamente, pelos regimes árabes “moderados”. Tampouco deixa Abbas sem dormir, exceto pelo fato de que o ataque sobre Gaza provocou fúria na Cisjordânia. Os chamados regimes árabes moderados foram extremamente comedidos em suas condenações. Na realidade, aos governantes do Egito, da Arábia Saudita e da Jordânia não lhes desagradaria muito se o Hamas desaparecesse da face da Terra, embora estes governantes não se atrevam a admitir tal coisa em público. Os pacifistas pequeno-burgueses somente vêem os horrores da guerra, mas são incapazes de ver o outro lado da imagem. A história demonstrou em muitas ocasiões que as guerras podem levar à revolução. Contudo, quando terminar a invasão de Gaza, uma coisa é segura: Cedo ou tarde, haverá acontecimentos revolucionários no mundo árabe que levarão à derrubada de um regime corrupto após o outro. Todos estes regimes reacionários pendem por um fio. Vivem com o medo constante de que a pobreza e o descontentamento das massas possam explodir, levando a uma derrubada revolucionária. A crise econômica mundial que levou ao colapso dos preços do petróleo intensificou esta ameaça. A situação atual levará a um processo de mais radicalização em todo o Oriente Médio. Os trabalhadores e os estudantes que saem às ruas para protestar contra a invasão de Gaza não protestam somente contra o tratamento cruel que os palestinos recebem. Protestam também contra a inatividade de seus próprios governantes, contra a cumplicidade com Washington e, portanto, com Israel, contra seus estilos de vida luxuosos que contrastam de forma tão brutal com a miséria das massas. Em um editorial publicado por The Financial Times (17/12/2008), expressava-se sua preocupação com a estabilidade dos regimes árabes: “As marolas nestas regiões podem se converter facilmente em ondas. Os líderes do Egito, da Arábia Saudita e da Jordânia, aliados dos EUA, inicialmente felizes ao verem como Israel golpeava o Hezbollah ou o Hamas, rapidamente podem mudar de tom tão logo seus povos se reúnam sob a bandeira dos militantes. Sua legitimidade e sobrevivência estão em jogo”. No Egito, onde inclusive antes da guerra existia um sério mal-estar, a polícia deteve dezenas de ativistas que tentavam enviar comboios de alimentos e remédios à Gaza; pela Internet, os organizadores convocaram uma greve geral de apoio à Faixa. Houve manifestações de massas no Líbano e a embaixada dos EUA em Beirute foi atacada. Houve uma manifestação de massas em Istambul e outras grandes manifestações na capital da Jordânia, na Cisjordânia e por todo o Oriente Médio, na Indonésia, na capital do Afeganistão, Kabul, em Srinagar, no lado da Caxemira controlado pela Índia. Na cidade nortenha de Israel, Sajnin, dezenas de milhares de palestino-israelenses protestaram contra a ofensiva de Israel. Atualmente, a maioria dos judeus israelenses permanece passiva ou apóia a ofensiva, confundidos pela propaganda sobre uma guerra defensiva. Mas de acordo com a continuação da guerra e com o aumento das baixas, isso pode mudar. Já há sintomas de diferenças na classe dominante israelense. Um antigo chefe do Mossad disse que o Hamas deveria ser incluído nas futuras negociações. Isto é um indicativo das dúvidas crescentes que existem na camada dirigente. Se os foguetes do Hamas continuam caindo sobre Israel, mesmo em número reduzido, começarão os questionamentos em Israel e em outros lugares sobre o que se conseguiu realmente, sobretudo se a lista de mortos entre as tropas israelenses e civis palestinos começar a ser ainda mais grave. Os governantes do Oriente Médio têm razão para temer o potencial revolucionário das massas, porque este já estava implícito na situação antes destes acontecimentos. Agora, está chegando ao ponto de ebulição. Os governos árabes, embora furiosos com o Hamas, sofrerão pressões devido à fúria nas ruas para que tomem medidas; e, se não o fizerem, poderiam enfrentar sua derrubada. Por isso, alguns, como Gordon Brown, querem a paz tão logo quanto seja possível, porque as guerras significam instabilidade e a instabilidade pode ocasionar resultados que não sejam do agrado de Londres ou de Washington. Está sendo preparada uma traição É impossível compreender os acontecimentos em Gaza fora deste contexto. O objetivo dos israelenses é pulverizar o Hamas, para debilitá-lo frente