O CONTROLE OPERÁRIO E A LUTA PELA ESTATIZAÇÃO CONTRA A REACIONÁRIA TEORIA DA “ECONOMIA SOLIDÁRIA”

Iniciamos aqui publicação de uma série de textos sobre as lições dos marxistas nas lutas de ocupação de fábricas.

Em 01 de novembro de 2002 os operários da CIPLA e INTERFIBRA inauguravam um momento da luta de classes no Brasil ocupando a CIPLA e a INTERFIBRA, em Joinville, sc. da salvação dos empregos em duas fábricas que estavam fechando, quebradas, ao estabelecimento do controle operário sobre a produção, a luta pela estatização até a intervenção federal em 31/05/2007, preparada “em segredo de justiça” eexecutada por mais de 150 homens da polícia federal armados até os dentes com fuzis, metralhadoras, bombas, carros de combate, etc., um largo aprendizado se desenvolveu, não só entre os operários envolvidos, mas entre aqueles militantes e ativistas marxistas que organizaram estas lutas. 35 fábricas chegaram a estar sob ocupação no Brasil entre 2002 e 2005.

Em todas estas ocupações, os militantes da esquerda marxista desempenharam um papel ativo tendo de fato um papel dirigente na quase totalidade dos casos. E isso foi possível porque se apoiava na análise concreta da crise econômica que varria o mundo e o Brasil assim como na compreensão de que a luta proletária que toma a forma de ocupação de fábricas, no regime capitalista onde a propriedade privada dos meios de produção é sagrada, é parte do processo da revolução e inseparável dele. Sem um avanço da revolução é impossível manter as ocupações como atividade revolucionária por muito tempo. Ou a burguesia esmaga violentamente os que “ousaram”, ou a ação de bloqueio dos aparelhos contrarrevolucionários e as pressões do mercado levam à acomodação, ao desânimo. Muitos ativistas se desmoralizam, outros se adaptam ao mercado (a lei do valor é implacável!) para “tocar a vida” sendo tragados pela administração da fábrica. Outros resistem e se desenvolvem sobre a base da experiência, da reflexão e da análise das perspectivas da economia, da política e do movimento operário, para poder continuar o único trabalho que realmente importa: a construção da organização marxista revolucionária internacional e suas seções nacionais.

Iniciamos aqui a publicação de uma série de textos sobre as lições tiradas pelos marxistas nestas lutas de ocupação de fábricas. Novos e velhos problemas aparecem e reaparecem, questões teóricas e políticas reaparecem e também necessitam de desenvolvimento.

Serge Goulart, o autor destes textos foi coordenador do conselho de fábrica da CIPLA e INTERFIBRA, depois coordenador do Movimento das Fábricas Ocupadas e Coordenador dos diversos Encontros Latino Americanos e Pan-Americanos realizados pelos movimentos de ocupação de fábricas no Brasil, Venezuela, Bolívia, argentina, Paraguai, Uruguai, e outros. Serge Goulart é dirigente da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional (CMI) e membro da Direção Nacional do PT.

O CONTROLE OPERÁRIO E A LUTA PELA ESTATIZAÇÃO CONTRA A REACIONÁRIA TEORIA DA “ECONOMIA SOLIDÁRIA”
(A OCUPAÇÃO DA CIPLA, INTERFIBRA E FLASKÔ)

Joinville é a maior cidade de Santa Catarina e o terceiro polo industrial do sul do Brasil. Com 650 mil habitantes é uma cidade de colonização alemã, cuja língua e costumes são parte integrante da vida da população. Além de ainda ligada direta e indiretamente a muitas indústrias alemãs, Joinville tem uma forte ligação com o ABC paulista como fornecedora das montadoras de automóveis, além de uma forte indústria de motores elétricos, equipamentos domésticos e produtos de plástico domésticos e industriais. Para compreender o peso que tem o proletariado industrial em Joinville basta saber que nela existem 760 Ferramentarias (metalúrgicas que produzem ferramentas para as fábricas). O patronato de Joinville, organizado na Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ) mantém um estado de espirito de colono empreendedor autoritário e violento combinada com uma atitude de “pai”e “colaborador” dos trabalhadores de sua fábrica. É até hoje contada nos meios operários o fato de que um dos principais patrões, ex-presidente da ACIJ e presidente local do Partido Liberal (um partido aliado de Lula no governo), amarrou com correntes na bancada da máquina uma funcionária durante uma greve de sua fábrica têxtil nos anos 80.