ao Fatah, de cujos serviços necessitarão no próximo período. O Hamas está tentando desesperadamente ganhar a simpatia das massas árabes para não ficar totalmente isolado. E ambos os lados estão enviando uma mensagem àqueles que estão preparados para chegar a um acordo às suas costas. Com Abbas, os líderes estão tentando chegar a um acordo com Israel. Ainda se fala da criação de um estado palestino independente no território atualmente ocupado por Israel. Mas como este pode ser estabelecido? No momento em que passamos das generalizações e das declarações piedosas aos fatos desnudos, os problemas emergem. Em dezembro de 2007, quando Bush organizou a farsa da conferência de Anápolis, escrevi o seguinte sobre este tema: “O lema do governo israelense é: o que temos, mantemos. Os sionistas não têm intenção de fazer nenhuma concessão importante. O Hamas alardeava que tinha expulsado o exército israelense de Gaza, o que é uma piada. A retirada israelense de Gaza é um movimento tático para silenciar as críticas internacionais e para dar a impressão de que eles estavam cedendo algo importante, quando, na realidade, não têm nenhum interesse em Gaza. O que pretendem é fortalecer seu domínio sobre a Cisjordânia, que é a questão decisiva. Os israelenses continuarão construindo, sem descanso, o monstruoso muro que divide o território palestino na Cisjordânia, arrebatando grandes pedaços de terra com o pretexto da ‘defesa’. Os colonos são cada vez mais audazes e insolentes. Depois dos incidentes em Gaza, nenhum governo israelense vai querer enfrentar os colonos na Cisjordânia. Além disso, está o pequeno problema de Jerusalém, que tanto os judeus quanto os árabes pretendem que seja sua capital sagrada. Quanto ao direito de regresso dos palestinos expulsos de suas casas desde 1948, Israel não aceita sob nenhum conceito seu regresso, já que alteraria completamente o equilíbrio demográfico do ‘estado judeu’.” (Alan Woods, Oriente Médio, Anápolis e o problema palestino: conversas e mais conversas – 6/12/2007). Como resolver estes problemas? A esta pergunta, a diplomacia nunca deu uma resposta satisfatória. Para os israelenses, este desafio somente tem se expressado na eloqüente linguagem das bombas, dos foguetes e da artilharia. E que dizem os palestinos? Não têm nada a dizer, porque não serão convidados para estas negociações. As pessoas que lutaram e deram seu sangue na luta por seus direitos verão que seu destino será decidido por governos estrangeiros que somente estão preocupados com seus estreitos interesses nacionais. Quando todas as questões fundamentais forem decididas, haverá uma conferência do Oriente Médio, com a participação de todos os já bem conhecidos “amigos da Palestina”: o Egito, a Jordânia, a Arábia Saudita e outros. Abbas, então, será convidado, não para decidir alguma coisa, mas como um convidado no último dia do julgamento para escutar a sentença. Quanto ao Hamas, será ou não convidado dependendo de seu bom comportamento. Em qualquer caso, não representará a menor diferença para o resultado. Um beco sem saída O dever elementar de todo internacionalista proletário é defender os palestinos contra a violência do imperialismo israelense. Mas também é do nosso dever dizer as coisas como elas são: as táticas dos atentados suicidas e do lançamento de foguetes contra cidades israelenses são contraproducentes e inúteis. Não representam a luta armada porque sequer machucam a armadura do estado israelense; pelo contrário, fortalece-a empurrando para o seu lado as massas israelenses. Grande parte da atração exercida pelo Hamas procede de sua imagem de resistência à ocupação. O Hamas ganhou as eleições em 2006 porque as massas estavam cansadas da corrupção dos líderes da OLP e de sua conivência com Israel. Mas se colocarmos a questão em termos puramente nacionalistas (judeus contra árabes), então não será possível nenhuma solução para a questão palestina. Não é possível resolver o problema do povo palestino mediante táticas como os atentados suicidas ou o lançamento de foguetes sobre cidades e povoados israelenses. Os métodos defendidos pelo Hamas foram os utilizados pela OLP durante quarenta anos e que somente levaram a uma derrota sangrenta depois de outra. Nenhuma simpatia pelo sofrimento dos palestinos pode alterar este fato. Qual