No passado, já foi um importante centro têxtil, e o setor plástico já foi muito forte. Hoje, Joinville, passa por uma transformação em que se combinam liquidação e concentração. O principal das indústrias hoje está controlado por multinacionais (Multibrás-EUA, AMANCO-Suíça), por bancos (Tupy-Bradesco) e Fundos de Pensão (Tupy-Previ). Estes são apenas alguns exemplos. Mas, ainda é o centro de uma região industrial que se expande em diversos ramos industriais. Recentemente Acelor inaugurou uma fábrica numa cidade ao lado, São Francisco, e o Grupo Saint Gobain está abrindo outra em Barra Velha. Jaraguá do Sul há 30 km, é hoje o principal polo metalúrgico de SC. Entretanto, na cidade de Joinville, a decadência industrial continua a se fazer sentir com um crescente desemprego provocado pela quebra de setores inteiros da economia nacional e também por causa da automação industrial. É cada vez mais difícil encontrar um patrão que no fim de semana ia comer caranguejos e tomar cerveja com os “colaboradores” na Recreativa da fábrica.

É nesta situação que duas grandes indústrias, a CIPLA SA e a INTERFIBRA SA., estão hoje sob controle dos trabalhadores. Seus objetivos: salvar os 1.000 postos de trabalho, receber os salários em dia, receber as dívidas trabalhistas e previdenciárias. Há anos os proprietários não recolhiam as contribuições para a Previdência Social, nem mesmo a parte que descontavam dos salários dos trabalhadores, não mais pagavam salários em dia, enfim, não recolhiam encargos sociais e nem impostos, assim como não pagavam os fornecedores. Desde janeiro de 2002 os salários eram pagos na razão de R$30,00 a R$50,00 por semana. Sendo que 80% dos trabalhadores destas fábricas recebiam salários decerca de R$500,00.

Em janeiro de 2002, uma tentativa de greve explodiu na fábrica. Mas, sem direção e sem comando, apenas resultou em cerca de 140 demissões. A diretoria do sindicato da categoria, Sindicato dos Plásticos de Joinville, não só não ajudou, não organizou, como deu várias declarações à imprensa de que a greve era ilegal e que não havia nada que fazer pois se a situação da empresa já era difícil com a greve ia piorar. E depois fez um acordo com os patrões aceitando todas as demissões.

Nada mudou na fábrica depois disso e se tornou insuportável para os operários a continuidade daquela situação. No mesmo ano, em setembro de 2002, eles tiraram as lições da derrota de janeiro e entraram em contato com os militantes que haviam concentrado sua campanha eleitoral para deputado nas portas das fábricas e que impulsionavam o mandato de um vereador do PT. Reuniões, manifestações, passeatas e assembleias foram realizadas reunindo e aumentando as forças dos trabalhadores e sua confiança em enfrentar a patronal para defender seus direitos e suas reivindicações.

Assim em 24 de outubro de 2002, quando a greve foi deflagrada, tudo havia sido organizado de outra forma. Após várias assembleias os 1.000 trabalhadores destas duas empresas do grupo HB entraram em greve, apenas três dias antes do 2º Turno das eleições presidenciais. Um dia antes uma carta ao candidato a presidente do PT, Lula, havia sido entregue pessoalmente por uma comissão que liderava uma delegação de 90 operários ao último comício de campanha, em Florianópolis. Esta carta pedia a Lula que ajudasse a resolver a questão salvando os empregos e se solidarizava com sua candidatura.

Durante a assembleia que decidiu a greve, a diretoria do Sindicato dos Plásticos, que sob pressão dos operários “cedia” o local para as assembleias, apresentou seu parecer “jurídico”sobre a proposta de decretação da greve. Feito por escrito e exposto pelo advogado do sindicato a greve seria ilegal e não podia ser apoiada oficialmente pelo sindicato. Ignorando o parecer pelego da diretoria, a assembleia lotada decidiu por unanimidade pela greve a partir das 05h00min horas. A diretoria do sindicato, então, declara seu apoio à “decisão dos trabalhadores” e passa a acompanhar as atividades.

Durante oito dias os piqueteiros, homens e mulheres, sofreram todo tipo de pressão, tentativas de fura-greves contratados, violência policial com gases, cassetetes, etc. Mas, os piquetes só aumentavam em número e atividades. E a solidariedade popular crescia com diversas manifestações de solidariedade, em especial com doações para o fundo de greve.

Durante as negociações, o comando de greve e o sindicato conseguem o apoio dos vereadores, do Ministério Público Federal e Estadual, do prefeito e do governador eleito, Luiz Henrique da Silveira, do PMDB, além do deputado estadual Francisco de Assis e do deputado federal Carlito Mers, ambos do PT. O vereador do PT, Adilson Mariano joga um importante papel no apoio e sustentação direta da greve. É seu carro que tem o som utilizado nas manifestações.
Após inúmeras e infindáveis rodadas de negociação os patrões declararam que não tinham como pagar os salários e os débitos trabalhistas, previdenciários e fiscais. As duas empresas estavam completamente endividada, com centenas de ações judiciais, todas as máquinas e o patrimônio penhorado judicialmente. Enfim, estas duas joias da coroa industrial de Joinville, a CIPLA e a INTERFIBRA, que já chegaram a ter 9.000 operários trabalhando, estava prestes a fechar. E a greve continuava com força ampliada.

Sem saída, os patrões propuseram então passar o conjunto das ações das duas empresas para os trabalhadores entregando-lhes a propriedade em troca das dívidas trabalhistas. Em assembleia os trabalhadores decidem assumir o controle administrativo e financeiro por um período de transição de 90 dias. Neste período um levantamento será efetuado para levantar a situação real das empresas. É então eleita uma Comissão de Transição para dirigir a empresa. O objetivo do comando de greve não é transformar os operários em operários-patrões, mas ganhar tempo para definir com os trabalhadores uma orientação clara que não os leve para a armadilha das cooperativas ou da Auto-Gestão ao mesmo tempo em que impedem o fechamento da fábrica.

Ainda em greve os trabalhadores decidem assumir o período de transição com três objetivos:

  • Salvar os 1.000 postos de trabalho
  • Receber os salários em dia
  • Receber as dívidas trabalhistas e previdenciárias

Os trabalhadores então elegem uma Comissão de quatro membros para dirigir cada uma das duas empresas e retomam a produção.

Para conquistar estes três objetivos os trabalhadores decidem, em várias assembleias nas semanas seguintes, lutar para que o governo assuma as empresas (estatize) pelos créditos fiscais e previdenciários que tem a receber. A luta pela estatização é entendida como o único caminho para salvar os 1.000 empregos.

Na Câmara de Vereadores de Joinvillese constituiu uma Comissão com todos os partidos para levantar a situação das empresas e ajudar a salvar os empregos. Esta Comissão, presidida pelo vereador Adilson Mariano, do PT, faz aprovarpor unanimidade na Câmara de Vereadores, moções dirigidas aos poderes judiciários pedindo a suspensão das execuções judiciais e os leilões de equipamentos. Assim como moções à Assembleia Legislativa do Estado de SC, à prefeitura de Joinville e ao governo do Estado, pedindo que não poupemesforços para salvar os 1.000 empregos. Uma comissão de vereadores de Joinville e de diretores eleitos pelos trabalhadores, com o apoio da prefeitura, do governador eleito em 27/10/02, se encontra com as empresas estatais de Água (CASAN) e de Eletricidade (CELESC) e consegue renegociar os débitos da empresa e dos trabalhadores para manter o fornecimento de água e energia.