será o resultado final da guerra? Em termos militares, o Hamas perderá massivamente. Muitos de seus quadros serão assassinados ou encarcerados. Sua infra-estrutura militar ficará destroçada. Em termos de bens físicos, Gaza ficará devastada. O dano econômico demorará anos para ser desfeito. Neste sentido, os israelenses conseguirão o que queriam. Mais sérios para Israel serão os efeitos políticos no longo prazo. Embora sofrendo um duro golpe, o Hamas não será totalmente destruído. E que terá obtido Israel? A “vitória” dos israelenses em Gaza se converterá em cinzas em sua boca. Devemos lembrar que tudo isto era para garantir a segurança. No final, o que terão ganhado é o ódio ainda maior que antes do mundo árabe. A ameaça de ações terroristas não será menor que antes, mas inclusive maior. Por cada militante do Hamas que assassinem haverá dez, vinte ou centenas de jovens, que agora são crianças cheias de amargura e ódio, que estarão dispostos a ser voluntários para missões suicidas contra Israel e seus aliados no mundo árabe e ocidental. Se esta é a idéia de criar segurança para Israel no futuro, é muito estranha! O que terá obtido o Hamas depois de toda a poeira das ruínas de Gaza? Poderiam obter algumas escassas concessões, talvez uma distensão do assédio israelense, uma abertura da fronteira do Egito, muita ajuda de seus seguidores muçulmanos e quem sabe um módico reconhecimento internacional. Seu prestígio entre os árabes até poderia melhorar. Mas permanece a questão: o que resultou da violência? Simplesmente o regresso mais uma vez ao interminável ciclo de violência, guerras e assassinatos para nada solucionar. Os gritos de indignação em Gaza pela violência de Israel momentaneamente poderia impulsionar a popularidade do Hamas, mas depois que desaparecer a emoção, o povo de Gaza poderia começar a se perguntar por que foi levado a este caos. As ações do exército israelense estão agitando todo o Oriente Médio. Terão uma nova colheita de ódio, amargura e sede de vingança. Mas as táticas de grupos como o Hamas nunca podem ter êxito. Na realidade, são totalmente contraproducentes. Os líderes do Hamas dizem: “Como parte mais débil temos o direito de utilizar qualquer método à nossa disposição para derrotar nossos opressores”. A isto, respondemos: “Sim, tens este direito e compreendemos que os métodos do terrorismo e da guerra de guerrilhas sempre são o recurso do mais débil contra o opressor mais forte”. Para os soldados profissionais estes métodos guerrilheiros sempre estão condenados. Na antiguidade o pastor Davi usou sua funda para matar o gigante Golias e, sem dúvida, os generais filisteus consideravam que era um método injusto e bárbaro que não se ajustava às regras da guerra. Mas mediante o uso deste simples, mas efetivo método, Davi venceu e Golias perdeu a cabeça. Tudo isto é certo, mas também devemos dizer: um bom general somente fará uso destes métodos se forem conseqüentes com seus objetivos estratégicos e provavelmente exitosos. Somente um mau general fará uso de métodos que não levam à vitória, mas que garantem a derrota. E os métodos utilizados pelo Hamas somente podem levar à derrota e a ajudar o inimigo. Por essa razão, opomo-nos a estes métodos. Se os métodos do Hamas não conseguiram beneficiar os palestinos, também os métodos dos imperialistas israelenses fracassaram para o povo de Israel. Todas as tentativas de Israel para garantir a segurança pela força tornaram-se contraproducentes. A ocupação do território palestino depois da guerra dos seis dias de 1967 intensificou o conflito com os palestinos. Sua invasão do Líbano em 1982 levou à criação de sua Nêmese, o Hezbollah. Sua guerra de 2006 contra o Hezbollah minou o governo pró-ocidental de Beirute. A atual agressão a Gaza desacreditou Mahmoud Abbas, o moderado presidente palestino. A segurança é uma miragem constantemente esgrimida pelo punho de Israel e o futuro do Estado de Israel sempre terá sobre si um sinal de interrogação. Da mesma forma, toda tentativa de derrotar Israel por meios militares terminou reforçando o reacionário sionismo. Do fracasso da chamada luta armada, Abbas e os líderes do Fatah chegaram à conclusão de que a única alternativa é negociar com Israel e ganhar a boa vontade dos imperialistas. Mas já vimos a que levou estes métodos durante