Uma reunião com a Executiva Estadual do PT de SC acontece e ela decide acompanhar os acontecimentos ficando de designar um membro para acompanhar o processo. A direção eleita das duas empresas tenta marcar uma audiência com o governadorem exercício Espiridião Amin, mas ela não se concretiza.

Deputados, vereadores e sindicalistas são convidados e frequentam as empresas para ver como estão funcionando. Um Conselho de Fábrica com delegados eleitos e revogáveis a qualquer momento pelos diversos setores da fábrica passa a se reunir quinzenalmente. Assembleias por turno (a fábrica funciona 24 horas com 3 turnos), assembleias gerais e reuniões por setor organizam os trabalhadores para compreender o que se passa e agir na luta comum.

A produção aumenta em 50% no primeiro mês sob controle dos trabalhadores e o refugo de peças quase desaparece. É uma demonstração do ânimo dos operários.

A luta continua em toda a cidade

A cidade toda sabe que os trabalhadores agora controlam a CIPLA e a INTERFIBRA. E nos bairros, nas escolas, praças, ônibus, todos discutem a questão com um impressionante espírito de solidariedade com os operários. Praticamente todas as famílias de trabalhadores de Joinville já tiveram ou tem alguém trabalhando numa destas duas empresas. Assim, não é Joinville que cerca os enormes muros da CIPLA, localizada quase no centro da cidade, de fato, mas é a Cipla e a Interfibra que cercam Joinville. Trabalhadores de diversas indústrias em situação difícil começam a procurar os trabalhadores da CIPLA e da INTERFIBRA para “para ver se não dá para resolver também a situação de nossa empresa”.
Com a eleição de Lulaos trabalhadores resolvem enviar-lhe uma nova carta, agora como presidente, mas com milhares de assinaturas colhidas pelos operários nos seus bairros, pedindo a Lula que assuma as duas empresas para que o governo receba suas dívidas e salve os 1.000 empregos. Pedem ainda que uma delegação seja recebida para discutir a questão.

Decidem, também, e realizam um grande Ato Público com milhares de trabalhadores no centro da cidade em 13/12/02. É um Ato que reúne um impressionante número de apoiadores, um Ato de Unidade para salvar os 1.000 empregos. Com impressionante energia os operários realizam em toda a cidade a coleta de assinaturas em terminais de ônibus, em incontáveis reuniões, em debates onde explicam sua luta, em qualquer tipo de atividades a que tem acesso, desde assembleias de moradores, encontros em escolas, em reuniões religiosas de quase todas as igrejas, nas portas de outras fábricas. É uma ação de massa e que encontra um impressionante eco de solidariedade de classe na cidade operária.

Como resultado conseguirão colher na Carta à Lula, pedindo-lhe que assuma as duas empresas estatizando-as para salvar os 1.000 empregos, mais de 60.000assinaturas só em Joinville. De outras cidades de Santa Catarina e do Brasil chegam mais 10 mil assinaturas de apoio nesta Carta totalizando mais de 70.000 adesões.

As razões da quebra

Durante este período os trabalhadores lutam com dificuldades para manter as fábricas funcionando. Elas não têm nenhum crédito, devem comprar a vista a matéria-prima e receber a prazo. Mesmo assim, com o aumento da produtividade e a demissão de diretores ligados aos antigos patrões, foi possível que os operários recebessem em novembro e dezembro, os doissalários integrais, o que não acontecia desde janeiro de 2002.

Desde que assumiram o controle os trabalhadores se depararam com uma campanha de calúnias por parte dos ex-patrões que visava desacreditar o movimento grevista e demonstrar a incapacidade dos trabalhadores de dirigir as empresas e organizar a produção, a comercialização, enfim, a administração das empresas. O que podia parecer um contra-censo, ou uma contradição, era na verdade uma ação política preventiva de toda a patronal de Joinville frente à possibilidade do “vírus” do controle operário “contaminar” a classe operária e passar a ser uma “saída” natural para as quebras e falências, em sua maior parte fraudulentas, e demissõesem massa. Esta campanha foi respondida por assembleias e por boletins distribuídos aos milhares de forma muito firme pelos trabalhadores. Mas nunca cessou e, de tempos em tempos, ressurge de uma ou outra forma. A maior parte das vezes reaparecendo na voz e articulações de dirigentes políticos e parlamentares ligados ao governo federal em reuniões e atividades partidárias ou nas tentativas de desestabilização do trabalho da direção eleita através de ações ou intrigas de funcionários que eram ligados de alguma forma com os ex-patrões ou que furaram a greve, mas foram poupados pelos trabalhadores.

Um dos aspectos importantes do combate político levado contra a atividade prática da Comissão de Transição e a orientação de luta pela estatização é apregoar o tempo todo a incompetência e desonestidade dos antigos proprietários. Estes dois aspectos que são de caráter pessoal buscam na verdade ressaltar a quebra e o tratamento dado aos operários como umproblema particular, individual, de certos patrões. Na verdade, havia um aspecto aventureiro e mesmo uma tendênciaa buscar soluções fraudando o fisco, enganando os trabalhadores e fornecedores. Entretanto, este traço de caráter não é “particular”, ele está presente e é na verdade o traço dominante do caráter da burguesia semicolonial do Brasil e de todo o mundo. Aliás, hoje, em todo o planeta a dominação do capital financeiro transforma cada dia mais a classe capitalista em máfia inescrupulosa que age como gangster frente a qualquer ameaça ao seu patrimônio. Esta pressão do capital financeiro especulativo, e das multinacionais montadas e vivendo com base na fraude e na pilhagem, acentuam até os limites do inimaginável a tendência bandoleira que a burguesiadesenvolveu desde seu princípio. Desaparecidos os “self mademan”e seu orgulho patriótico, o que restou foi uma revoada de abutres ameaçando a classe trabalhadora e toda a humanidade.

A época do imperialismo é implacável, destruindo tudo a sua volta independentemente da capacidade e competência de qualquer burguês individual. O caráter de cada burguês individualmente só pode ajuda-lo a deslizar neste abismo com maior ou menor velocidade, mas não pode modificar o curso e nem deter a avalanche. Afinal, nem mesmo as ações dos governos podem modificar isto enquanto eles aplicam a política do imperialismo. Justamente porque esta política é uma fuga para frente onde a ordem é concentrar, tomar mercados, dizimar a concorrência e a qualquer preço “reduzir o custo do trabalho” destruindo direitos e conquistas. Quanto mais especulam com as finanças, quanto mais concentram as indústrias, e tudo o mais, em grandes monopólios ou cartéis, quanto mais baixam o “custo do trabalho”, mais os capitalistas reduzem empregos e salários diretos e indiretos, causando uma redução do consumo e como consequência se obrigando a acelerar no círculo infernal em que estão metidos. Nesta situação os burgueses não tem mais nenhum escrúpulo e se lançam no “cada um por si e deus por todos”transformando-se diretamente em gangsteres endoidecidos que a tudo roubam e a todos enganam. A Cipla e a Interfibra são exemplos disso.

A CIPLA e a INTERFIBRA são empresas pioneiras em tecnologia de plástico resistente à alta pressão, ao calor e à corrosão. Há anos fabricam peças para a Volvo, em doze países, para a Mercedes Benz, em seis países,para a Multibrás (Cônsul),para a Petrobrás, e inúmeras outras multinacionais. Além disso, sua linha para material de consumo é reconhecida nacionalmente. A CIPLA já chegou a faturar U$10 milhões de dólares mensais e a Interfibra U$3 milhões. Estas empresas só chegaram a esta situação por que foram saqueadas, pilhadas, diretamente nos últimos 10 anos, por seus proprietários, que controlam o Grupo HB que envolve cerca de 47 empresas. Por que foram saqueadas e lavadas à liquidação?

Fundadas em 1960 e separadas em 1990 do Grupo Hansen, família tradicional de Joinville que controla a multinacional Tigre e outras empresas, por uma cisão da herança do fundador do Grupo, a Cipla e a Interfibra perderam o apoio da massa de capital com que o Grupo Hansen sustentava as modernizações tecnológicas necessárias. Foi neste momento que o Plano Collor (1990) deu-lhes um golpe quase mortal. O congelamento dos depósitos bancários e o desaparecimento momentâneo de seu capital de giro foram respondidos pelos proprietários com tomada de dinheiro em agiotas e operações fraudulentas de lançamento de debentures, entre outras.