a última década. Significa negociar a rendição e vender a causa da autodeterminação nacional palestina. Nem o Hamas, nem Abbas, portanto, oferecem uma saída. Qual será o resultado das negociações sobre um “estado palestino”: a “solução dos dois estados”? Esta solução depende de uma só coisa: o acordo de Israel (que, afinal, será um dos dois estados e não o mais débil deles). Com que concordará Israel? Poderiam aceitar alguns ajustes da fronteira atual com a Cisjordânia. Poderia permitir certa abertura da fronteira com Gaza (que podem fechar a qualquer momento). Poderiam impor algumas restrições à construção de novos assentamentos judeus no território palestino e poderiam, inclusive, desmantelar alguns dos já existentes. Não podem entregar Jerusalém, que consideram sua capital, embora pudessem chegar a algum tipo de acordo compartilhado. Nem permitirão o regresso dos refugiados ao Israel autêntico, embora possam permitir que alguns entrem no território palestino. Isto é o melhor que podem esperar os palestinos sobre a base atual: um pseudo-estado truncado, que será economicamente dependente de Israel, cuja presença continuará aí como uma sombra obscura e ameaçadora. O controle deste “estado” será confiado somente àqueles líderes palestinos como Abbas, que está disposto a agir como um títere de Israel e que reprimirá impiedosamente qualquer grupo palestino dissidente. Em outras palavras, será uma “solução” similar a que o imperialismo britânico impôs em 1922 sobre os irlandeses. Isso levou a uma guerra civil sangrenta na Irlanda onde morreram muito mais irlandeses do que os que foram assassinados pelos britânicos. O mesmo pode acontecer com os palestinos no futuro, como vimos na guerra civil em Gaza em 2007. Alguns palestinos poderiam aceitar isto, enquanto outros, sem dúvida, o rejeitariam, levando a novos conflitos e derramamento de sangue. Tomem o caminho revolucionário! Napoleão disse que os exércitos derrotados aprendem bastante. Todas as derrotas, sacrifícios e martírios não servirão para nada a menos que estejamos dispostos a aprender deles e os aproveitarmos. Se apenas olhamos o atual caos sangrento em termos sentimentais e moralistas, como ocorre com freqüência, nada ganharemos com isto. Nossa tarefa, conforme as palavras de Spinoza, é: nem rir, nem chorar, nem desesperar, mas compreender. Em última instância, tanto os judeus quanto os árabes têm o direito de viver em paz e de controlar o seu próprio destino em sua própria pátria. É fácil proclamar este objetivo, mas não é fácil de dizer como se pode conseguir. O chamado processo de paz está morto. Não há dúvida que se recuperará, mas não até que o exército israelense tenha concluído minuciosamente o seu sangrento trabalho em Gaza. Podemos prognosticar que depois da guerra haverá um acordo depois do outro, que serão rompidos um depois do outro. Nada disto resolverá os problemas dos palestinos. Nem garantirá a segurança para o povo de Israel. Contudo, há uma solução para o problema palestino e que não são os atos inúteis do terrorismo nem as traições diplomáticas. Os acontecimentos em Gaza assemelham-se à centelha que incendeia um prado seco. Provocou uma onda de protestos de massas que sacudiu todos os regimes existentes no Oriente Médio. O potencial revolucionário implícito nestes movimentos foi reconhecido instantaneamente pelos estrategistas do capital. The Economist escrevia o seguinte: “Mas, a menos que os atuais protestos de rua furiosos acendam uma revolução regional que dê um susto de morte em Israel e seus amigos, o Hamas ainda enfrentará a velha e dolorosa escolha de como levar a um acordo um inimigo imensamente mais poderoso e igualmente decidido”. Estas palavras expressam excelentemente a essência do problema. Que significam? A burguesia inteligente compreende que a questão palestina pode agir como um catalisador de toda a frustração acumulada, raiva e descontentamento das massas no Oriente Médio. Por essa razão, está constantemente suplicando pela paz, pelo cessar-fogo, pelos acordos e pela moderação. A burguesia inteligente pode ver o que vemos nós, os marxistas: que uma revolução regional está implícita na situação. Esse é o ponto de partida para o êxito da revolução palestina, e nenhum outro. As linhas anteriores colocam a questão com muita clareza. Os