Ao mesmo tempo houve a entrada de uma grande multinacional suíça do setor, a Amanco, que comprou a pequena Akros, também de Joinville, competidora direta. A Amanco investiu na Akros, modernizou e ampliou extraordinariamente a fábrica comprada e passou a competir com vantagem derivada do aumento da produtividade, da produção em escala e do fácil acesso a capitais. Também o Grupo Tigre entrou no mercado da Cipla com muito capital, alta produtividade, etc. O mundo foi ficando pequeno para os capitalistas descapitalizados da Cipla e Interfibra.

De início reagiram pretendendo substituir o capital necessário, mas inexistente, por esperteza e ideias mirabolantes. Tentaram inventar o que já fora inventado, copiaram protótipos em feiras, queriam fazer casas populares de plástico num país onde não existe calefação, a eletricidade custa caro e o frio e o calor exigem materiais minimamente conservantes. Enfim, dilapidaram o que lhes restava.

Cada vez mais estrangulados, os proprietários da Cipla e Interfibra, passaram a utilizar artifícios comerciais, administrativos e jurídicos para sobreviver. Utilizando fraudulentamente uma lei de concessão de benefícios fiscais chegou a montar uma fábrica fantasma no Paraguai. E para lá exportou R$3 milhões em mercadorias. Que pretendia vender como se fosse produzida naquele país para o que receberia enormes incentivos fiscais. A aventura acabou mal dando tudo errado. Apropriaram-se dos créditos de ICMS (créditos de incentivo à exportação, que em SC podem ser vendidos!), mas não conseguiu vender nada no Paraguai. Afinal, lá quase todos os encanamentos e equipamentos sanitários são de metal, muito antigos, como na Argentina, e o mercado insignificante. Com a falsa fábrica lotada e sem ter o que fazer com suas mercadorias, abandonaram tudo por lá mesmo, já que para trazer a mercadoria de volta ao Brasil teriam que pagar taxas de importação de até 30% do valor global.

Este conjunto de circunstâncias e aventuras levou a insolvência e a previsível quebra. A predação dos grandes grupos econômicos, o vampirismo do capital financeiro, as ações dos governos a serviço do imperialismo, criaram o caldo de cultura para as mais loucas e degeneradas aventuras administrativas se apresentarem. E quando perceberam que não havia mais como resolver a situação os proprietários, então, fizeram um plano: resolveram dilapidar a fábrica e embolsar o dinheiro de impostos, taxas, previdência, FGTS, fornecedores e até salários, levando a situação “até onde desse”.

Durante dez anos, milhões de dólares foram assim embolsados sem que praticamente nada os incomodasse. Os poderes públicos, responsáveis pela arrecadação, por todo o controle e fiscalização, seja dos tributos municipais, estaduais e federais, sejam dos encargos sociais e direitos trabalhistas, apenas continuava “cumprindo a tabela” como se diz no futebol. Enquanto isso a diretoria do sindicato homologava as demissões e aconselhava os operários a “pegar o que desse”.

Assim, a Cipla e a Interfibra vieram de 6.000 operários, em 1990, para apenas 1.000, em 2002, quando os trabalhadores assumiram o controle para evitar que fechassem. De simples números, ou “laranjas chupadas” como se diz na fábrica, os trabalhadores viraram homens e mulheres que resolveram tomar seu destino nas mãos. A diferença completa da situação de “antes” para “depois” foi, apenas, a sua organização. Mas este “apenas” é que possibilitou a ação e a orientação política firme que depois de um ano e meio ainda conduz estes trabalhadores a continuar a luta, não como mendigos, mas como trabalhadores orgulhosos do que fizeram e estão fazendo. E estes trabalhadores, que nunca tinham “feito política” antes, e que em sua maioria nem mesmo eram sindicalizados, para salvar seus empregos tiveram que se erguer como gigantes, não só frente aos patrões, mas também encarar o judiciário, e enfrentar o principal poder político da nação, o governo que eles próprios elegeram.

As multinacionais – A Volvo ataca

Quando os trabalhadores assumiram o controle das empresas a Cipla tinha a quase totalidade de seu faturamento assegurado por compradores industriais. São montadoras como Mercedes-Bens, Volvo, Scania, e outras multinacionais como Eletrolux, Multibrás (Cônsul), etc. Estes compradores mantêm equipamentos chamados “moldes” dentro da CIPLA para fabricação de suas peças. Eles acompanham a produção diariamente e diretamente com inspetores vindosdas suas centrais no Brasil. Num primeiro momento houve um pouco de pânico nos grandes compradores, pois não é simples trocar de fornecedor de peças industriais. Mas, logo as coisas foram se acalmando à medida que os próprios inspetores passaram a respirar um ar mais agradável dentro da fábrica e vendo o entusiasmo dos trabalhadores resolveram em semanas vários problemas que há anos se arrastavam sem solução.

Apesar disto, e da unanimidade dos inspetores sobre a melhora da qualidade das peças, do aumento da produção, da melhora na entrega e no cumprimento dos prazos, além da mudança geral de clima dentro da fábrica, a CIPLA foi surpreendida por uma comunicação da Volvo do Brasil, de que a Volvo Sueca, a matriz mundial, frente ao desenrolar da situação na CIPLA havia decidido retirar seus equipamentos (moldes) e encerrar as compras com a CIPLA.
Antes fora a Multibrás e a Eletrolux que comunicaram que estavam se retirando. Como o faturamento com estas duas era pequeno, foram-se. Mas com a Volvo era diferente. Ela assegurava cerca de 17% do faturamento mensal da Cipla. Sua retirada poderia significar a inviabilização definitiva e o fechamento da CIPLA.

E esta foi evidentemente uma decisão política da matriz da Volvo reagindo à situação em que os trabalhadores assumiram o controle administrativo e financeiro e estão mobilizando toda a cidade com objetivo de que o governo assuma as empresas.

Como medida imediata a direção eleita organizou uma delegação para reunir-se com a presidência da Volvo do Brasil. Esta delegação foi composta por 3 diretores eleitos da CIPLA, um representante do Sindicato dos trabalhadores plásticos de Joinville, um vereador do PT, um deputado estadual do PT, um deputado federal do PT, um representante do prefeito de Joinville (PSDB)e um representante do governador eleito (PMDB). A presidência da Volvo do Brasil manteve-se intransigente e apenas concordou em continuar comprando por mais 60 dias. O que de fato resolvia apenas o seu próprio problema de encontrar outra indústria capaz de substituir a CIPLA.

Frente a esta situação a Comissão de Transição eleita da CIPLA junto com o Conselho de Delegados de Fábrica (eleitos por setor e revogáveis a qualquer momento), que é o comando político e administrativo da fábrica, resolveram apelar para a solidariedade internacional dos sindicatos de vários países da Europa (França, Alemanha, Suécia, etc.), ligados à categoria dos plásticos e da metalurgia, para que ajudassem a conseguir uma reunião com a direção da Volvo na Suécia e participassem de uma delegação à Estocolmo para discutir a questão e ajudar a salvar os 1.000 postos de trabalho. Esta reunião nunca aconteceu porque naquele momento os trabalhadores não conseguiram para isso nenhum ponto de apoio na Europa, apesar de várias promessas. Tentando todas as possibilidades para impedir o fechamento da fábrica a direção eleita da Cipla teve uma reunião com o governador eleito de SC, Luís Henrique da Silveira (ex-prefeito de Joinville) que se comprometeu a interceder junto a Volvo e “ajudar no que pudesse”. Mas, não aconteceu nada e a Comissão de Transição começou a tentar conseguir apoio de parlamentares e sindicalistas no estado do Paraná onde está a sede da Volvo do Brasil, mas também não teve sucesso. Alguns sindicalistas se dispuseram a ajudar, mas nada conseguiram.