palestinos enfrentam um inimigo imensamente mais poderoso e igualmente decidido. Os acontecimentos em Gaza demonstraram com clareza a impossibilidade de se derrotar este monstro por métodos puramente militares. Existe uma força ainda mais forte e mais decidida que o Estado de Israel? Sim, existe essa força. É a força das massas, uma vez organizadas e mobilizadas para a luta. Duas Intifadas demonstraram que as massas palestinas estão preparadas para lutar heroicamente. Mas em uma guerra a coragem não é suficiente para a vitória. Para isto, necessita-se de uma estratégia clara e táticas, e, sobretudo, de bons generais. Em termos revolucionários, isto significa que, para ganhar, as massas necessitam de um programa revolucionário, métodos e táticas corretas e de uma boa direção. É isto que é necessário, e é o que falta. Os atuais dirigentes palestinos não oferecem alternativa. Alguns dos líderes do Fatah na realidade não se incomodariam de ver o Hamas liquidado. Culparam o Hamas da invasão israelense! Isto provocou uma onda de repugnância entre os seguidores comuns do Fatah e na massa de palestinos da Cisjordânia, que estão questionando porque seu máximo líder adotou esta posição enquanto seus compatriotas estão sendo massacrados. Arafat, com todos os seus erros, não teria se comportado assim. Muitos palestinos estão tirando a conclusão: “Abbas é um títere de Israel”. O Hamas espera inspirar os palestinos na Cisjordânia para derrubar o Fatah. Até agora não o conseguiram. Contudo, o desacreditado Abbas poderia ser derrubado. Os palestinos não vêem o Hamas como alternativa, embora alguns jovens desesperados pudessem se voltar para o Hamas. Isso seria uma tragédia. O que faz falta não é uma nova geração de terroristas suicidas buscando vingança e martírio, mas a construção de uma alternativa de massas revolucionária viável. A primeira condição para o futuro êxito da revolução palestina está na derrubada revolucionária dos regimes burgueses reacionários do Egito, da Jordânia e da Arábia Saudita, e depois no ajuste de contas com o reacionário estado sionista. Todo o mundo árabe está em situação de fermentação. A única coisa que falta na situação é uma verdadeira direção revolucionária que defenda as idéias básicas do marxismo-leninismo. O que faz falta é encontrar uma saída deste pesadelo sangrento. No passado existiam poderosos partidos comunistas no mundo árabe, que pretendiam defender o marxismo-leninismo, embora a política stalinista das duas etapas da direção tenha levado a uma derrota depois de outra. Desde da queda da URSS, os velhos partidos comunistas deixaram de existir. Mas há muitos quadros revolucionários que estão insatisfeitos com as direções políticas existentes e procuram uma alternativa. É para estas camadas, em particular para a juventude, que nos dirigimos. Esta é a única esperança para o futuro. Aqueles que consideram que o povo de Israel é uma massa reacionária sólida nada compreendem. Se fosse esse o caso, então o futuro dos palestinos estaria perdido. Mas não é verdade. Em mais de uma ocasião as massas de Israel se manifestaram contra a brutalidade de seus próprios imperialistas e em solidariedade com os palestinos. Inclusive neste conflito tivemos os primeiros sintomas de protestos na recente manifestação contra a guerra, em Tel Aviv. Em mais de uma ocasião os trabalhadores israelenses organizaram greves e greves gerais. A luta de classes existe em Israel como em qualquer outro lugar do mundo. O que faz falta é intensificá-la e puxar o tapete sob os pés dos sionistas reacionários. A vitória da revolução socialista em um país como o Egito teria um eco importante dentro de Israel, especialmente se ela se basear num programa de internacionalismo leninista. A questão palestina é parte dos problemas gerais enfrentados pelas massas em todo o Oriente Médio. A única perspectiva real para se resolver o problema é a criação de uma Federação Socialista dos Povos da região, com total autonomia dos árabes, judeus e todos os demais povos que habitam esta região. A luta por uma Palestina livre e genuinamente democrática será ganha como parte da revolução socialista internacional. Se não for assim, nada se ganhará em absoluto. Londres, 08 de janeiro de 2009. Clique aqui para ler a primeira parte. Source: Esquerda Marxista