Em 20 de dezembro de 2002, numa sexta-feira, às 18h00min horas, aparece na Cipla um oficial de justiça com uma Liminar Judicial conseguida pela Volvo, em Curitiba, e que um Juiz de Joinville mandara cumprir. A liminar autorizava a Volvo a retirar todas as suas ferramentas (moldes) da fábrica da Cipla. Junto estava um advogado da Volvo e uma equipe de 4 PMs armados. Nesta liminar judicial se lê a justificativa da Volvo para pedir ao Juiz a retirada de seus moldes: “... na Cipla os operários literalmente tomaram o poder.”
Imediatamente a fábrica é paralisada pela Comissão de Transição e os operários bloqueiam os dois portões. Trilhos são levados por empilhadeiras para barrar as entradas e para reforçar dois caminhões são atravessados pelo lado de dentro dos portões. Junto destas barricadas improvisadas centenas de operários encaram a guarda afirmando uma só decisão: daqui não saem os moldes da Volvo.

A PM chama reforço. Eles chegam como gafanhotos, mas de novo são insuficientes, pois mais trabalhadores vindos dos bairros, avisados por telefone, estão chegando. Parlamentares do PT chegam ao local e se colocam sob a mesma orientação: impedir a retirada dos moldes. Militantes da Juventude Revolução se somam ao bloqueio e ajudam em todas as medidas adotadas. A PM hesita, ameaça, vacila e se paralisa. Impasse.

As 23h30min horas numa reunião, no comando da PM de Joinville, constatando que não havia como entrar pacificamente, o comandante da PM, sob intensa pressão, transfere a execução da ordem para as 14h00min horas do dia seguinte “para ver o que vamos poder fazer”.

Durante a noite a mobilização cresce epela manhã o pátio está coberto de barracas e não cessam de chegar trabalhadores e familiares, militantes solidários, sindicalistas, jovens, etc. A fábrica diz que vai resistir e que a Volvo não vai levar os moldes. A mobilização é impressionante. Cada um faz uma coisa, todos se preparando para defender os postos de trabalho até as últimas consequências. Ninguém dorme. Uns tocam violão, outros bebem chimarrão ou café, preparam alguma comida. E histórias de greves, manifestações, enfrentamentos com a polícia, são contadas por um ou outro que já participou de alguma luta há tempos atrás. Os jovens da Juventude Revolução tem muito para contar com as mobilizações de milhares de estudantes que fizeram pelo Passe Livre e os enfrentamentos com a PM que tiveram nos últimos anos. Velhos operários e operárias que nunca participaram de nada parecido ouvem com atenção, enquanto seus olhos enrugados correm do contador de históriapara o portão vigiado pelos companheiros de plantão. A noite é longa, quente e solidária.

As 10h00min horas da manhã seguinte, no sábado, com a mobilização firme e ainda crescente na fábrica, o advogado dos trabalhadores encontra o Juiz de Joinville que concedera a Liminar autorizando o uso de força policial. A situação é apresentada e o advogado, um militante operário,comunica ao meritíssimo Juiz, que se ele mantiver a ordem “vai passar o Natal com as mãos sujas do sangue dos operários, que já decidiram que não vão entregar os moldes da Volvo”. O meritíssimo Juiz, com seu senso de justiça reacendido pela proximidade do Natal, decide uma postergação do cumprimento da liminar “para em janeiro ver o que vamos fazer”.

A Volvo entra em pânico. A não entrega de peças por mais de 15 dias começaria a paralisar suas fábricas em seis países. Então, um acordo é proposto para a Volvo: A Cipla concorda em entregar os moldes em troca de um pagamento equivalente a 15 meses de lucro líquido com a produção contratada pela Volvo. As negociações envolvem a presidência da Volvo, que finalmente concorda e paga R$500.000,00 a vista. Recebe então autorização para entrar e retirar seus moldes. A fábrica explode de alegria. Todo mundo comemora. Este dinheiro será injetado na compra de matéria-prima para relançar a linha de material de construção que é vendida no varejo em lojas, e ainda deve ajudar bem a pagar o salário do mês, justo na véspera do Natal.

FIM da 1ª Parte